É frequente dizer-se que o autoproclamado "Estado Islâmico" não é um estado nem é islâmico. Será? Vamos ver:
- O EI tem todas as características de um Estado: controla um território (sobre qual exerce o monopólio da violência), aplica uma dado sistema legal (neste caso, uma interpretação da sharia), cobra impostos, tem até uma espécie de aparelho administrativo, etc.
- E é claramente de inspiração islâmica - a grande diferença entre o EI e a Arábia Saudita (que quase ninguém negará que seja islâmica) é que a Arábia Saudita (ou, já agora, a outra fação fundamentalista dos rebeldes sírios, a Al-Nusra) não transmite as execuções para o mundo via youtube.
Neste conversa de "o EI nem é um Estado nem é Islâmico" parece-me haver um grande desejo de negar que tanto os estados como as religiões possam cometer ou promover atrocidades.
16/11/15
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6 comentários:
Julgo importante manter-se algum cuidado com as comparações, assim como me parece abusivo chamar-se Estado a um grupo de rebeldes que vai impondo a sua ordem junto dos territórios que conquista e esteja longe de imaginar que o marketing da violência perpetrado pelo EI tenha algo de islâmico. É óbvio, já todos sabemos, que o EI funda-se, cresce e alimenta-se de uma leitura fundamentalista da Sharia (código que já por si é bastante radical), mas o islamismo está longe de se esgotar nessa doutrina. A própria al-Qaeda mantinha reservas contra os métodos dos líderes do EI, os quais não se importam de ter como alvo muçulmanos considerados infiéis. É um erro meter tudo no mesmo saco, até porque não ajudará a resolver nada.
Dois artigos, um sobre as diferenças ou a falta delas entre o EI e a Arábia Saudita e um outro que tenta traçar uma "genealogia intelectual" do EI e que defende que eles são bastante islâmicos mas num sentido de Islamismo próprio do século VII. E que despendem um grande esforço em manterem-se coerentes a essa perspectiva.
http://www.diasporas.es/2015/06/20-diferencias-daesh-arabia-saudi.html
http://www.publico.pt/mundo/noticia/o-que-e-o-estado-islamico-1690458
A minha interrogação mais pertinente será talvez a da fonte de financiamento, de como cortá-la, ou diminuí-la, e que consequências teria isso no presente e de que forma nos prepararmos para o fazer a outros tantos iguais ou piores que estes no futuro, já que me parece que as intervenções militares fortalecem a capacidade destes grupos se expandirem e parece que estão para durar. Se conhecerem algum bom artigo sobre isso agradeço...
Um artigo sobre o "orçamento" do EI:
http://www.nytimes.com/interactive/2015/05/19/world/middleeast/isis-finances.html
Ola Miguel,
Quanto ao fundo, OK, mas não me parece completamente suficiente dizer-se que "O EI tem todas as características de um Estado". De facto, ha muito quem considere que bastam os elementos que apontas para existir um Estado (é hoje a doutrina dominante entre os especialistas de direito internacional, dita tese "declarativista"). No entanto, mesmo para quem aceita este postulado, é geralmente admitido que um Estado não pode impor o seu reconhecimento aos outros e que uma parte importante das suas prerrogativas fica necessariamente suspensa enquanto não houver reconhecimento pelos outros Estados. Em situações, como a que te interessa, onde a efectividade do controlo da população e do territorio, senão a propria existência de um poder soberano, são altamente contestados, é obvio que o reconhecimento é um dado crucial. Isto sucede normalmente com situações de guerra civil em que duas entidades pretendem exercer soberania sobre o mesmo territorio (pense-se nos casos da China, e de tantos outros).
Portanto o autor da frase pode ter simplesmente querido salientar que o autoproclamado Estado Islâmico não é um "Estado" reconhecido pela comunidade internacional. Isto não me choca... Quanto ao resto, penso que ninguém contesta que possam ter existido, existir ou vir a existir, "Estados gatunos". No passado recente, foi mesmo esta uma circunstância invocada para "justificar" intervenções armadas de legalidade controvertida...
Abraços
Caro João,
os pontos que suscitas são pertinentes e perspicazes. No entanto, poderá também argumentar-se que as próprias declarações do Estado francês reconhecem, ao afirmar que a França está em guerra, a natureza estatal do EI. Enfim…
O outro ponto é que muitos dos que pretendem que se recuse o reconhecimento da natureza estatal do EI, fazem-no sustentando mais ou menos expressamente que esse reconhecimento seria um atestado de respeitabilidade. Como se a natureza estatal tornasse respeitável o exercício do poder. A conclusão neste caso seria que o III Reich era mais respeitável do que as guerrilhas sem Estado que o combatiam e assim por diante.
Mas, como já indiquei, esta nota não é uma objecção ao que dizes…
Abraço
miguel(sp)
Ola Miguel (SP),
De facto, as declarações de F. Hollande podem ser vistas como um passo na direcção do "reconhecimento de facto" do EI como Estado, embora ele tenha mantido uma certa ambiguidade quanto ao sentido (metaforico ou não) que ele da à palavra "guerra". Julgo que esta declarações foram alias criticadas por esta mesma razão.
Pessoalmente, estou bastante dividido acerca a oportunidade de falarmos em "guerra". Por um lado, percebo que o papel do EI não pode nem deve ser menosprezado, e também percebo a tentação que ha de utilizar o conceito de guerra para justificar algumas medidas exorbitantes que não julgo necessariamente descabidas dadas as circunstâncias.
Por outro lado, aceitar o termo "guerra" é oferecer aos terroristas aquilo por que eles mais anseiam : o reconhecimento do seu estatuto de ameaça séria e a instauração de um clima de terror que acentua mais ainda as divisões, ou pelo menos algumas delas, tanto internamente como internacionalmente, e torna menos audivel o necessario trabalho do dialogo e da inteligência.
Percebo a raiva e a revolta contra a impotência. Mas não nos enganemos num ponto importante : infelizmente, não é necessario o apoio de um Estado hostil ou sequer de uma organização possante de grandes dimensões, para chacinar mais de 100 pessoas. Isto esta ao alcance de um cretinoide como o Brevik, ou mesmo de adolescentes morbidos como os desgraçados que vemos regularmente aos tiros nos EUA. A guerra não é nécessariamente a resposta adequada para estes problemas...
Obviamente, nada disto exclui a necessaria firmeza na defesa dos valores fundamentais da nossa civilização. Ja foi mais facil dizer "humani nihil a me alienum puto"...
Um abraço,
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