29/09/15

Revisitando as eleições britânicas - o eleitorado achou os Trabalhistas demasiado à esquerda?

A respeito da eleição de James Corbyn, em muitas noticias e artigos de opinião têm sido escrito algo como "já nas últimas eleições os eleitores acharam os Trabalhistas demasiado à esquerda" (p.ex., este artigo do André Azevedo Alves).

Vamos lá ver como os resultados evoluíram de 2010 para 2015:

2015
%
Variação
Conservadores 36,9 +0,8
Trabalhistas 30,4 +1,5
UKIP 12,6 +9,5
Liberais Democratas 7,9 -15,1
SNP 4,7 +3,1
Verdes 3,8 +2,8
Outros 3,4 -2,6

Em em termos de deputados, os Trabalhistas conquistaram 2 lugares (ganharam 10 e perderam 8) aos Conservadores e 12 aos Liberais Democratas, e perderam 40 para o Partido Nacional Escocês.

Olhando para estes resultados, não se percebe de onde terá vindo a suposta percepção que os Trabalhistas estariam demasiado à esquerda: em termos de votos, tanto eles como os partidos que se posicionaram à sua esquerda (como os Verdes e os Nacionalistas Escoceses) subiram, enquanto os Liberais Democratas (de centro/centro-direita) desceram; em termos de deputados, os Trabalhistas conquistaram lugares que antes estavam em poder da direita (Conservadores e Liberais Democratas) e perderam lugares para a esquerda (o SNP). Ou seja, tudo indica que os Trabalhistas terão ganho votos aos Liberais Democratas e perdido para o SNP; por outra palavras, perderam votos à esquerda e conquistaram-nos ao centro, o que é pouco compatível com a ideia que teriam uma imagem demasiado "esquerdista".

Pode-se argumentar que o SNP não é bem "esquerda", é simplesmente um partido nacionalista escocês (há quem lhes chame "tartan tories", e no Parlamento Europeu já estiveram sentados com os gaullistas franceses), mas nos últimos tempos têm-se apresentando como estando à esquerda dos Trabalhistas (nomeadamente sendo mais anti-austeridade), e acho que isso é que é relevante para analisar as percepções dos votantes.

28/09/15

A defesa da Europa que faz falta

Jeremy Corbyn em defesa da permanência do Reino Unido na Europa. Um discurso notável com uma avaliação política rigorosa da situação actual e daquilo que importa fazer no contexto europeu. Não me recordo de um líder partidário com uma posição de esquerda tão clara e tão corajosa.
Como é que os nossos comentadores e jornalistas podem continuar a perorar sobre a, por eles imaginada, vontade do novo líder do Labour de sair da Europa?

26/09/15

Fuga de capitais na Grécia.

É hoje notícia que, pela primeira vez em quase um ano, os depósitos nos bancos gregos aumentaram. Isto depois de terem "desaparecido" 43 mil milhões de euros o que, trocando por miúdos, corresponde a metade do valor do resgate negociado por Tsipras.  Ter permitido esta colossal fuga de capitais, é disso que se tratou,  terá sido um dos erros crassos do Governo do Syriza e dá, por certo, uma dimensão exacta da sua impreparação para lidar com a questão da governação,  num contexto político hostil, para quem defendia políticas anti-austeritárias.

22/09/15

Refugiados (5)

O João Bernardo enviou-me o link desta notícia que aqui deixo a quem passe. É mais um passo em frente na banalização do fascismo que será uma cegueira suicida subestimarmos. Mas, perante o recrudescimento assassino dos soberanismos, cegos e suicidas é, até ver, o que mais há. Ou, como comenta o João Bernardo, ao indicar-me o link: "Para mais, esse anexo com uma horta que a notícia menciona não é senão um dos campos experimentais de agricultura biodinâmica que Himmler mandou estabelecer. Tratava-se do maior empreendimento do género, com maior êxito comercial. Ver a pág. 1374 do pdf da segunda versão do Labirintos. Quem sabe se voltará a florescer, agora com nova mão-de-obra?"

Refugiados (4)

Abrir fogo sobre os refugiados é desmantelar a UE e acolher o fascismo.

Quem ganhou as eleições na Grécia?

A clara vitória do Syriza - novamente à beira da maioria absoluta - é uma estrondosa derrota da direita pró-austeritária e, como se percebeu pelas reacções, em particular do inenarrável presidente do parlamento europeu, daqueles  que exercem, com mão de ferro, o poder na Europa. A estratégia do  "parêntesis de esquerda" falhou. A pressão da União Europeia, do Eurogrupo e do BCE sobre o Governo Grego, obrigou Tsipras a engolir o terceiro pacote de austeridade, mas não vergou o povo grego. Quem manda na Grécia são os gregos, disseram- no mais uma vez nas urnas. Ao mesmo tempo que reafirmaram a sua vontade, esta sim irrevogável, de permanecer na União Europeia e no Euro.
A vitória do Syriza foi também uma pesada derrota dos sectores da esquerda nacionalista, Uma derrota do KKE e do novo partido, dos dissidentes do Syriza, a Unidade Popular, que defendia a saída do euro e o regresso ao dracma. Os Gregos sabem bem quanto pagaram ao longo dos tempos pelo isolamento. Parece que estão convencidos que podem mais facilmente lutar pelas mudanças que desejam permanecendo no interior da União. Ainda bem.
A vitória do Syriza, do meu ponto de vista, não pode ser considerada uma pesada derrota das forças anti- austeridade  na Grécia, como aqui se escreveu. A maioria dos que votaram no Syriza são contra a austeridade e o próprio Syriza não desiste de modificar as condições  políticas dominantes. Tsipras desde que foram anunciados os resultados não perdeu as oportunidades para referir a renegociação da dívida como uma questão central do futuro próximo. A lenta alteração da correlação de forças na União Europeia vai permitir colocar esse debate na agenda política. Mesmo contra a vontade da Alemanha.
Por cá, estranhamente, ninguém parece entusiasmado com este resultado. A coligação esperava a vitória da Nova Democracia. Teria caído como sopa no mel. O PS fartou-se de acusar o Syriza de incompetência e de referir que a renegociação da dívida não é uma prioridade. Parecia dar como adquirido um vitória da direita e estava a minimizar perdas. O Bloco resolveu alienar a sua relação com o Syriza e, pelo que se percebe, está hoje do lado da Unidade Popular. Foi flagrante a ausência do Bloco na campanha grega, contrastando com a posição do Podemos. Mas fará  todo o sentido face à aproximação às posições da CDU no que à União Europeia diz respeito.
Esta vitória do Syriza abre caminho a uma nova relação de forças na União Europeia e permite ajudar a construir uma frente europeia contra a austeridade. Uma frente de partidos mas sobretudo de cidadãos, de movimentos sociais que, como referiu Jeremy Corbyn, não desistam de uma Europa do progresso, da paz  e da justiça social. Uma Europa dos cidadãos.

20/09/15

Os meus desejos para as eleições gregas

1 - Vitória do Syriza

2 - Um bom resultado para a Unidade Popular

Por esta ordem.

Claro que também há ouras coisas que seriam boas (p.ex., que a Aurora Dourada descesse), mas estas são as mais relevantes.

Uma nota sobre a abstenção - confesso que não sei se um hipotético aumento da abstenção será bom ou mau; por um lado, seria uma coisa boa, na medida em que pudesse indicar uma atitude de "não vale a pena eleger mandatários que depois fazem o contrário do que prometem; temos é que assumir a governação nas nossas próprias mãos"; mas suspeito que muitas vezes a abstenção indica simplesmente uma atitude de "não vale a pena - no fim, são sempre eles que mandam; vou é dedicar-me à minha família e ao meu trabalho".

18/09/15

A desculpa perfeita para um bloco central?

Expresso: "No estudo da Eurosondagem feito para o Expresso e para a SIC, o Partido Socialista consegue 35,5% das intenções de voto elegendo entre 95 a 101 deputados. Já a coligação arrecada 34% conseguindo 99 a 102 lugares no Parlamento. Ou seja, se os resultados das legislativas fossem estes, os dois blocos podiam facilmente reclamar vitória."

A Segurança Social

Ponto da situação - nem o PSD/CDS nem o PS sabem explicar de onde vem o dinheiro que dizem que vão cortar na despesa da Segurança Social (o PSD/CDS não diz porque diz que isso ainda vai ser negociado com o PS; o PS diz que vai cortar em coisas que já foram cortadas - aplicar "condições de recursos" nas prestações não contributivas)

Grande Jorge Silva Melo



Vale sempre a pena lê-lo. Quem não o tenha feito ainda, poderá começar, para saber o que tem perdido e não continuar a agravar o despilfarro, pelos excertos desta entrevista e passar tout de suite à "carta de princípios" dita "Deus, Pátria e Família" Já Fizeram Filhos. Antes, é claro, de se apressar a mergulhar nas centenas de páginas de crónicas de Século Passado. Daí para a frente, a dificuldade será só escolher a próxima leitura, filme, encenação, desempenho ou conversa ao vivo. É sempre a andar.

17/09/15

Um e-mail do João Bernardo sobre a questão dos refugiados, o federalismo europeu e a redefinição necessária da área da esquerda

Aqui fica um alerta do João Bernardo sobre a questão dos refugiados. Na realidade, trata-se do texto de um e-mail que faz parte de uma já longa correspondência que o seu autor, o João Valente Aguiar e eu próprio vimos mantendo sobre o assunto. 

A vaga de migração que tem convergido na Europa é o facto social e político mais importante das últimas décadas. Esta vaga de migração mostra que o internacionalismo proletário é uma realidade prática, mesmo quando não é conceptualizado pelos teóricos da política, e que a formação da classe trabalhadora ultrapassa as fronteiras nacionais e culturais. Ora, devemos considerar que essa vaga de migração tem seguido um percurso geográfico determinado pela existência da União Europeia e do acordo de Schengen. Ou seja, a vaga de migração tem aproveitado ao máximo esses embriões de federalismo europeu e tem reclamado, tal como ontem reclamou com alguma energia, quando um governo europeu infringe completamente a liberdade de circulação prevista no acordo de Schengen. Quando nós defendemos que é o quadro do federalismo europeu, e não o das multiplicações de soberanias, aquele que melhor corresponde aos interesses da classe trabalhadora, estamos agora a ver a confirmação deste facto. Por isto mesmo as reacções perante a vaga de migração não têm correspondido às clivagens políticas habituais. Nomeadamente, foram voluntários das mais variadas origens quem mais rapidamente se mobilizou para prestar um apoio concreto, no terreno, aos refugiados e para os ajudar física e psicologicamente na jornada, e não partidos e grupos de esquerda. Pelo contrário, a maior parte da esquerda, ou seja, daquilo a que, por razões variadas, continua a chamar-se esquerda, mostra-se oposta ao federalismo europeu, quando não mesmo à União Europeia, e defende um reforço das soberanias.Ora, vários governos invocam precisamente esse reforço da soberania para se oporem às quotas obrigatórias de repartição dos refugiados. Em conclusão, a actual vaga migratória confirma a urgência de reforçar o federalismo europeu e de reduzir o escopo das soberanias e mostra, uma vez mais, que as antigas linhas de demarcação política já não correspondem aos factos e que é indispensável redefinir a área da esquerda.

Síria: o país menos democrático do mundo?

Segundo o Observador, a Síria será "o país menos democrático do mundo", citando o chamado Democracy Ranking 2014[PDF].

Longe de mim qualquer simpatia pelo regime sírio, mas tanto o ranking como sobretudo o artigo parecem-me não fazer grande sentido; se forem ler o tal ranking com atenção, verão que lá diz, no fim, que «Please note: The Democracy Ranking 2014 covers countries that are categorized by Freedom House as “free” or “partly free” in the years 2012 and 2013. Therefore, scores for Bahrain, China, Egypt, the Russian Federation, Syria, and Yemen are “virtual scores”.»

Ou seja, o tal ranking é, aparentemente, só para países considerados “livres” ou “parcialmente livres”, e mais a China, Síria, Rússia, Egito, Síria, Iémene e Barhein (não se percebe muito bem porque adicionar esses e não outros); portanto a Síria, quando muito, será apenas o menos democrático dessa seleção arbitrária de países (Arábia Saudita, Turcomenistão, Angola, Cuba, Guiné Equatorial, Coreia do Norte, Birmânia, Afeganistão, Bielorrússia, etc. nem estão incluídos na listagem).

Alguém com uma mente conspirativa até poderia achar que esse índice, que junta os países "livres" e "parcialmente livres" com a China, Síria, Rússia, Egito, Síria, Iémen e Barein, quase que parece um índice feito de propósito para na lista dos "piores" países aparecerem, ou aqueles em que se quer fazer uma invasão humanitária da NATO, ou aqueles cujo líder é o "novo Hitler" do momento (a Síria é capaz de contar nas duas categorias). Eu pessoalmente hesito entre esta hipótese ou ser apenas um reflexo condicionado dos autores ("este país costuma aparecer/tem aparecido muito na televsão? Vamos incluí-lo").

15/09/15

Refugiados (3)

António Guterres falou esta manhã aos eurodeputados enquanto Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Manifesta-se muito “desapontado” e “sob choque” com a falta de acordo dos 28 países e diz que “hoje, infelizmente, há uma União Europeia mas a Europa já não está unida”. Por uma vez, até Guterres tem razão. Com efeito, não são os refugiados que ameaçam a Europa, mas o perigo mortífero que pesa sobre ela são o nacionalismo, os garrotes dos Estados-nação e das suas fronteiras soberanas.

14/09/15

Refugiados (2)

O humanitarismo e a beneficência podem por vezes, volens nolens, esconder — como um comboio, outro — a institucionalização política, sob uma forma denegada, da segregação e outras coisas piores. É assim que a “compaixão” perante os refugiados poderá em breve servir para ocultar e edulcorar a hierarquia classista e a exploração “liberais”. Há decerto quem, de uma só cajadada, reclame o socorro aos refugiados e denuncie os rendimentos mínimos garantidos ou de inserção.

13/09/15

A Vitória de Corbyn. Ecos. (actualizado)

A vitória de Corbyn , absolutamente previsível desde há um mês, suscitou as primeiras reacções nos jornais e nos seus comentadores. O Público opta por enfatizar as divisões que se anunciam no Labour. Refere o diário que “Oito ministros –sombra não perderam tempo e depressa afastaram a hipótese de uma presença na primeira linha da luta política”. No entanto quem acompanhou as eleições, através da cobertura entre outros do "the Guardian", sabe que o afastamento de parte dos membros do Governo Sombra estava desde há muito decidida. Lá como cá existe o partido e os seus militantes e existe o Partido Parlamentar e o seu Governo Sombra, construído a partir dos deputados e da sua teia de assessores, que determinam a actuação partidária à revelia dos seus militantes. Isso não acontece apenas no PS, é uma característica que outros partidos à esquerda também evidenciam. Corbyn propõe-se alterar este estado de coisas. Quer os militantes e os cidadãos empenhados na construção das políticas. A declaração que fez em 27 de Agosto deu o mote para a forma como pretende conduzir o partido.

I don’t think we can go on having policy made by the leader, shadow cabinet, or parliamentary Labour party. It’s got to go much wider. Party members need to be more enfranchised. Whoever is elected will have a mandate from a large membership

Enfatizava-se o facto de o novo líder ser visto com preocupação entre os deputados. Preocupação natural, diga-se, já que eles não o apoiaram e não partilham das suas ideias. Tenha-se em atenção que, por exemplo, na recente aprovação do pacote do Governo para reduzir os apoios sociais em 12 mil milhões de euros ao longo da legislatura, os trabalhistas optaram pela abstenção. Corbyn, no entanto, mais alguns poucos, votou contra.

O Público faz eco ao mesmo tempo de uma pretensa posição indecisa sobre o posicionamento face à União Europeia. Esta leitura de uma indefenição de Corbyn perante a posição a adoptar no dossier UE é partilhada por outros comentadores. Mas não tem qualquer adesão à realidade. Desde os primeiros dias da sua candidatura que o novo líder manifestou o seu apoio à permanência do Reino-Unido na União Europeia. Apenas por distracção ou wishful thinking se pode continuar a bater nesta tecla. Corbyn quer o Reino-Unido na Europa mas quer uma Europa sem austeridade. Uma Europa dos cidadãos .Corbyn não exita em afirmar que a Europa no seu estado actual não o satisfaz. Para a generalidade do maisntream político isso corresponde a uma declaração anti-europeia.

“Labour should set out its own clear position to influence negotiations, working with our European allies to set out a reform agenda to benefit ordinary Europeans across the continent. We cannot be content with the state of the EU as it stands. But that does not mean walking away, but staying to fight together for a better Europe.”

No PS, o seu sector mais radicalmente à direita, no qual pontifica o ex-comunista Vital Moreira, prevendo esta eleição já a tinham criticado por representar uma "uma guinada à esquerda", coisa que os aterroriza. Vital tem o mérito de, num pequeno texto, sintetizar o programa que fascina a direita blairista e que os leva a imaginar horrores com gente como Corbyn. Assusta-os a ideia de não poderem chegar ao Governo. Acham que só virando à direita poderão lá chegar. Esse é o seu objectivo. Aquilo para que o Governo serve, as políticas que vai aplicar, isso é uma irrelevância. O que interessa é chegar lá.

Hoje a habitual comentadora de asssuntos europeus, Teresa de Sousa, escreve um chorrilho de baboseiras sobre a eleição do que ela depreciativamente apelida de "camarada Corbyn" um "pacifista" com que os conservadores, infelizmente segundo ela,  deixaram de poder contar. Caso para lhe perguntar: E isso é mau?

"Sinal dos tempos, o Labour acaba de eleger para a sua liderança uma figura da “pré-história” que nos remete para os anos 80, quando o Labour atravessou 18 anos de oposição, defendendo uma linha radical que Jeremy Corbyn foi retirar a um baú do qual já ninguém se lembrara."

Pretendendo reflectir sobre o drama da social-democracia europeia exibe uma confrangedora parcialidade na forma como olha para as razões que determinaram o seu declínio  a partir do final dos anos setenta do século passado. Lendo-a fica-se a saber que com Blair e a sua terceira via a social-democracia tinha encontrado o seu caminho para a felicidade. As consequências dessa terceira via traduzidas num desemprego crescente, no aumento exponencial da desigualdade, na diminuição do papel do Estado na economia , na degradação da qualidade dos serviços públicos e na crescente negação da universalidade do acesso, escapam-lhe de todo. Afinal se a terceira via possibilitou o tal acesso ao poder que tanto preocupa Vital como é que gente de bem se pode preocupar com as consequências do exercício desse poder. De certo modo a colunista imita a posição de Gordon Brown, citado por Tony Judt, que "reagindo a um relatório de Janeiro de 2010 sobre a desigualdade económica no Reino-Unido, que confirmava o fosso escandaloso entre ricos e pobres que o seu partido tanto fizera para exarcebar, disse que ele "dava que pensar" e reconheceu que havia "ainda muito a fazer". Faz lembrar o capitão Renault em Casablanca: "estou chocado, chocado".
(A propósito alguém poderá enviar-lhe o "Ill fares the land" de Tony Judt - publicado entre nós pelas edições 70.)

Mas a eleição do novo líder também suscitou opiniões favoráveis. Como aqui e aqui. Destaque para o artigo de Francisco Louçã no Público. Louçã salienta as razões que permitiram a eleição de Corbyn. Concordo  com as razões que indica de que destacaria  a degradação da democracia social. Mas acho que ele ignora uma outra razão: o facto, que já aqui referi, de um deputado com o perfil de Corbyn poder continuar a sê-lo, porque depende sobretudo dos eleitores e muito menos da direcção do seu partido. A menos que seja disso que fala quando refere "a tradição popular na política britânica".

Actualização - 16.09.2015

O Público dá hoje conta do facto - pelos vistos inesperados para o jornal - de Corbyn ter sobrevivido ao primeiro debate com Cameron. Debate em que o novo líder colocou um conjunto de questões recebidas directamente dos cidadãos. Questões sobre habitação social, cuidados de saúde e outros que preocupam os britanicos. O jornal da Sonae não esconde a sua oposição à nova liderança. A velha social-democracia europeia é para estas empresas de comunicação social uma inaceitável associação de perigosos radicais anticapitalistas.
 

 

12/09/15

Corbyn eleito novo líder dos Trabalhistas

O impossível também acontece. O Labour experimenta a maior viragem à esquerda da sua história. Os militantes e os cidadãos com direito a votar deram uma vitória esmagadora a Corbyn. Quase 60% dos votos. Dir-se-á que agora é que são elas. Mas, como é diferente ter Corbyn nesta posição ou algum dos outros, mais ou menos blairistas, que com ele disputaram a liderança. Para lá das análises do costume Cameron vê os tempos mansos da falta de alternativa, do consenso para a governabilidade, da esquerda convertida/travestida ao centro político, chegarem ao fim. Tempos interessantes em terras de sua Majestade.
Fica aqui o registo de uma pequena parte das primeiras declarações do novo líder do Labour.
"people are fed up with the injustice and the inequality of Britain. The media and many of us, simply didn’t understand the views of young people in our country. They were turned off by the way politics was being conducted. We have to and must change that. The fightback gathers speed and gathers pace,”

PS- a candidata mais pró-Blair entre todos, Liz Kendall, obteve uns esclarecedores 4,5%. Os trabalhistas britânicos parece que avaliam com rigôr o "trabalho" político de Tony Blair e da sua terceira via.

This is about hope

Hoje, durante o dia, conhecer-se-ão os resultados da eleição para a liderança do Labour. Se não acontecer nada de anormal celebrar-se-á a "anormalidade" de um homem com as ideias políticas de Jeremy Corbyn, e com o seu percurso político, se tornar o novo líder dos trabalhistas. Um acontecimento como este seria impossível num partido como o PS português e na generalidade dos restantes partidos socialistas europeus. Mesmo nos partidos mais à esquerda alguém com um carácter tão excêntrico  - para dizer o mínimo - relativamente aos "grandes ideiais da organização", já estaria há muito remetido ao mais severo silêncio. Recorde-se que Corbyn militou contra a guerra no Iraque, acusou Blair, o seu camarada secretário-geral, de ter apoiado uma invasão criminosa e defende há muito a saída da NATO e o abandono do programa nuclear britânico.
Ao longo da campanha Corbyn foi esclarecendo, sem sofismas, quais são as suas ideias e quais são, segundo ele, os caminhos que importa percorrer para que o regresso dos trabalhistas à governação sirva para alguma coisa de diferente daquilo que os Conservadores asseguram com particular brilhantismo, e que, como sabemos, se traduz numa  diminuição dos direitos do trabalho, numa privatização, sem mérito algum, dos serviços públicos e numa crescente ineficiência económica traduzida numa desigualdade crescente e num empobrecimento de sectores cada vez maiores da população.
Corbyn tem quase toda a gente contra si. Gente aqui significa o mainstream, o Partido Parlamentar, essa estrutura tentacular,  que  - como se passa por cá, mesmo muito à esuqerda - controla e dirige de facto o partido. Mas, Corbyn conquistou os cidadãos, os eleitores, os trabalhistas que não se submetem ao fatalismo da desigualdade crescente, os que acreditam que a política é sobretudo o direito de cada um a participar nas decisões que lhe dizem respeito e à comunidade em que se inserem.O direito de participar e de decidir.  É por isso que vai ser eleito para liderar um partido que com Blair se tornou o pilar esquerdo do neoliberalismo, no coração da Europa Financeira, no coração da guerra em curso pela destruição da europa dos cidadãos.
Pouca gente deu alguma atenção a esta campanha. A direita estupefacta mostra uma "preocupação fraterna" com o que eles consideram vir a ser o suicídio dos trabalhistas. Julgo eu que  aquilo que os preocupa é o facto de sem o tradicional pilar-esquerdo o sistema neoliberal poder começar, finalmente, a desabar.
Corbyn declarou ipsis-verbis querer manter-se na Europa e relativamente ao voto no referendo que Cameron vai promover já defendeu a continuação do Reino-Unido na Europa, mas numa Europa diferente. Uma Europa contra a austeridade.
Podíamos falar da intenção manifestada de levar Blair à justiça pelos crimes associados à invasão do Iraque sem mandato da ONU ou da saída da Nato. Mas é na revolução que pretende concretizar na intervenção do Estado na economia que esta candidatura merece toda a atenção de quem olha para a política a partir do seu lado  esquerdo. Nacionalizar os trasportes ferroviários, reforçar o ensino público, aumentar o investimento público, nacionalizar sectores estratégicos da industria, abolir o "right to buy" apostando na "affordable housing" são parte de um programa que, conquistando o poder no Reino Unido poderia ajudar a modelar uma Europa do progresso e da cidadania.
É de esperança que se trata e de uma visão de um futuro construído por todos e para todos.
Havendo tantos e tão bons documentos produzidos desde 14 de Agosto por jornais como o Guardian - este jornalismo tem muito que se lhe diga, quando comparado com o que por cá se (des)faz  - escolho esta entrevista do arranque da caminhada que levou este homem comum,  equipado com boas ideias,  à liderança deste tão importante partido  -para o bem e para o mal - da democracia europeia, para assinalar este facto politicamente importante.  Dou como adquirido que Corbyn a meio desta tarde será proclamado o novo líder do Labour conduzindo Blair e os os seus seguidores lusos à beira da apoplexia.

http://www.theguardian.com/politics/2015/aug/07/jeremy-corbyn-interview-we-are-not-doing-celebrity-personality-or-abusive-politics

(procurar a entrevista no artigo).

09/09/15

Acerca do Salário Mínimo. O caso Alemão.

A tradicional oposição à fixação pelo Estado de um valor para o salário mínimo apoia-se quase sempre no argumento da ineficiência económica da medida. A ineficiência económica é o argumento por excelência esgrimido pelos que idolatram o Mercado contra qualquer intervenção do Estado na economia. Argumenta-se que este tipo de políticas não só não estimula a criação de emprego como, contrariamente aos seus objectivos, transforma-se numa política que elimina postos de trabalhos, aquilo que se designa no jargão económico como a "job killer policy".
A propósito deste debate o artigo que aqui refiro  analisa as consequências da introdução na Alemanha, em janeiro de 2015, de um salário mínimo. Salário que é, diga-se para que conste,  de 8,5 € por hora, o que corresponde a cerca de 3 vezes o salário mínimo vigente em Portugal. 
Pois bem os sectores patronais alemães e a Banca argumentaram durante o ano de 2014 - ano em que a medida foi aprovada no âmbito da negociação entre a CDU e o SPD para a formação do novo Governo - que esta medida iria liquidar empregos e, sobretudo, liquidar empregos para os mais desfavorecidos, para os trabalhadores menos qualificados e com salários mais baixos.
Na verdade nada disso aconteceu. O número de desempregados baixou no primeiro semestre do ano em 300 mil. Ocorreu uma relevante criação de novos empregos por comparação com igual período do ano anterior. Ao mesmo tempo os famigerados "mini-jobs" que pagam um salário máximo de 400 euros estão a desaparecer e a ser substituídos por empregos regulares que no mínimo recebem o salário ... mínimo. Sendo que os sectores mais favorecidos pela troca são aqueles em que os salários baixos e os mini-jobs ditavam as suas leis.
Eis um bem tema para a presente campanha eleitoral. Um tema que se articularia muito bem com as vantagens económicas da diminuição da desigualdade se os arguentes não ousassem posicionar-se do lado dos que acham que a desigualdade, particularmente a desigualdade extrema que s everifica entre nós,  é acima de tudo uma questão de intolerável injustiça social.

While the notorious German mini jobs paying a maximum of €400 a month are being largely scrapped, there is at the same time an equally large creation of regular jobs paying normal social security contributions. In April and May alone, no less than 125.000 additional jobs covered by normal social security were created. This phenomenon is particularly manifest in those sectors where half of all German low-wage workers are employed (retail, hotels, transport and other services).

06/09/15

Sobre a função da política


Dois textos de Santiago Lopez Petit que relembram que a primeira função da política é de despolitizar. Ou o que Podemos e o que não Podemos…
La nueva política y sus límites.  
Es innegable que hoy día, aquí y ahora, nos encontramos ante una saturación política de la realidad. ¿Quién podía pensar, hace unos años, que algunos de los programas de máxima audiencia serían entrevistas con políticos o tertulias sobre política? ¿Quién podía esperar que compañeros y compañeras apostarían por plataformas electorales que prometen una nueva política?
Y, a la vez, esta realidad saturada de y por la política se nos aparece también bajo la imagen de un alud de noticias, de una sucesión imparable de acontecimientos. Todo arde deprisa e invariablemente. Pero este fuego que parece no perdonar nada, no ilumina la noche. Muy al contrario, se trata de un fuego mediático e irreal que nos hunde en una especie de "déjà vu", en una situación esperada. ¿Ya conocida?
Que la función actual de la política consiste en despolitizar, resulta bastante evidente. Si la cárcel, en tanto que ejemplo de institución disciplinaria, sirve para producir y gestionar la delincuencia, ¿sería muy equivocado afirmar que la política persigue, por su parte, despolitizar y producir impotencia? En otras palabras, la función despolitizadora de la política consiste sobre todo en esconder mediante ilusiones y las pequeñas esperanzas propias del mal menor, que nos hallamos ante un impasse. La acción política auténticamente transformadora está bloqueada porque: "lo que es políticamente factible no cambiará nada, y las acciones que podrían promover cambios realmente significativos son políticamente impensables." El impasse que la política nos oculta es, sencillamente, que no sabemos cómo salir del capitalismo.
E l movimiento del 15M fue capaz de medirse con este impasse, aunque asustado por su propia fuerza, y cada vez más sujeto a esa entelequia que es la opinión pública, permaneció prisionero de sí mismo. No supimos abrir cauces para que la rabia digna se desplegara por la ciudad. Pues bien, lanueva política aparece para ofrecerse como solución, y lo hace paradójicamente, defendiendo la autonomía de lo político (y el concepto de representación a ella asociado), justamente uno de los objetivos fundamentales de la crítica realizada desde las plazas. En vez de profundizar la politización existencial que se iniciaba, lo que propone es traducir políticamente el desafío planteado, y eso de dos maneras distintas. La primera, mediante la interpelación. Se trata de la construcción populista de un nosotros, de una mayoría social hegemónica a partir de un grupo subalterno definido como opuesto a una casta. La segunda, construye el nosotros mediante la interpenetración entre los movimientos sociales y la izquierda tradicional. Podemos y Bcn Encomú. Lo que ocurre es que esta nueva política no ha cortado con la antigua política moderna, puesto que permanece atada a sus categorías tradicionales, y sobre todo, sigue creyendo en que basta apoderarse del código gobierno/oposición que rige el subsistema político para producir otro sentido. Pero dar otro sentido a la realidad, no es cambiarla.
En el interior del vientre de la bestia, en esta realidad plenamente capitalista en la que habitamos, el juego electoral reproduce incansablemente el mito de Sísifo. "¡Esta vez sí... ganamos!". La nueva política actúacomo si se pudiera hacer otra política, una política esencialmente diferente. Es falso. Es falso por una razón fundamental: hace mucho que la política ha perdido toda centralidad, y por tanto, toda capacidad de amenazar la realidad. La política se mutó en política de Estado y el bipartidismo (PP/PSOE) le fue muy útil. Ahora, con la globalización, la política de Estado se convierte en gubernamentalidad neoliberal, es decir, en una gestión empresarial, auténtica simbiosis entre racionalidad tecno-científica y mercado que escapa a la soberanía del Estado. La autonomía de lo político se ha esfumado. Ciertamente el neoliberalismo son los recortes, las privatizaciones, la expropiación de lo común... pero, por desgracia, es mucho más. La nueva política, porque no desea apartarse del sentido común, no quiere aceptar que somos nosotros mismos los que aguantamos este mundo y esta vida. Evidentemente, la casta es el problema. Sería, sin embargo, más exacto afirmar que el problema somos nosotros. Las piezas que hacemos funcionar esta máquina de destrucción masiva (y de seducción también masiva). La nueva política se autoengaña, y también nos engaña.
Cada vez que se pone el rostro de un candidat@ en una papeleta de voto, cada vez que se
construye la unidad política como unión de partidos políticos... cada vez que se evita hablar de capitalismo para hablar solamente de corrupción, de transparencia o de participación... nos alejamos de un auténtico cambio social. Cada vez que se nombran los Derechos y se olvida mencionar el (contra)poder necesario para conseguirlos, se escamotean las dificultades existentes. Quizás es imprescindible para ganar en la carrera electoral. Pero ¿qué significa ganar cuando lo que verdaderamente queremos es transformar radicalmente este mundo que nos ahoga?

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La nueva política entra en la pecera.
Decidieron asaltar las instituciones porque estábamos ante una oportunidad histórica. Decidieron poner en marcha una nueva política, y de pronto, se encontraron dentro de una pecera. Pero la pecera no era el acuario que algunos dentistas ponen en su consulta para transmitir calma y sosiego. En la pecera, ni siquiera se respetaban las reglas que los mismos tiburones habían impuesto. B. Brecht ya nos había avisado: "Si los tiburones fueran hombres... los teatros del fondo del mar mostrarían a heroicos pececillos entrando entusiasmados en las fauces de los tiburones". Primero fue el caso Monedero, le siguió el caso Zapata... En Barcelona, el acoso y derribo empezará cuando a la Generalitat le interese.
En los años setenta, cuando la clase trabajadora era un sujeto político capaz de autoorganizarse y construir su propia autonomía, el capital recurrió a la llamada estrategia de la tensión. Mediante atentados sangrientos perpetrados por tramas fascistas nacidas en las cloacas del Estado, se introducían dinámicas que paralizaban las formas de resistencia al poder. El caso Escala, por ejemplo, fue un caso de terrorismo de Estado que sirvió muy bien para impedir que la CNT se consolidara. Hoy, en cambio, la desestabilización política se lleva a cabo mediante los medios de comunicación y las redes sociales. Las campañas mediáticas, creando una constante sensación de excepcionalidad, hunden en poco tiempo las personas y los proyectos políticos que defienden la necesidad de un cambio.
Pero ¿de qué tipo de cambio se trata? En las elecciones de 1982 la consigna "Por el cambio" pregonada por el PSOE ilusionó a mucha gente. En la revista Indolencia, ligada a la autonomía obrera, escribimos: "Ni cambio, ni recambio. La victoria socialista servirá sólo para modernizar el Estado y proseguir la reestructuración capitalista en marcha". Así fue. Y muy pronto la pregunta ¿cuándo los amigos se convertirán en nuestros enemigos? se convirtió en una pregunta retórica ya que bastaba mirar como la cara de Felipe González se iba hinchando. Muchos compañeros y compañeras afirman que ahora es distinto, y que esa mirada izquierdista es injusta y errónea. Quizás es cierto. Conocemos a much@s de los protagonistas desde hace tiempo, sabemos de su honestidad... pero el espacio político, incluso para un reformismo radical que simplemente quiere legislar, aplicar leyes, y defender derechos elementales, es sumamente estrecho. Basta ver los ataques diarios contra l@s nuev@s que han entrado en las instituciones.
Frente a esta estrategia de desgaste, la lucha ideológica parece volver a un primer plano. De ahí la presencia constante de los nuevos líderes en foros, tertulias, y evidentemente, la necesidad de simplificar al máximo el discurso. Pero, en verdad, se trata de una batalla ideológica en el interior de la ideología, puesto que para la nueva política, el único objetivo que realmente cuenta es ganarse la opinión pública, es decir, ocupar la "centralidad del tablero" como condición imprescindible para impulsar el cambio. Este esfuerzo es sumamente problemático. En primer lugar, porque propiamente no hay un centro político sino un votante tan volátil y oportunista como el mismo mensaje que, en última instancia, se le quiere transmitir. En segundo lugar, porque la ideología y la política ya no son lo que eran. La ideología se ha materializado en la realidad de las formas de vida: autopistas, centros de ocio y de consumo etc. La política, a su vez, se ha convertido en gubernamentalidad neoliberal, mera gestión empresarial del mundo. Por lo que el reformismo radical, a pesar de sus mejores intenciones, parece estar condenado a encadenar gestos simbólicos, y l@s amigos no se convertirán en nuestros enemigos sencillamente porque su acceso al gobierno tiene que cumplir una función diferente a la que se encomendó al PSOE.
El partido socialista tenía que hacer el trabajo sucio que la derecha franquista nunca hubiera podido llevar a cabo sin incontables resistencias. Gestionar la crisis para destruir las formas de contrapoder aún existentes, despolitizar la sociedad y, sobre todo, legitimar el nuevo Estado de los partidos. En definitiva, tenían que allanar el camino al desbocamiento neoliberal. En cambio, si l@s nuestr@s pueden hoy acceder a las instituciones gubernamentales es para cumplir otra función. La
función que de ellos se espera es directamente fracasar. Fracasar como consecuencia de sus propios errores y de los ataques furibundos a los que son sometidos. Su destino no es tanto la traición como colaborar ( a su pesar, claro) en su propia ruina. En la actualidad, los golpes de Estado han sido sustituidos por una estrategia de desgaste permanente. Una estrategia de desestabilización que debe producir, impotencia, desorientación, y confusión. El éxito del poder consiste simplemente en mostrar que no hay alternativa dentro de la pecera, y que nuestr@s amig@s son como todos los demás, futuros miembros de la casta. Esto es lo que hay es la consigna que debe triunfar. En la movilización global, en el teatro de la vida, en la que estamos insertos cada uno desempeña el papel que le han asignado. Levantar esperanzas y arruinarlas, es la tarea que l@s nuestr@s deben realizar, y para la que han sido llamados. Finalmente, la vida cotidiana retornará a su normalidad. Los funcionarios del capital, los de siempre, acudirán prestos a reparar el desaguisado. No hay alternativa dentro de la pecera. Es cierto. Pero podemos intentar salir fuera, aprender a respirar bocanadas de aire hasta que nuestros pulmones se acostumbren. Salir fuera de la pecera no es, claro está, una alternativa. Es una necesidad. La necesidad inscrita en el No y con la que todo empieza de nuevo.
La nueva política nunca romperá la pecera si se refugia en llamadas a la participación, en consultas por internet o persiguiendo la imagen de una persona respetable y sensata que se contempla en el espejo de la opinión pública. Por lo contrario, si la nueva política lleva realmente al límite la acción de gobierno - sin engañar, sin dobles lenguajes, con la valentía de saber que no hay camino de retorno - empezará a construirse como una posición en el campo de guerra. Entonces, llegada la hora de la verdad, los que no votamos, los que votamos tapándonos la nariz porque en las listas había algunos impresentables de la vieja izquierda, sabremos estar allí. Empecé citando a B. Bretch, me gustaría terminar también con una frase suya que nos puede ser muy útil en estos momentos: "Hace falta valor para decir que los buenos no fueron vencidos porque eran buenos, sino porque eran débiles".
Santiago López Petit,
Barcelona

04/09/15

Refugiados

Marquem-nos como gado a troco de um punhado de ração que sobre das mesas ou das manjedouras nacionais; ofereçam-lhes guetos e estatutos temáticos que, fronteiras dentro das fronteiras, a pretexto de discriminação positiva, os impeçam de assumir a liberdade e a responsabilidade da sua escolha da Europa; acolham-nos como mão de obra forçada para limpar florestas e latrinas ou prestar serviços domésticos às autoridades e organizações de benemerência locais; metam-nos em escolas à parte que sublinhe e reproduza a sua diferença e obriguem-nos a ter "conselhos judaicos" que os mantenham na identidade que lhes foi imposta pelas culturas a que fugiram; façam deles tudo o que quiserem menos cidadãos europeus adultos que possam vir a embarcar com os indígenas na empresa de desenterrar a velha divisa igualitária de "não mais deveres sem direitos, não mais direitos sem deveres"; sim, façam deles tudo menos isso; tudo menos o que possa torná-los agentes de precipitação de uma ameaça capaz de redespertar, a favor da ruptura com as representações estabelecidas, o espectro da democracia…

02/09/15

Cada vez mais iguais

Como vão longe os tempos em que o Bloco emergiu na sociedade portuguesa como uma clara alternativa ao PS mas, sobretudo, como um alternativa à forma como o PCP dominava a política, do lado esquerdo do espectro, e a conduzia. Muitos que aderiram então ao Bloco ou que com ele passaram a colaborar, criticavam a actuação política dos comunistas, sobretudo ao nível autárquico, e afastavam-se das suas posições. Da mesma maneira criticavam o PS e a sua tendência esquizofrénica para governar à direita com os votos recolhidos à esquerda. A Europa foi sempre um ponto de separação e de clivagem. No Bloco convergiam aqueles que defendiam a Europa dos cidadãos e que, do mesmo passo, rejeitavam não só a Europa neoliberal, que o PS ajudava a construir, mas também a atitude nacionalista que está  por trás da posição dos comunistas, desde sempre contra a integração europeia. Nos dias que passam o Bloco evoluiu para uma posição mimética da do PCP e, de uma forma absurda, faz sua a posição dos comunistas sobre a Europa. O debate desta noite ajudou a clarificar essa posição. Infelizmente. O problema para a actual liderança do Bloco é que os cidadãos que em tempos votaram de forma significativa no partido são, no essencial, politicamente esclarecidos. Como mostra a evolução da votação no Bloco há uma correlação entre a aproximação ao PCP e a irrelevância política. Se durante anos o Bloco ainda se debateu indeciso entre a participação na governação e a atitude de protesto pura e dura, nos tempos que passam é de um pequeno partido de protesto que se trata. Um partido incapaz de mobilizar o descontentamento causado pelas políticas de severa austeridade porque apenas é capaz de o canalizar para o protesto. Essas energias vão ser captadas pelo PCP que tem nesse particular todo um know how a que o Bloco nem sequer pode aspirar. Os recentes resultados eleitorais mostram-no e depois deste debate (?) ameno entre  o velho líder e a jovem dirigente nada de relevante acontecerá que possa agradar aos dirigentes do Bloco.
A esquerda aterra nesta campanha eleitoral de uma forma deplorável. Um PS incapaz de articular um discurso coerente, porque é incapaz de cortar com os fundamentos da sociedade da desigualdade que ajudou empenhadamente a construir. A conversa baseada no crescimento e na confiança esconde um enorme vazio de sentido para a acção política do futuro governo socialista. Responsabilidade para fazer tudo mais ou menos na mesma dentro dos mesmos severos e desiguais limites. Um PS que se mostra incapaz de tecer a mais velada crítica à corrupção que ajudou a consolidar no sistema de contratação pública - via ajustes directos -  e nas políticas públicas urbanas que ajudaram a "construir" o sistema financeiro predador que temos estado a resgatar.  Uma esquerda - materializada no PCP e no Bloco - que aspira ao desaparecimento do PS para tomar o seu lugar. A repetição de tantas e tantas campanhas cansativas e inócuas. Uns epifenómenos "à esquerda de todas as esquerdas" que ou aspiram a governar com o PS e pronto, ou são apenas a última expressão de uma virtude política esmagadoramente ignorada e por essa via irrelevante. Cerca de sessenta por cento dos portugueses vão votar à esquerda. Infelizmente a esquerda não é capaz de, com essa vontade dos portugueses na mão, construir uma plataforma mínima de entendimento que lhe permita governar de uma forma progressista e justa. Fazer aquilo que os portugueses desejam e que tanta falta faz a este país cada vez mais corrupto e mais desigual.

http://expresso.sapo.pt/politica/2015-09-01-O-primeiro-debate-foi-entre-Dupond-e-Dupont