Indispensável, a crónica Pancada no Pequeno (não sei se o link funcionará hoje) do Rui Tavares, publicada no Público. Aqui ficam alguns excertos:
Em Portugal, que é a nossa província, um membro do Governo que é secretário de Estado da Segurança Social anuncia uma poupança de dez milhões nos Rendimentos Sociais de Inserção, afetando em período de crise 44% dos beneficiários desta prestação, que estão entre as pessoas mais vulneráveis do país. "Compromisso cumprido", afirmou o secretário.
O mesmo Governo promete pensar em começar a estudar formas de baixar os custos com a renovação do seu parque automóvel, que são de 7,5 milhões de euros anuais. Isto é capaz de ser coisa mais demorada.
Na Europa, que é o nosso mundo, o governo francês continua com a sua política de repatriação de ciganos romenos. A imprensa ajuda sendo eufemística - ninguém usa a expressão "limpeza étnica" - ou incorreta - aqui ou ali vai aparecendo a expressão "imigrantes ilegais".
Vamos ser rigorosos sobre o que isto é e o que não é. Não, não se trata de imigrantes ilegais: os cidadãos romenos são comunitários e têm direito à livre circulação pelo território da União. E, sim, isto é uma limpeza étnica, ou seja, uma expulsão de um dado território de uma população circunscrita por critérios étnicos.
Como seria de esperar, a Itália de Berlusconi já manifestou vontade de seguir o exemplo francês. Quando a Croácia entrar na União Europeia, até 2012, ouviremos discursos sobre o caminho que ela fez desde as limpezas étnicas dos anos 90. Da maneira que as coisas estão, parece-me que é antes a UE que vai aderir à Croácia dos anos 90.
O que a França está a fazer é ilegal, uma clara violação dos tratados e do espírito fundamental da União Europeia. A Comissão Europeia, que é suposta ser a "guardiã dos tratados", não se insurge. Durão Barroso está silencioso. Dá-se tempo a que Sarkozy faça o seu número para as sondagens.
Junte-se a isto - precarização estratégica e penalização da pobreza, mais limpeza étnica - aquilo a que poderíamos chamar o petro-silêncio sobre os direitos humanos e as garantias fundamentais espezinhados - programática e propagandisticamente - pelo Führer do Irão e o seu regime, assinalado já pela Joana Lopes, que o mesmo Durão Barroso e a generalidade dos "responsáveis" da União Europeia compartilham com parte destacada da sua oposição "anti-imperialista". Os sinais de peste são evidentes e evocam estranhamente os que assistiram depois da Primeira Grande Guerra à ascensão das respostas fascistas, nazi e afins à "crise" na Europa e no mundo. Haverá quem diga, lembrando-se de duas linhas de Marx, que não temos motivos para alarme excessivo, pois que a repetição actual não passa de uma farsa, muito aquém da verdadeira tragédia que remataria a primeira metade do curto século XX. É esquecer que esse mesmo período mostrou que a ordem da sucessão dos termos de Marx (primeiro a tragédia, depois a farsa) pode ser e foi, mais do que uma vez, historicamente invertida. O que significa que, a deixarmos correr o marfim como até aqui, poderemos estar a aproximar-nos de farsa em farsa de uma tragédia duradouramente "final".
23/08/10
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7 comentários:
Miguel, partilho as suas preocupações.
Caro Luís,
vindo de quem vem, o seu comentário, apesar de confirmar preocupações que nada têm de reconfortante, é um reconforto que aprecio mais do que lhe sei dizer aqui.
Cordial abraço
msp
Reproduzi o texto do Rui Tavares sobre os ciganos - haja quem não se cale.
Ana Cristina
"haja quem não se cale"
você já foi vitima dos ciganos?
se passar no Algarve, tem grandes probabilidades de ver num acampamento deles, uma boa teca de alfarrobas.
a questão é: eles (os ciganos) não teem propriedades. donde veem as alfarrobas?
Por mim, sem querer substituir-me à Ana Cristina, creio, caro Anónimo, 1. que as alfarrobas vêm das alfarrobeiras; 2. que é justamente contra uma legislação à parte - em função da etnia, do sexo, da história, etc - que o Rui e todos os outros interlocutores - exceptuada a sua putativa pessoa - aqui falam.
msp
Miguel,
vai uma partidinha de Xadrez?
Chessplayer
Miguel, fez bem em responder por mim. Quanto ao anónimo, pergunto-lhe (não vou utilizar o você porque o meu pai explicou-me uma vez, e eu fixei, que você era coisa de estrebaria): já foi vítima de ciganos? já foi vítima de pretos? já foi vítima de judeus? já foi vítima de peles vermelhas? já foi vítima de arménios? E de maricas ou caras pálidas, já agora?
E para além disto, digo-lhe outra coisa: é fácil bater em quem não tem poder. Veja lá se o Sarkozy desatou a exportar árabes (no plural) para a Argélia ou para Marrocos.
Quanto às alfarrobas, gosto muito. Ao natural e em farinha para bolos.
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