O PCP vai apresentar um projecto próprio de revisão constitucional. É uma jogada acertada, por várias razões. Entre elas, duas. Em primeiro lugar, é do mais elementar dever democrático que as constituições sejam revistas e cada geração (seja isto o que for) deve ter direito à sua própria constituição (já nem falo daquela coisa de uma constituição que não seja constituída e seja apenas poder constituinte). Em segundo lugar, a posição de "defesa" da constituição, em que o PCP tanto tem insistido, não só não faz jus ao que foi dito no primeiro ponto, como ainda peca por um desfasamento entre (eu sei que isto é simplificador, mas entendam-me) o texto da lei e a realidade social. Com efeito, se é compreensível "defender" a constituição de um país em que política e socialmente as coisas caminham pelo melhor, não o é fazer o mesmo no caso de um país em que os "de baixo" têm, sobretudo, motivos para contestar o actual estado de coisas (neste sentido, a jogada de revisão constitucional que parece ter saído algo furada a Passos Coelho, pretendendo dar um certo tom de ruptura com o status quo, não era assim tão idiota, mesmo se, e felizmente, acabe mal e pior).
A questão, aliás, não é muito diferente (embora em parte seja) no que se refere ao tema do patriotismo. A "defesa" da constituição e da pátria podem fazer sentido "tacticamente", no sentido em que se trata de defender esta constituição contra as políticas liberais de PSD e PS e no sentido em que se trata de defender a soberania democrática da nação contra uma globalização económica, diagnóstico em relação ao qual difiro do PCP. Mas estrategicamente não há muito cabimento para uma tal "defesa". O PCP, creio, sabe isso, embora nem sempre consiga combinar bem a "defesa" e a luta contra a "ofensiva" e a sua própria retórica de "ataque", dificuldade que, se por um lado se explica pelos acontecimentos históricos das últimas duas décadas, por outro reflecte uma certa desorientação, que só seria positiva se servisse para que os camaradas da direcção percebessem que as coisas estão mais em aberto do que por vezes se julga.
Daí que eu abomine mas compreenda o facto do camarada Estaline ter instigado o patriotismo quando era ele o represetante do estado e da pátria, mas não que isso seja feito quando a pátria é aquilo em nome do qual outros (como o candidato Manuel Alegre) falam contra a ideologia e o divisionismo (o qual, diga-se, em parte deve ser louvado enquanto condição de antagonismo social). Não compreendo, mas, é claro, nem por isso creio que este patriotismo seja menos criticável.
23/09/10
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6 comentários:
Por favor, José Neves, um pouco mais de atenção ao que escreve.
Com que então «se é compreensível "defender" a constituição de um país em que política e socialmente as coisas caminham pelo melhor, não o é fazer o mesmo no caso de um país em que os "de baixo" têm, sobretudo, motivos para contestar o actual estado de coisas».
De facto, peço humildemente a sua atenção para que só pode escrever uma coisa assim quem porventura pensar que é a Constituição a responsável pelo tal «estado de coisas» e não uma determinada política, muitas vezes feita contra o espirito e a letra da Constituição.
E francamente, acaso tenha pretendido insinuar isso, não vejo o que é que «os de baixo» teriam a ganhar anulando o «desfasamento» entre Constituição e realidade social no sentido de a primeira se alinhar pela segunda.
Não sei proque o Vitinho Dias perde tempo com ese Zezito Cesar das Neves. A tactica dele é muito simples. Fazer de conta que gosta do PC e que é um individuo de esquerda. Esse Zezito gosta de ser um penetra no moviment operario mas so quando este lhe pode dar palco,. o palco dos futuros lambebotas do poder
Vítor,
Eu não disse que a constituição é a responsável pelo estado de coisas. Mas sim que uma posição de "defesa" (no caso, da constituição) não é compatível com a postura que se quer face ao actual estado de coisas.
A constituição que temos revela a influ~encia de um conjunto de lutas e vitórias do movimento operários e afins, de acordo; hoje precisamos, e por isso comecei por elogiar a acção do PCP no sentido de propor uma revisão constitucional, uma constituição qeu seja o reflexo das lutas que se travam e das suas aspirações.
José Neves:
Começa por que creio que então elogiou mal o PCP.Não me parece nada que o PCP apresente um projecto por ter passado a achar que a revisão era necessária e inadiável. Apresenta-o porque está aberto o processo, porque quem tem projecto tem mais meios de intervenção parlamentar e porque, face aos projectos dos outros, é indispensável haver um projecto que, para além de melhorias pontuais sempre possíveis, procure sarar ou diminuir os golpes de anteriores revisões e seja naturalmente instrumento de debate e combate políticos.
Depois, José Neves, às vezes penso que não vivemos no mesmo país. Então o José Neves, quando fala de uma revisão que nos dê «uma Constituição seja o reflexo das lutas que se travam e das suas aspirações» actuais, está sonhar com ladrões ou quê? (sabendo qual é a correlação de forças parlamentar).
Sinceramente, perdoe a sugestão, mas não estará a precisar de reler com atenção a Constituição que temos ?.
vítor,
a questão da correlação de forças parlamentar não pode constranger a afirmação de propostas de determinado tipo. é um risco, bem sei, mas é parte de um jogo que só vale a pena jogar se soubermos o risco. dou-lhe um exemplo: acho que o be fez bem em "radicalizar" o discurso em torno das nacionalizações durante a campanha, independentemente da correlação de forças ser mais ou menos favorável a isso. isto é, e o vítor concordará (em tese, depois na prática diferimos, por certo), a correlação de forças depende também de nós.
por acaso, há cerca de dois/três anos, pensando num capítulo extra da tese de doutoramento, li a constituição com alguma atenção. haverei de voltar a isso e conto com o Vítor para me corrigir as revisões esquerdistas que eu tiver para fazer :)
abç
há alguma coisa que não seja completamente "bronca" neste texto? É que se há, escapou-me.
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