16/07/10

Grupo muçulmano pediu ao governo do Canadá que ilegalize a burqa

Afirmando que vestimentas como ao niqab e a burqa são «medievais» e «misóginas», o Muslim Canadian Congress foi claro: «The tradition of Muslim women covering their faces in public is a tradition rooted more in Middle Eastern culture than in the Islamic faith, Ms. Hassan added.
There is nothing in any of the primary Islamic religious texts, including the Koran, that requires women to cover their faces, she said — not even in the ultra-conservative tenets of Sharia law.
Considering the fact that women are in fact forbidden from wearing burkas in the grand mosque in Mecca, Islam's holiest site, it hardly makes sense that the practice should be permitted in Canada, she said.»
E muitos outros, incluindo o Grande Imã da mesquita Al-Azhar, no Egipto, já têm lutado contra a falsificação da origem religiosa deste hábito.

8 comentários:

Miguel Madeira disse...

Mas será que faz uma grande diferença que esse hábito tenha origem religiosa ou outra qualquer (p.ex., cobrir a maior parte possivel de pele para a água que se evapora do suor ficar junto ao corpo e servir como refrescante para a temperatura do deserto - aliás, o traje tradicional dos homens da Arábia também não é muito mais revelador)?

Ou melhor, para os activistas islâmicos fará, mas para os não-muçulmanos já não será muito relevante (a menos que a proibição de burkas e afins venha num pacote geral de proibição de "símbolos religiosos").

Unknown disse...

O Muslim Canadian Congress constitui uma inovação institucional ligada ao famigerado multiculturalismo - conselhos federativos cuja representatividade é pretensamente nacional. Na verdade, são formações artificiais ligadas à produção de políticas públicas e aos Ministérios do Interior/Administração Interna. O CFCM francês e o MCB britânico são exemplos disto. Este género de declaração tem a validade que se lhe quiser dar, desde que se tenha isto em atenção. Este tipo - http://www.jonathanlaurence.net/ - estuda isto em profundidade, vale a pena consultar. Já para não falar do Olivier Roy e do Gilles Kepel.

Esta questão tem a ver com o Islão, dêem-lhe as voltas que quiserem dar. Ainda que se tente deflectir o problema, invocando a autoridade do actual Imã/Sheikh da Al-Ahzar para transformar a burqa num artefacto representante de primitivismos patriarcais, ela é representada como islâmica. Sim, toda a gente erudita sabe que não o é e que as fontes do direito islâmico - apesar de me parecer que o Fiqh há-de referir algo nesse sentido, mas pronto, não sou ulama e não percebo nada disso - não referem, com tamanha aspereza, a necessidade imperiosa de cobrir o corpo feminino. Mas as comunidades políticas europeias representam a burqa, o jilbab e o niqab como especificamente islâmicos e as políticas públicas são produzidas em relação a essa representação.

A Sara Silvestri tem um artigo muito interessante acerca disto - http://www.opendemocracy.net/sara-silvestri/french-burqa-and-%E2%80%9Cmuslim-integration%E2%80%9D-in-europe

Resolver estas questões de uma penada cheia de brilho retórico, constituindo barricadas dicotómicas - de um lado nós, os paladinos da República laica e das mulheres oprimidas, do outro os salafitas/wahhabitas patriarcas e opressores, só dá argumentos a gente estúpida e tresloucada, como se vê ali para o Gládio e o Máquina Zero. Proíbe-se e pimba, resolve-se o desagrado estético e da importância de outros factores nesta narrativa.

Luis Rainha disse...

Não conhecia a representatividade do MCC; apenas mencionei o episódio pela curiosidade. Discordo quanto à reacção de alimárias como o Caturo: para estes extremistas, é excelente que as burqas proliferem. Assim, conseguem propagar o pânico da invasão islamita, da multiplicação de ilhas hostis na nossa sociedade.

Ricardo Alves disse...

lpb: deixemo-nos de «tretas». Dicotomia é quando nós dizemos que entre o Mário Machado e nós, ou se está de um lado ou de outro. E também quando dizemos que entre os que cobrem as mulheres da cabeça aos pés, e nós, ou se está de um lado ou de outro. E não há grande diferença entre uma coisa e outra, como se via no vídeo que o Luís Rainha lincou anteontem, e que só é pena não ser incorporável nos blogues. O que temos hoje, nas metrópoles europeias, não é o choque das civilizações: é o choque dos fascismos. O verde e o outro, o europeu. E entre os dois não há que escolher. Se um progressista tem que escolher, escolhe contra os dois.

Ana Cristina Leonardo disse...

Não deixa de ser curioso que muitos dos vídeos expostos no youtube com mulheres a defender a burka sejam protagonizados por mulheres convertidas ao islão. E que muitas das mulheres ocidentais preocupadas com a proibição da burka o façam em nome do direito à escolha. Um conceito também abundantemente utilizado pelas convertidas.
É verdade que grande parte da esquerda que está contra a lei francesa foi educada no slogan "É proibido proibir". Eu próprio gosto do paradoxo da frase. O problema é que a realidade tem a irritante mania de extravazar as frases, por muito boas que elas sejam.

Miguel Serras Pereira disse...

Nem mais, caro Ricardo (Alves). Na mouche. Não é por se opor a uma potência ou conjunto de interesses imperialistas que o fascismo de um governo ou de uma organização política deixa de ser fascismo ou o seu expansionismo de ser imperialista.
Abraço republicano

msp

Sim, cara Ana Cristina. Há aí tipos que, se você escrever um livro chamado O Rei de Espadas, concluirão que a Ana Cristina aderiu ao partido da realeza mais belicista. Outros não percebem que, sem sociedade e imposição da linguagem à cria humana, não há sequer a ideia de "liberdade escolha" individual - ou seja que a ideia de que a liberdade de escolha e de expressão individual é um bem socialmente produzido ou criado, e que só em certas histórias sociais esse bem é considerado maior e inegociável. Ou a liberdade é incondicional, dizem, ou todas as condições se equivalem e são igualmente opressivas. Não vêem que a liberdade - digamos, para assentar ideias, a liberdade política - releva de um conjunto de condições que são criações históricas e não existe para os indivíduos a não ser na medida em que sejam colectivamente instituídas.
Saudações cordiais

msp

Unknown disse...

Não. Dicotomia é um procedimento lógico de divisão de um conjunto em partes mutuamente exclusivas e conjuntamente exaustivas - de um lado, os republicanos progressistas; do outro, os facholés verdes, pretos e azuis.

Com esta, pretende-se excluir posições que, por exemplo, pretendem compreender onde é que o processo democrático empírico encaixa nisto, em vez de se perder tempo a considerar divisões artificiais e artificiosas entre esfera pública e privada - uma área da filosofia política em que a sensibilidade contextual deve estar presente, sob pena de se tornar uma discussão fundamental num diálogo de surdos. Que interesses presidiram à discussão desta legislação? Porque é que os Estados impõem uma bitola arbitrária de legibilidade agora? Já que os motivos destas iniciativas se prendem com a) a manutenção de uma estética corpórea republicana e b) a satisfação de uma percepção pública da igualdade universal de género, quais são as medidas adicionais a implementar no sentido de promover a igualdade de facto?

Já quanto às associações entre o integrismo islamita e o fascismo policromático - fico-me pelo silêncio atordoado. Já agora, que se use a palavra certa: "Islamofascismo". Quanto ao resto, desculpem lá, prefiro ir ler o Chris Hitchens, sempre tem mais graça.

De facto, Miguel Serras Pereira, o espaço para a agência é limitado. Mas existe. E discernir entre normas passíveis de desconstrução e normas imanentes é uma necessidade da estabilidade/existência de uma comunidade política.
Contudo, parece-me claro que as circunstâncias sociais e políticas actuais remetem para uma reavaliação dessas categorias. E isso não é ser relativista, é preferir a phronesis aristotélica à sophia.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro lpb,

não tenho a certeza de ter compreendido bem tudo o que diz. Com boa parte do que julgo entender, não vejo desacordo essencial entre nós. E, tal como aleio, também não creio que o Ricardo Alves tenha formulado uma posição extremista: de tudo ou nada, ou de redução da complexidade das forças em presença: limita-se a definir a atitude de intransigência que devemos adoptar perante o fascismo declarado ou a opressão sem máscara que impõe - pela violência doméstica, por exemplo - a terceiros que se mascarem.
Remeto-o, portanto, para o meu post : http://viasfacto.blogspot.com/2010/07/uma-especie-de-ponto-de-ordem-ainda.html#comments - talvez ajude a que nos entendamos.
Saudações cordiais

msp