12/04/10
Um bom exemplo?
por
Rui Bebiano
Tal como tantas outras pessoas, aderi de imediato ao vídeo de Cidinha Campos que tem circulado por tudo quanto é Internet lusófona. Ao ponto de já ter chegado à televisão portuguesa, cada vez mais seguidista em relação ao que se passa na rede. Não é difícil explicar a adesão automática a esse vídeo. A minha e a da nova legião transatlântica de admiradores da deputada estadual do Rio de Janeiro. Habituados a receber as ondas de choque de uma certa classe política brasileira, tantas vezes capaz de contemporizar com comprovados actos de corrupção, a reacção perante um gesto de denúncia tão claro e veemente só poderia ser de simpatia. Em Portugal, acostumados a um parlamento maioritariamente desbotado, no qual mesmo os deputados menos comprometidos com o sistema de prebendas institucionalizado pelo «centrão» jamais excedem o domínio da razoabilidade, a atitude ainda parece mais admirável. E se alguém pisa o risco no quadro parlamentar, como o «ministro dos corninhos», é um ai-jesus, credo, que parece impossível. Que saudades de pessoas como Acácio Barreiros (dos tempos da UDP), Francisco Sousa Tavares, Natália Correia ou Odete Santos! Para não recuarmos até Afonso Costa ou José Estêvão…
Perante tanto cinzentismo (alguns chamar-lhe-ão ausência de pathos), como não gostar então da atitude sonora e desempoeirada da deputada Cidinha? Bem precisávamos, diremos muitos, de uma quantas pessoas assim, para ver se, pelo menos por algum tempo, cresciam as audiências do Canal Parlamento e aumentava o interesse dos portugueses pela política. Porém, convirá dizer que nem tudo aqui é luz. Se repararmos bem nos termos e nos argumentos da deputada (perceptíveis neste e noutros vídeos acessíveis no YouTube), observaremos um estilo e o recurso a meios que são inaceitáveis em muitos países democráticos, como o uso público de informação judicial que se deveria manter reservada, a referência por alcunhas ofensivas a pessoas ainda não julgadas e condenadas ou a parentes seus, a exibição livre de epítetos e de insultos, ao melhor estilo de um «tribunal popular», que não podem aceitar-se num parlamento por mais hediondos que possam ser os crimes cometidos pelos seus destinatários. Por isto, e passada a novidade, fui deixando de achar grande piada aos vídeos populares da corajosa Cidinha Campos. Eles são reveladores de um lado populista e demagógico da democracia que também nos deve preocupar. Venha ele da esquerda ou da direita.
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11 comentários:
Rui,
Não pus este vídeo em nenhum dos blogues, já estou enjoada de tanto o ver por aí e não me parece que venha ajudar em nada insinuar que «assim é que é», porque estamos na respeitável Europa e seria difícil imaginar um espectáculo destes na Câmara dos Comuns ou mesmo na nossa AR. Mas julgo que há que situá-lo no seu contexto, neste caso no Brasil, não tanto pelo grau de corrupção que por lá existe, mas pelo estilo de expressão que faz parte do ADN cultural dos brasileiros: eles são assim, para o mal mas também muitas vezes para o bem, e estão bem mais vivos do que nós.
E populismo e demagogia existem em todos estes sistemas ditos «democráticos» (mas que tão pouco o são) em que vivemos, enquanto não conseguirmos que nasçam outros.
Pessoalmente, Cidinha Campos incomoda-me menos que Sócrates, vestido Armani e bem penteado.
Desculpe, Rui, mas as preocupações que exprime parecem-me preciosismos. Em tempo de guerra não se limpam armas e, caso não tenha reparado, é mesmo em guerra que estamos.
O que é insuportável é a superioridade moralista que o autor revela!
Respondo de forma comum aos três comentários anteriores, uma vez que, de um modo diverso, todos eles tocam numa questão que, de facto, é para mim essencial em política. Refiro-me *sem dúvida* à questão moral. A não ser que falemos de «moral de classe» - ou mesmo que falemos dela -, podemos, e creio que devemos, falar também de uma «moral comum» vivenciada e partilhada em democracia. Se recusamos a presunção de inocência, o tratamento humano dos condenados ou a pena de morte, não o podemos fazer nuns casos e deixar de o fazer noutros, por exemplo, pois assim a nossa atitude perde força, coerência e fundamento. É de apoiar – e no caso do Brasil, é evidentemente urgentíssimo fazê-lo, como o é também, por exemplo, em Angola – a luta efectiva contra a corrupção, desmascarando abertamente as formas de protecção institucional dos corruptos e forçando a sua punição. Isso pode e deve ser feito também com recurso à mobilização da opinião pública. Na rua, se preciso for. Mas jamais atentando contra os direitos essenciais dos suspeitos, sejam elas o Papa ou um dos Irmãos Metralha. Vi diversos vídeos da Cidinha e reparei, por exemplo, num onde, em plena audiência parlamentar, ela usa documentos associados em processos que estão em segredo de justiça, decretando ali mesmo, por sua livre vontade, … a quebra de sigilo. E passando, ali mesmo, a testemunha de um processo à condição de réu do mesmo. Vale tudo?
Quanto ao argumento Sócrates, desculpa-me, Joana, mas redunda um pouco no mesmo «argumento» daqueles nossos amigos que perguntam porque é que nos preocupamos com os trabalhadores cubanos ou norte-coreanos quando há tantos problemas laborais em Alfeizarão de Baixo… Cada caso é um caso, mas ainda assim não gostaria de ver uma Cindinha Campos no nosso Parlamento invectivar o PM por causa do que fizeram o pai ou o filho, ou chamando-lhe à rédea solta ladrão e filho da outra senhora… Percebo que essas coisas ocorram numa situação revolucionária, onde não há espaço para ramos de flores, e percebo que se digam no fogo de uma manifestação de rua, mas não num parlamento de um regime democrático com tribunais em funcionamento.
Não percebeste, Rui, a minha alusão a Sócrates.
Só quis dizer que há vários tipos FORMAIS de populismo e de demagogia e não do conteúdo do que é dito ou feito. E que detesto o populismo engravatado.
Caros Interlocutores,
estou numa posição delicada para intervir na vossa discussão da Cidinha Campos, pois não vi - e, como não gostei, não tenciono ver - nem este nem outros vídeos seus.
Mas isso a que vocês chamam populismo e a que eu chamaria demagogia (há uma tradição populista norte-americana, por exemplo, que nada tem a ver com o estereótipo), demagogia fazendo apelo às frustrações não reflectidas nem politizadas e às desforras por delegação a confiar ao espectáculo das punições implacáveis , que perpetuam as condições das "injustiças" e "abusos" que denunciam, ou legitimam a autoridade hierárquica castigando alguns desmandos mais comprometedores dos poderosos - isso, essa demagogia parece-me não comportar por definição, apesar da sua eventual popularidade, a menor virtude democrática.
Acontece que a denúncia indignada dos escândalos, atraída pelo desnudamento da corrupção como certo puritanismo pelo combate à licença de costumes, e justificando antecipadamente o uso de meios de excepção contra a epidemia e os riscos de contágio, acontece que essa denúncia se torna, muitas vezes deliberadamente, outras sem dar por isso, uma política contra a política, uma política da exaltação da reserva do poder aos puros, aos competentes, aos pulsos de ferro que ponham as coisas na ordem, apostando nas paixões do circo vocacionalmente cruento que propõe como indemnização à insatisfação de massa contra a vontade e a acção políticas que só elas podem fazer valer os direitos e liberdades dos seus membros, justamente no processo por que empreendam a conquista e a extensão da cidadania activa de todos como expressão da liberdade e autonomia de cada um.
De resto, a insistência no combate ao vício e à corrupção, pródiga em detalhes sobre a sua obscenidade degenerada (Hitler) ou a sua lubricidade viperina (Estaline), foi sempre alibi dos Estados policiais e justificação da necessidade de limitar a "anarquia democrática", de suspender ou reduzir as garantias dos cidadãos cmuns e de reforçar a margem discricionária das autoridades.
Vejo que a Cidinha, dizem vocês, inculpa gente corrupta à pazada; mas não vos ouvi dizer, nem a ninguém, que condenasse o regime prisional brasileiro, os criminosos abusos policiais da região, nem muitos outros males de raiz (que até certo ponto explicam a corrupção) mais profundos e "políticos". Mas pode ser falta de informação minha.
Dito isto, camarada Joana, é humano que te sintas menos incomodada pela Cidinha que não é primeira-ministra do que por um José Sócrates que o é - faltando acrescentar que, para mais, se não há entre ti e ela os Pirinéus de uma das canções de Brassens, há, apesar de tudo, o Atlântico.
Saudações democráticas
miguel sp
Só queria dizer 3 coisas:
o vídeo da deputada em causa que, segundo uma amiga minha brasileira "sempre faz muito barulho, alguns consequentes e outros inconsequentes", questiona uma determinada nomeação para um órgão de Estado invocando o facto de o referido nomeado ter o nome envolvido em casos de corrupção e isso ser contrário à lei. Não consegui perceber onde está o populismo - ou a demagogia.
Quanto ao ADN dos brasileiros, o mesmo me disse em entrevista o Chico Buarque que ninguém poderá seriamente apelidar de populista.
Acrescento que assino por baixo o que diz a Joana - entre o populismo e o formalismo venha o diabo e escolha.
Na minha opinião, porém, com uma vantagem para o populismo: enquanto os discursos formalistas normalmente nos dão sono, os populistas tendem a despertar-nos. Para o bem e para o mal.
No fundo, no fundo, entendemo-nos, Joana, Miguel e Ana Cristina. Como repararam no meu post, o segundo parágrafo segue-se ao primeiro. O que significa que as reservas em relação ao que chamei de populismo, que é também demagogia, são temperadas antes pelo meu reconhecimento da necessidade de vozes audíveis, corajosas e até anti-formalistas. É evidente que a denúncia da corrupção é fundamental (ou pelo menos deveria sê-lo), particularmente em países onde ela se inscreve fundo no corpo das instituições, e a intervenção de vozes corajosas também o é. A Dona Cidinha é destemida e pode ser útil, mas o estilo e os métodos que usa podem ser perigosos. Uma coisa é a luta pela justiça, outra a ascensão de «justiceiros» armados de chicote. De todos eles o único que aceito como inofensivo é o Zorro. E é porque está morto (ou nem sequer chegou a nascer, acho eu…).
Particularizando: de acordo, Joana, em relação ao populismo engravatado (de facto, não tinha percebido bem à primeira); completamente de acordo, Miguel, com o chamar à colação do álibi da justiça para os Estados policiais; de acordo ainda, Ana Cristina, «para o bem e para o mal»… (e eu que comecei a responder a isto pensando que me ia pôr a discordar de toda a gente!)
Pela justiça, com abraços pós-justicieiros.
Caros Rui, Joana, José Luiz, Ana Cristina & outros comentadores:
descobri esta manhã um excelente post do João Tunes sobre o nosso tema de discussão cujos considerandos subscrevo - não me pronuncio sobre a justeza ou não da sua aplicação ao caso da deputada brasileira pois que não disponho de informação suficiente. Aqui fica o link: http://agualisa6.blogs.sapo.pt/1677556.html
E um excerto endereçado aos que reclamam uma, duas, muitas cidinhas para a lusa região:
"Não é preciso, pois, importar a Cidinha do Brasil para cá como sugerem alguns basbaques perante a deputada justiceira populista lançada na moda do You Tube. Basta sintonizarem a TSF de manhã e perceberão quantas cidinhas nos habitam, arrastando as erupções indignadas que compensam as omissões no exercício quotidiano dos direitos cívicos. Porque todas as variantes do populismo nunca querem o povo a intervir e a mandar, nunca lhe cedendo a soberania e o palco, procurando, isso sim, as palmas, muitas palmas, delegadas no caudilho da ocasião ou da moda".
Alta gradação a desta Água Lisa! Maré alta para o João Tunes.
Saudações para todos
miguel (sp)
mas... qual populismo? :| não entendo.
o que se vê ali é uma pessoa completamente fora dela com tanto desaforo (lata, diriamos nós) por parte de um senhor acusado de corrupção e que se atreveu a propor-se para membro do tribunal de contas.
é de admirar a reacção da senhora?
para mim, o que é de admirar, desculpem, é o vosso FORMALISMO na análise do assunto. e, descontados os epítetos - que poderiam ser insultuosos se não fossem verdadeiros, e tendemos a esquecermo-nos que um insulto só o é se não for verdadeiro, isto é, adequado à pessoa em causa - mais pesados que endereçou a tal criatura, reveladores de um estado de nervos que me pareceu completamente genuíno (repararam como as mãos dela tremiam?), não fiquei minimamente incomodada com a gritaria. aliás, o silêncio, profundo e atento, com que a seguiam, é totalmente revelador da verdade, seja das palavras dela, seja da sua indignação. não lhes parece?
Primeiro, resolva-se a questão da corrupção dos que governam, depois logo se resolve os aspectos do populismo e da demagogia dos que os denunciam. É que estes "populistas demagogos", como a Cindinha, não provocam dano real ao erário público nem prejuízo concreto a quem trabalha.
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