16/11/15

A "esquerda patriótica", a "esquerda gaga" e a guerra

Como o Miguel Madeira mostrou ainda há pouco, o EI é, de facto, um Estado. Ora, acontece que esse Estado declarou em termos mais do que explícitos guerra à UE. O que nos põe perante algumas questões imediatas e claras, que podem resumir-se nas duas perguntas seguintes: Será possível travar a guerra por via política não-militar? Caso não seja possível ou não queiramos aceitar a via da negociação ou da rendição militar, que fazer na situação de guerra efectiva em questão?

A este respeito, convém reconhecer que, se as respostas dos partidos que constituíram até há pouco o "arco da governação" são vagas e erráticas — a guerra, só em último lugar; a guerra, só se não houver outra maneira; etc., sendo que não são sequer formuladas as perguntas: A guerra, como? A guerra, para quê?—  —, as da "esquerda" parlamentar são ainda mais insensatas (caso do PCP) ou vazias (caso do BE).  Com efeito, se havia quem receasse que a "esquerda patriótica" e soberanista, assumisse perante a declaração de guerra de um Estado agressor posições de apoio incondiconal a medidas de retaliação defensiva, não poderá deixar de sentir-se estupefacto perante a recusa, após uma declaração de guerra de outro Estado, de qualquer intervenção militar no estrangeiro. Dizer que a guerra declarada aos Estados membros da UE pelo EI se deve, sobretudo, à política externa norte-americana, etc., etc., não impede essa declaração de atentar contra a "nossa pátria".

As considerações gagas do BE conseguem o prodígio de não dizer coisa nenhuma: o Bloco de Esquerda recusou que a “solução” para o terrorismo passe pela “violência” e pela via militar. Contactado pelo Observador, o BE remeteu qualquer esclarecimento sobre a posição do partido para as declarações feitas este fim de semana pelos dirigentes bloquistas que estavam em Paris. Falando aos jornalistas no domingo depois de prestar homenagem às vítimas, o líder parlamentar bloquista defendeu que a “resposta ao terror” deve ser “forte, veemente, mas dentro do quadro da democracia”. Ou seja, sem violência e sem ação militar de contra-ataque (…) O mesmo disseram a coordenadora do BE, Catarina Martins, e a candidata presidencial apoiada pelo partido, Marisa Matias: que caminho tem de ser feito pela “solidariedade” e não através do “ódio”. Essa é, disseram, “a única resposta da paz e dos direitos humanos”. As dirigentes bloquistas defenderam, durante uma sessão de apresentação da candidatura de Marisa Matias a Belém, que a Europa não pode enfiar a cabeça na areia nem construir muros ou fechar fronteiras, devendo sim procurar perceber “as causas e razões destes atentados” e trabalhar para “acabar com o terrorismo”. A "resposta ao terror", "forte e veemente", será, quando muito, a constituição de um grupo de trabalho, que estude — não se sabe se em conjunto com o PS, ou não — maneiras pacíficas e solidárias de combater o agressor.

Por fim, é de notar o quase silêncio da "esquerda patriótica" e do BE sobre a questão dos refugiados e a urgência, que a guerra em curso só vem reforçar, de um acolhimento mais aberto e que vise a sua integração acelerada nos países da UE como cidadãos de parte inteira, sem guetos, nem outorgas envenenadas de estatutos identitários à parte.

5 comentários:

Kke disse...

Eu teria muito gosto em ler o que tem msp a dizer sobre este assunto (e já agora estranho o nada que manifestou neste blog sobre política nacional ultimamente). É sempre bom saber qual o ponto de vista dos libertários pragmaticos. Quanto a mim não iria para a guerra, tal como não teria ido na primeira ou segunda mundiais.

Miguel Madeira disse...

Em Portimão o Bloco de Esquerda local até foi muito ativo (pelo menos politicamente) em defesa do acolhimento dos refugiados; confesso que não sei se pegou no assunto no resto do país:

http://planetalgarve.com/2015/09/17/portimao-e-o-1o-concelho-algarvio-a-declarar-solidariedade-e-a-acolher-refugiados/

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Kke,
tenho escito pouco ultimamente sobre o seja o que for neste blogue. Tentei, no entanto, dizer alguma coisa sobre o problema decisivo dos refugiados (vários posts que têm "Refugiados" por título), indo um pouco além de considerações humanitárias.
Quanto ao EI e à necessidade de o combater, devo dizer que me interessa, não defende osr Estados da UE ou quaisquer outros, mas, se quiser, as liberdades, direitos e garantias duramente conquistados nesta parte do mundo e que, não só fazem apesar de tudo diferença, como comportam potencialidades de extensão e desenvolvimento que mantêm no horizonte a democratização radical das relações de poder instituídas. É evidente que me oponho e denuncio qualquer forma de belicismo, securitarismo ou derrotismo angelical que possam contribuir para reforçar as ameaças que comprometem o que resta — e urge reactivar — de perspectivas dessa democratização radical.

Saudações democráticas

msp

Kke disse...

Gago como o BE, portanto.
No plano nacional estranho o seu silêncio, após anos a promover uma frente de esquerda.

Miguel Serras Pereira disse...

Kke,
"…anos a promover uma frente de esquerda", é, no mínimo, pouco exacto. Quando muito, tentei propor uma ideia da "democratização como plataforma necessária e suficiente", que, sob muitos aspectos, se situa nos antípodas da "frente de esquerda" agora ensaiada. Cf., por exemplo, estes dois posts: "Contra as Plataformas Redutoras" ( http://viasfacto.blogspot.pt/2011/04/contra-as-plataformas-redutoras.html ) e "Que Movimento por que Democracia?" ( http://viasfacto.blogspot.pt/2011/06/que-movimento-por-que-democracia.html ).

msp