Como comemos e o que comemos pode parecer, à partida, uma questão do domínio inteiramente pessoal. Mas olhando à volta, parece lícito sustentar que existe uma relação entre a forma como trabalhamos e a forma como nos alimentamos. As nossas refeições são cada vez mais precárias, seja pelo tempo que falta para nos sentarmos à mesa, seja pela qualidade do que ingerimos - cada vez mais dependente de grandes empreendimentos industriais agro-alimentares - seja pelos saberes culinários e gastronómicos que vamos perdendo. À medida que cresce a distância que nos separa do mundo e dos seus prazeres, diminui a nossa disponibilidade para provar, saborear, experimentar e criar. Multiplicam-se os sucedâneos de sabores outrora familiares e que correspondiam a coisas palpáveis e cultiváveis, agora embalados em papel metalizado ou numas carteirinhas «de abertura fácil» que substituem o que outrora eram cascas e caroços. Como nos diz o Renato Teixeira (embora eu não perceba o que tem de mal gostar de Cozido), "quem cozinha com Knorr pura e simplesmente não percebe peva de comida."
Não sou dado a nostalgias, mas o processo actualmente em curso nos domínios do palato suscita-me um sentimento de revolta e melancolia, faz-me suspirar por lautos banquetes e festins nus, dá-me fome. Felizmente, quiseram os e as ambientalistas do GAIA (esses mesmos que fazem tremer Mário Crespo) e os precários e precárias do Mayday organizar esta 5ª Feira um jantar luxuoso (infelizmente não se come carne), ali à Mouraria, naquele grupo desportivo que também é um centro social, ambiente castiço, de fadistas e ginastas e varinas e agricultores urbanos. Diz que se come bem à brava e que a conversa que se segue ao jantar favorece uma boa digestão. O grande timoneiro estava equivocado, a revolução pode mesmo começar por um convite para jantar.
8 comentários:
Isso é em Lisboa? Porque aqui em Braga eu continuo a comer "comida".
A apreciar os diferentes sabores e a recusar a comida monotona, enlatada que como não estamos a apreciar comemos em maior quantidade porque não degustamos e ao comer rápido, engorda.
A revolução começa mesmo por um convite para jantar. E eu já o aceitei (mas não foi esse).
Nota sem humor negro- Os grandes chfes de cozinha franceses, de nível mundial- Alain Ducasse, Jean Paul Lacombe, Paul Bocuse,etc - os campeõesdas estrelinhas do Guide Michelin, cultivam há já alguns anos o seu próprio " lameiro ", onde produzem as saladas e legumes requintados dos seus ménus. Portanto, aqui está uma boa opção para os lusitanos de aproveitarem a Estufa Fria... Niet
Mas vegan porquê? Partindo do princípio que nem todos os precários são vegans nem todos os vegans precários, porque raio um jantar vegan? Ou são precários a excluir outros precários?
LAM
Nenhum problema com o cozido. Todo o problema se o palato não for além do coito missionário.
Renato Teixeira
LAM: porque a comida vegan nao exclui os nao vegans, mas o contrário sim?
Quanto ao cozido, parece-me justa a comparaçao com o coito missionário, tudo óptimo nas maos de quem sabe. E também gosto de bitoque, que suponho que seja uma rapidinha no vao das escadas.
Mas ontem, em minha defesa, fiz uma hollandaise genial para os meus espargos.
esta agora voltou do mundo dos mortos. também deve ser precária
Qual o equivalente sexual para hollandaise nos espargos?
LAM acho que o jantar é vegetariano porque assim o decidiram as pessoas que vão cozinhar. Note que se fosse cozido à portuguesa excluiria todos os que não gostam de cozido à portuguesa e assim sucessivamente.
É difícil: a hollandaise exige aprumo técnico e muita atençao, mas a qualidade dos espargos, que se querem frescos e viçosos, é muito mais decisiva.
(eu agora nao estou precária, mas a precaridade nao se mede só pelo contrato que assino, é toda uma ideologia nova que nos é imposta e que rege cada vez mais todas as relaçoes laborais, mesmo contratos a tempo indeterminado como o meu)
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