Como diria o Rui Tavares, não basta, sem dúvida, limitar a soberania dos Estados-nação mais fracos da UE, tornando-os administrações vassalas de um outro Estado ou entente de Estados mais poderosos, para democratizar a Europa, ou, pelo menos e para já, defender com um mínimo de verosimilhança as liberdades políticas e os direitos sociais dos seus cidadãos. De resto, o "modelo alemão" de resposta à crise e de governo da UE, aí está, e chega e sobra, para o demonstrar.
E contudo, deveria ser suficiente olhar para os problemas, ameaças e potenciais alternativas que decorrem da situação da Europa e do mundo para compreendermos que, aqui, a defesa e aprofundamento democratizadores das liberdades e dos direitos sociais passa pela vitória do federalismo sobre as soberanias nacionais, o fetichismo do Estado-nação e a hidra ressurrecta do nacionalismo.
Perante os processos de supressão das liberdades e direitos democráticos em curso em Portugal e em Espanha, em Itália e na Grécia, à sua suspensão constitucional na Hungria — bem como perante as ameaças, entre outras, representadas, por um lado, pelas medidas securitárias e belicistas de uns EUA à beira do colapso no irracionalismo, e, por outro, pela "exportação" do "modelo chinês" à escala global — não há alternativas "nacionais" verosímeis, ao mesmo tempo que, sem o contributo do federalismo e da democratização na Europa para um novo surto internacionalista, urgente como nunca, as perspectivas tanto da paz como de uma "Primavera dos povos", generalizada e com horizontes consistentes, se tornam radicalmente mais limitadas.
Recentemente ainda, José Manuel Pureza escrevia, a propósito da "crise do euro e [d]a implosão do modelo social europeu", que "O declínio americano, a turbulência russa e a afirmação de poder chinês não são factos, são tendências de fundo que 2011 apenas confirmou", e insistindo na democratização social e económica como condição das liberdades e direitos fundamentais, concluía: "Pelas mãos da obsessão da austeridade, a Europa está a perder a democracia e a substituí-la por novas oligarquias. A asiatização do capitalismo europeu é um processo em aceleração rápida. E desenganem-se os que acham que isso se confinará à propriedade de empresas (EDP, BCP, ...): muito mais que isso, será (está a ser) uma mudança profunda de modos de vida". O que, para dizermos as coisas com sobriedade, significa que estamos a poucos passos — que poderão dar-se muito rapidamente — de uma catástrofe social e política e de uma regressão de dimensões propriamente incalculáveis do horizonte civilizacional que nos formou. Ignorar ou minimizar a sua ameaça não é, salvo erro, a melhor maneira de a combatermos.
04/01/12
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2 comentários:
Aplauso, caro Miguel !
A ver se ainda vamos a tempo (e vamos, claro que vamos, porque não ?) de fazer ouvir a voz do bom senso.
O certo é que a direita tem conseguido tornar este discurso limpido quase inaudivel à esquerda. E como sempre, o que é triste, é constatar que os melhores aliados da direita nesta matéria são precisamente os clérigos armados em defensores dos principios da esquerda...
No fundo, no fundo, a tradição medieval de obrigar os clérigos a recopiar cartapacios anos a fio antes de começar a opinar sobre eles até nem estava mal. Eu acho que deviamos fazer a mesma coisa à esquerda, começando com Marx, e verificando que os camaradas não se contentam com uma leitura apressada dos titulos...
Abraço
Talvez tenha interesse relembrar a visão de Michel Rocard sobre a hipótese de se criar uma Federação no espaço da União Europeia, lance de um conjunto de situações que integra na argumentação principal no seu livro de memórias, " Si ça vous amuse ",publicado pela Flammarion Edit.2010. " Não se deve esquecer que a enorme construção europeia tem por aglutinador essencial a livre-troca, e que a livre-troca não tem, por assim dizer, nenhuma necessidade do Estado, tão-só de um pouco de polícia comercial. Criou-se portanto uma contradição evidente entre a esperança de ver emergir uma potente federação, potência pública de direito internacional, intervindo nas questões mundiais como o fazem a Rússia, os USA, a China, etc- e face a esses países- e o cuidado de fazer funcionar o grande Mercado Único com o menos possível de administração, de regulamentação pública e de subvenções. Ora, nós conseguimos construir o nosso Mercado Único. A contradição que evoco pode mesmo enfraquecer a moeda única com que o essencial desse mercado se engalanou. Se o Banco Central Europeu é potente e qualificado para levar a cabo uma política do Euro anti-inflacionista, a ausência de uma condução/pilotagem macroeconómica comum na zona mantém esta numa situação de fragilidade. E a icerteza continua total sobre o dispositivo de comando da política de troca(s).(...) Por outro lado, as instituições e as competências definidas pelos tratados sucessivos jamais colocaram a Comunidade ou a União em posição de fazerem funcionar os instrumentos tendo em vista uma real potência integradora. Deste modo, não existem impostos europeus. E o orçamento da União cifra-se a muito custo em cerca de 1 por cento do PIB da dita. Permanecemos assim num espaço do irrisório, e o uso de tal soma não pode de forma alguma influir de forma suficiente para provocar um movimento integrador faseado ". Niet
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