Confesso que não me lembrava desta data, mas este artigo de Mariana Avelãs (via Joana Lopes) lembrou-me.
Ao contrário de muita gente, acho que o principio do fim do cavaquismo não foi com a ponte 25 de Abril, foi mesmo na manifestação anti-propinas de 24 de novembro de 1993.
Há um facto curioso acerca dessa manifestação: é que até estava menos
gente que o costume (um amigo meu até comentou "Isto é melhor é
deixar-se de fazer manifestações"). Mas, de repente, a policia de choque
carrega sobre os manifestantes, descendo a escadaria e os jardins da
Assembleia da República - foi um erro fatal: por um lado, o facto de os
estudantes terem sido concentrados nos passeios da Praça de S. Bento, só
por si, fazia-nos parecer mais; e, mais importante, logo no próprio dia 24,
os estudantes das faculdades de Lisboa, ao saberem das noticias da
carga policial, dirigiram-se espontaneamente à Praça de S. Bento (ao
melhor, às ruelas dos arredores - a praça estava ocupada pelo Corpo de
Intervenção) e ao ISEG, que fica ali ao lado.
Quando saí da Praça
e fui jantar à cantina do ISEG, aquilo estava a abarrotar de gente,
sobretudo alunos da Faculdade de Letras (inclusivamente uma pessoa que eu não me lembrava de ter alguma vez ter visto na vida mas que me perguntou "És o Miguel, não és? A gente brincava juntos quando vivias em Paderne"; eu vivi em Paderne até aos 4 anos de idade...) - quase de certeza que, ao fim
do dia e à noite esteve lá muito mais gente do que na manifestação
propriamente dita.
Conclusão: uma manifestação que até nem tinha
sido das melhores, graças à carga policial, tornou-se o ponto de viragem
da luta anti-propinas, com manifestações quase diárias nas semanas
seguintes.
Conclusão da conclusão: muitas vezes, a "repressão policial" não é apenas "terrorismo oficial"... é burrice!
Efeitos
secundários: com a demissão de Couto dos Santos, uma semana depois, e a
sua substituição por uma Secretária de Estado, isto foi também o
principio do "ManuelaFereirraLeitismo"
O que escrevi acima baseia-se num post meu de 2005; algumas observações adicionais:
- A minha geração ainda foi a única a ganhar alguma coisa com a luta anti-propinas: com a substituição de Couto dos Santos por Ferreira Leite, as sanções para os boicotadores foram endurecidas - em vez de uma simples multa, a sanção passou a ser a não atribuição a licenciatura a quem não pagasse as propinas; mas isso abriu um curioso vazio legal: devido ao principio da não-retroatividade das leis, essa sanção não se poderia aplicar às propinas que já estavam em dívida; e como a lei anterior foi revogada, também não podíamos ser multados. Ou seja, os estudantes que boicotaram as propinas no ano lectivo de 1992-93 safaram-se sem as pagar (tivemos que pagar as dos anos seguintes, mas essas não); inclusivamente, nas RGAs era frequente aparecerem alunos que em 92-93 não tinham feito boicote a reclamarem que a Associação de Estudantes não estava a fazer nada para eles recuperarem o dinheiro das propinas (e creio que realmente nunca mais o viram...).
- A referência ao "ManuelaFerreiraLeitismo" é completamente datada (quem era mesmo essa mulher?)
24/11/13
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2 comentários:
Concordo na íntegra.
Nessa manifestação, depois da porrada policial que cavalgou estupidamente escadaria abaixo, depois de escorregar e cair de costas, depois de me reerguer já perto do passeio em frente à AR, agarrei numa pedra, fiz pontaria e arremessei-a, não em linha reta, mas sim para cima, em direção ao céu para cair em curva no capacete de um polícia coberto pela armadura da ignorância. LOL Uma imagem daquelas que se guarda com a frescura dos neurónios de estudante, parece um filme sempre que revejo a cena no écran da mente. E recordo com um sorriso pateta o sentimento de vingança, de justiça cumprida, com um sabor ancestral, uma satisfação quase adolescente. Que sorte, que pontaria, uma única pedra e um remate tão certeiro! Lindo!
Em procissão, também fomos jantar ao ISEG.
E também tive logo a intuição, tal como tu, de que algo mudaria a partir dali, e que até tinha sido uma sorte (ironicamente) aqueles selvagens fardados terem feito grunhir os cassetetes, comandados por generais boçais (Cavaco e... Loureiro dos Santos? -- digo de memória). A escumalha que governava o país agiu com a cobardia neanderthal de quem provavelmente calculou: "agora que são poucos, damos-lhes uma tareia e arrumamos o assunto: estas crianças aprendem definitivamente e vão para casa, nunca mais nos chateiam". LOL o tiro ter-lhes saído pela culatra foi magnífico! A sua própria ganância, a sua pressa em enterrar o morto, veio precisamente ressuscitar uma luta anti-propinas tristemente decadente.
Até a comunicação social, sempre tendenciosa até ali (lembro a revolta que dava os jornalistas apresentarem de ânimo leve as movimentações do MECAP, distorcendo as razões da luta, preferindo ir filmar os bêbedos com capa e batina nos bares da zona nos dias das manifs), dizia eu que a comunicação social, sem ser justa, ao menos tornou-se um pouco mais honesta a partir desse momento.
LOL veio-me agora à memória o Mário Soares também a pronunciar-se sobre o sucedido! LOL
A nação adormecida mexeu-se um centímetro!
Na manhã seguinte reunimo-nos com a presidente do CD de Belas-Artes e o mais falador de nós, num relato alucinado, comparou vezes sem conta a carga policial com o extermínio de estudantes na praça de Tianamen (LOL eu achei um claro exagero, mas naquele momento já estávamos em ritmo de banda-desenhada e toda a fantasia era possível, havia quem delirasse LOL).
A recordação ainda daquela noite em que houve vigília para lamentar a carga policial, foi a surpresa de assistir pela televisão malta a acender velinhas ainda de madrugada, miúdas que nunca tinham posto os pés em manifs, ali sentadas nos passeios e asfalto, a dar entrevistas, muito maternais porque aquilo não se fazia a jovens inocentes!
Nos dias que se seguiram as pessoas perguntavam umas às outras: "foste à vigília?"(como hoje se pergunta "tens fb?"), num ato de controle social e consentimento coletivo em que, de um momento para o outro, o aceitável era estar contra as propinas (já não éramos mal vistos, aqueles "mesquinhos que não querem pagar", os esquerdistas manipulados pelos partidos,... LOL). Eu respondia surpreendido (e risonho) que a "manif parte 2" (vigília das velinhas acesas) era para redimir os que não tinham ido ao cineminha da "manif parte 1" LOL. Belos tempos!
Pouco depois realizou-se uma das maiores manifs de estudantes de sempre! Se não me engano, nós (Belas-Artes) levámos um abutre construído com arame rijo e esponja. Estávamos no tempo das esculturas, "um bicho por manif" LOL bons tempos sem dúvida!
Hoje (falando à velho) os estudantes do ES usam aqueles trajes académicos que metem nojo, promovem praxes cada vez mais brutais e imbecilizadas, concretizam percursos académicos de total vacuidade no plano da cidadania... Pois! No nosso tempo é que era! LOL
E pronto, desculpem lá qualquer abuso neste texto de palavras entruncadas, mas o teu artigo motivou revisitar um dossier que trazia cheio de pó na prateleira das memórias!
E agora? Que futuro? Os vaticínios de quem temia e lutava contra o aumento das propinas cumpriram-se: a mais evidente é a elitização do ES. Agora, volvidos 20 anos, é a vez do EB. QUE PORRA!!!
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