O Miguel Serras Pereira foi buscar um meu post noutro blogue para me atribuir a intenção de culpar o PCP de hoje (via discurso de Jerónimo de Sousa na Voz do Operário) de uma deriva nacionalista face ao histórico lastro internacionalista (proletário) que levou Cunhal a, em 1968/69, aderindo ou submetendo-se à doutrina Brejnev acerca das “soberanias limitadas”, justificar, numa forma miserável porque subserviente, a invasão e ocupação da Checoslováquia pelo Pacto de Varsóvia (que repetiria, em 1979, quando da invasão do Afeganistão pela URSS ou da intervenção militar cubana na Etiópia). E remete-me, a propósito, para estudar e entender a impregnação atávica do PCP pelo nacionalismo, para a leitura do académico José Neves. Levanto-me, portanto, para pedir a palavra para “defesa da honra” (mesmo sem ter lido Neves, o que farei em breve, juro aqui).
Primeiro, apesar de me considerar um cosmopolita tendencial, não tenho fixações condenatórias prévias perante o nacionalismo, o regionalismo, até o bairrismo. Pelo contrário. Sem que isso me iniba de ser um adepto do federalismo europeu. Mas acho que os processos de integração se fazem com impulsos de agregação intercalados com reforços de identificações próximas e localizadas, numa necessidade de se respirar umas vezes a diferença e noutras a unidade, mesmo que implique afirmações intermédias de soberania. Com avanços e recuos, como tudo deve ser feito. Sem violência nem comando, pai e mãe dos extremismos e das guerras fraticidas. Para não me alongar, direi que sou tão adepto do federalismo europeu quanto me entusiasma a experiência soberana, embora microscópica mas simbólica, do Kosovo.
Segundo, o “internacionalismo proletário” passou a retórica vazia própria de propagandas intensas, desde que Estaline, no início da década de 30 do século XX, afastando Zinoviev do comando do Komintern e exilando Trotsky, feriu o velho leninismo e impôs a teoria de “socialismo num só país”. Que, quanto a expressão internacional e internacionalista, passou a impor a co-habitação de um centro imóvel e inamovível (Moscovo) com as viagens de satélites que, nas suas órbitas próprias e limitadas, se deviam adaptar às condições locais (nacionais). Cunhal, para Portugal, mais tarde e já depois da morte de Estaline, mas mantendo-se-lhe fiel, teorizou curto mas foi incisivo acerca desta questão, ao discursar e escrever sobre a natureza bipolar do comunismo português, destinado a ser simultaneamente patriótico e internacionalista, esmagando veleidades de discussão acerca da contradição, ou potencial de contradição, implícita. O que não impediu que em todas as ocasiões em que a contradição se levantou, aqui ou algures, ele tivesse optado pelo predomínio do “centro”. Ou seja, o nacionalismo era bom (patriótico) porque ajudava à implantação local do comunismo mas se colidisse com o “centro”, este tinha o direito a esmagar as forças centrífugas.
Terceiro, a referida afirmação nacionalista e desbragada de Jerónimo de Sousa, além da distância ciclópica de talento e liderança entre este e Cunhal, não é desconforme com o pensamento clássico e conservador do PCP na gestão da duplicidade relativamente ao patriotismo e ao internacionalismo. Faltando-lhe o “centro”, resta ao comunismo português uma viagem internacionalista errática (onde cabe quase tudo, o que mexe contra os Estados Unidos e Israel, mas também os pólos formais de poder comunista aparentado ou longínquo, como Angola, a Venezuela e a China, e onde partidos comunistas conservam as suas ditaduras), uma esperança apocalíptica no desmoronar do capitalismo que leve para a cova as democracias e o primado da liberdade (daí a “esperança grega”), mais um reforço do patriotismo serôdio para sensibilizar o “bom povo português”. Sem dúvida que Cunhal faria e diria melhor (não é imaginável ele a debitar os medíocres e repetitivos discursos sindicalistas de Jerónimo). Mas não substancialmente diferente (lembre-se que o seu primeiro acto em termos de relações internacionais do PCP após a implosão da URSS foi viajar para a China, o velho demónio da degenerescência maoísta, tentando readaptar-se a um novo “centro”). Assim, não assinalei uma dicotomia mas sim uma (velha) duplicidade.
29/05/10
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9 comentários:
Caro Camarada João Tunes,
devo ter-me explicado muito mal: mas, sim, os dois pólos "internacionalista" e "nacionalista" são uma constante, e o secretário-geral do PCP não inaugurou fosse o que fosse de original na matéria. E ter-me-ei explicado ainda pior, se dei margem para pensar que o tipo de "internacionalismo" que encontramos no discurso de Álvaro Cunhal que citas seria "bom" - ou um antídoto possível contra as tendências "nacionalistas".
O que disse - e mantenho - é que, no momento presente, a insistência de um "nacionalissmo de protesto", ou a política de formulação nacionalista do protesto proposta por JS, se inscreve num quadro propício a um ressurgimento nacionalista mais geral e é parte activa no estabelecimento das condições desse inquietante surto, também mais geral. Sem que o pólo "internacionalista" seja abandonado, como arma ideológica, ainda que de momento pouco utilizável na intervenção política do dia a dia, pela actual direcção do PCP: mostram-no bem as posições assumidas perante os casos de Cuba, da República Popular da China ou da Coreia do Norte.
Em todo o caso, o ponto que gostaria de ter marcado era mostrar que a ameaça nacionalista não é um fenómenos residual e que, ao mesmo tempo que denunciamos o "nacionalismo de protesto" das declarações de JS, devemos acentuar que o nacionalismo marca e compromete também outros movimentos políticos, tendendo hoje a alargar a sua área de influência. Pelo que será necessário combatê-lo em várias frentes, se não queremos ser cúmplices da sua legitimação e avanços, permitindo que a sua denúncia num caso determinado tenda a ocultar a sua difusão noutras ruas da mesma cidade.
Sobre "bairrismo", "patriotismo", etc., aqui fica uma citação de Montesquieu, que poderá servir-nos, creio, de ponto de partida comum para outras discussões: "Se soubesse de alguma coisa útil para a minha pátria e que fosse prejudical para a Europa, ou que fosse útil à Europa e prejudicial para o género humano, consideraria isso um crime, porque sou homem necessariamente, enquanto só por acaso sou francês".
Abraço republicano
miguel sp
bip bip… erro histórico detectado,
causado por ESTALINOFOBIA ...
JT disse: “o “internacionalismo proletário” passou a retórica vazia própria de propagandas intensas, desde que Estaline, no início da década de 30 do século XX, afastando Zinoviev do comando do Komintern e exilando Trotsky”, etc
Houve de facto uma bifurcação importante no movimento comunista mas no VIIº Congresso da III Internacional quando se aprovou a tese de Giorgi Dimitrov (que era búlgaro) e se optou pelo “socialismo num só país” tendo em vista concertar de seguida uma espécie de “tratado de tordesilhas” com as potências capitalistas. Lá pelo facto do congresso se ter realizado em Moscovo (1934), pelo facto de o Nazismo já ter principiado o exterminio dos comunistas na Europa Central, tal não quer dizer que tivesse sido Estaline a decidir a tese.
Aliás a tese internacionalista de Zinoviev data do termo da Guerra Civil (aprox. 1925)
E a expulsão de Trotski do 15º Congresso do PCdRússia em 1927. É errado tentar simplificar um percurso histórico percorrido por actores múltiplos no voluntarismo de uma só pessoa, Estaline, não considerando ainda a extrema debilidade da Rússia saída de um longo período de guerras (1914-1925), cujas estruturas não aguentariam decerto novas aventuras bélicas internacionalistas. E, em abono da verdade, foi assim que se passou.
xatoo,
a teoria do "socialismo num só país" é formulada inicialmente por Bukharine em 1924, adoptada por Estaline, tendo sido consagrada pelo XIV Congresso, assinalando uma grave derrota de Lev Davidovitch Bronstein (expulso em 1925).
Não se pode, portanto, associar a referida teoria ao contexto dos anos 30 e dos anos de gestação da II Guerra Mundial.
Não sei o que pensa o João da designação "estalinofobia" -mas sei que o seu anti-estalinismo só o honra na medida em que assenta numa concepção da igualdade e da liberdade implicando a democratização efectiva do conjunto das instituições de governo, e em que não é do tipo dissimulado ou discreto, evitando o confronto. Pelo contrário, enfrenta o adversário e combate-o frontalmente, sendo que a falsificação sistemática da história não faz parte dos seus métodos de combate ideológico - o que não se pode dizer do estalinismo.
Dito isto, penso que a afirmação errónea que você faz aqui não é uma falsificação, mas um lapso.
Saudações sindicalistas libertárias
msp
Caro Xatoo: Lá está você a tentar reescrever a fabulosa/complexa e maravilhosa história da Revolução Russa. Quero enviar-lhe duas perguntas decisivas, para lá de não poder deixar de contestar a sua reiterada imprecisão em falar da Guerra Civil, que prolonga temporalmente de forma errada, como anteriormente eu tinha já assinalado.Portanto, duas perguntas para já: 1) O que é que levou ao suicidio da primeira mulher de Estaline, Nadiedjda Alilloueva, em 5 de Novembro de 1932? 2) O que é que determinou Trotsky para declarar, em 1933, que o derrube do " equilibrio burocrático na Rússia" serviria na hora que passava unicamente as forças contra-revolucionárias ? Espanta-me como um homem culto,cosmopolita e informado como V, se deixa encadear pelo fantasma de Estaline,o homem que dizia que Trotsky tinha deixado a sua bagagem de menchevique à porta do partido, de prevenção...Niet
Querido amigo e camarada Miguel (SP),
Unidos em Montesquieu? Sempre!
E avante por um internacionalismo de diferenças.
Miguel (SP),
Claro que a tese do "socialismo num só país" teve uma gestação e afirmação interna (russa), no quadro da degladiação das fracções internas adbindas à decadência física e intelectual de Lenine, mas eu referi-me à sua transposição para o Komintern, essa dos anos 30, porque é neste seio que a contradição internacionalismo-nacionalismo se afirma e propaga ao movimento comunista internacional, nomeadamente às suas filiais nacionais.
Meus caros e todos sem excepção,claro: As dicotomias explicitas na oposição política e doutrinária- via nacional da construção do socialismo num só país ou internacionalismo proletário - que Trotski analisa à sua maneira na " Revolução Permanente "-e o massacre de Radek e de Toukhatchevski,os homens-fortes no bureau da Internacional Comunista na altura, bem como todos os diplomatas russos no estrangeiro- em especial, na Guerra Civil de Espanha- serviram para criar um écran de fumo para o pacto germano-soviético, de Hitler com Estaline,em 1939, que por pouco ia causando o colpaso total da Rússia. A expulsão de Trotski data de 1929. Niet
Niet,
a expulsão territorial, sim, data de 1929 - mas a grande derrota partidária verifica-se no Congresso que refiro. A expulsão partidária, de 1927 - o primeiro exílio, ainda no interior, em Alma Ata, de 1928.
Abrç
miguel sp
MS: Pereira e todos em geral. Tens toda a razão, faltou-me caracterizar para 1929 como a data da expulsão territorial do Trotski. E agora- como é esse o meu ângulo preferido-talvez importe referir que o Castoriadis leu muito( e bem) o Trotski, desde que se exilou em Paris. E Pannekoek- nos "Conselhos Operários"- cita subliminarmente as fórmulas-choque mais " operárias " do prodigioso estratego militar,o Léon Brondstein, dit Trotski.Avanti! Niet
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