Manuel António Pina no JN:
Perder uma votação é (deve ser, mas que sei eu?) frustrante. Mas daí a contabilizar o sofrimento e a humilhação individual para concluir que "o meu violador de direitos humanos é pior que o teu" vai um precipício moral que, como diz Steiner, constitui "uma obscenidade adicional ao acto de despersonalizar a desumanidade".
Foi o que fizeram Ana Gomes, do PS, e Miguel Portas, do BE, proponentes da etíope Birtukan Mideksa, que entendem que, em Cuba, as violações dos direitos humanos, enfim, como dizer?, "não têm a gravidade que noutros regimes têm" e que, na Etiópia, essas violações (tortura, indignidades, prisões arbitrárias) é que são "gritantes". E o que igualmente fez Ilda Figueiredo, do PCP, que patrocinava a ONG "Breaking the silence", que tem denunciado as atrocidades de Israel na Palestina, e acusou o PE de não querer "enfrentar Israel" e se virar para Cuba, que é "mais fácil". Há algo de facto obsceno no espectáculo desta gente sentada nas suas poltronas a fazer contas, de máquina de calcular na mão, ao sofrimento alheio e a decidir quem sofre mais e quem sofre menos.
(publicado também aqui)
25/10/10
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11 comentários:
"Há algo de facto obsceno no espectáculo desta gente sentada nas suas poltronas a fazer contas, de máquina de calcular na mão, ao sofrimento alheio e a decidir quem sofre mais e quem sofre menos."
Caro João,
O artigo de opinião em causa é intelectualmente desonesto. Qualquer decisão assenta em critérios. Parece-me elementar que um prémio para defensores de direitos humanos vá para aqueles que mais risco correm quando denunciam as maiores atrocidades. Ou há outro critério possível? Que outros critérios acha o João devem ser utlizados quando se decide atribuir tal tipo de prémio? Que critérios terá utiilizado o PE para atribuir o Prémio Sakharov deste ano a Guillermo Fariñas e não a Birtukan Mideksa, por exemplo? Já agora gostaria que o Manuel António Pina tivesse partilhado connosco esse conhecimento, pois para ele esses critérios parecem evidentes. Talvez uma pista seja a atribuição desse prémio por 3 vezes, nos últimos 8 anos, a contestatários do regime cubano. Quando efectivamente há regimes bem mais sanguinários do que o cubano.
Um abraço,
Pedro
Reproduzo aqui comentario deixado no delito de opiniao e que creio vir a proposito
Independentemente da posiçao que cada um tome sobre a natureza do processo revolucionario cubano (como deverá saber, eu sou um seu vivo defensor) nao creio que possa ser escamoteada a realidade evidente deste premio ser utilizado de forma instrumental pela direita europeia (3 premios em 10 anos parece um pouco excessivo, nao acha?).
Discordando da sua tese da ditadura castrista, assumo-a como hipotese para discussao, que em Cuba nao há democracia (reitero que nao é essa a minha convicçao). Sendo assim, vejamos:
1) quantos jornalistas foram presos ou assassinados no ultimo ano em Cuba?
2) quantos sindicalistas, activistas de direitos humanos e/ou politicos foram perseguidos ou sofrido castigos piores?
3) quantas organizaçoes politicas ou culturais foram encerradas?
4) que percentagem da populaçao civil foi obrigada a viver sob condiçao de extrema pobreza ou indigencia?
a estas perguntas, poderia juntar algumas mais, mas é curioso que no ano em que os paises ocidentais inventam mil e uma desculpas para justificarem um "inevitavel" falhanço em atingir os 8 objectivos do milenio, Cuba tenha conseguido atingi-los a todos com 5 anos de antecedencia (até foi elogiada pelo sec. geral das NU- e consta que ele nao é propriamente um marxista ferrenho...)
Que no ano passado, Cuba tenha assinado varios tratados sobre liberdades politicas e tenha convidado o relator sobre tortura e tratos humilhante a visitar os presidios cubanos, bem e poderia continuar com uma serie de conquistas reconhecidas internacionalmente e confrontá-las, por ex, com 4000 denuncias de tortura em 5 anos (2004-2009) na nossa vizinha Espanha constantes do relatorio global da Amnistia Internacional, com as recentes noticias sobre tortura com conhecimento dos EUA no Iraque e Afeganistao, assim como os, creio que, 650 civis mortos em pontos de controle por soldados norte-americanos, entre os quais 30 crianças...
Podia continuar durante bastante tempo, mas creio que a questao central nao é saber nem se Cuba é uma ditadura ou uma democracia, nem coleccionar e comparar atrocidades de todos os países (e muitos praticados pelas democracias liberais!), a questao é saber se o premio sakharov (diga-se de passagem, um resquicio anacronico da guerra fria) é fruto de instrumentalizaçao ou nao. E nesse ponto, pessoalmente nao tenho duvidas.
Caro Rafael:
1 - Quantos jornalistas opositores do regime (o seu patrão) existem?
2 - Quantos sindicalistas são independentes do Partido no poder? O sindicalismo no socialismo real é uma realidade bem diferente dos países capitalistas, ou discorda?
3 - Organizações políticas em Cuba, este é um tópico engraçado e basta mencioná-lo para dar uma boa gargalhada.
No entanto, o João Tunes terá de dar o braço a torcer ao Pedro Viana. A maioria dos contabilistas do parlamento europeu, certamente contabilistas não inchados (o parlamento nem tem maioria de direita nem nada) ter-se-ão baseado em critérios para situar Farinas na escala do sofrimento. É por ser a maioria que deixa de ser hipócrita?
Caros Pedro e Rafael.
Vamos lá pôr os pontos nos ii.
1.O Prémio Sakharov é atribuído a uma pessoa ou organização que se distinga na defesa da liberdade de pensamento e de expressão e/ou dos direitos humanos.
2. É inegável que Guillermo Fariñas se distinguiu na defesa dessa liberdade e desses direitos.
3. É pouco consistente argumentar contra a atribuição do prémio a GF dizendo que há regimes piores do que o cubano. Porque uma pessoa ou organização pode distinguir-se em matéria de defesa da liberdade de pensamento e dos direitos humanos sem que o regime do seu país seja o pior dos regimes possíveis.
4. O Manuel António Pina tem toda a razão quando denuncia como uma manobra indigna a atribuição do prémio a alguém que se bateu pela liberdade de expressão e dos direitos humanos alegando que aquela e estes também são violados - ou mais gravemente violados - noutros países.
5. O prémio refere-se, não ao grau de opressão, mas à atitude e posições assumidas por uma pessoa ou organização contra ela. O que faz toda a diferença e reduz a zero os argumentos de AG, MP e IF.
6. Dizer que "efectivamente há regimes mais bem sanguinários do que o cubano", como faz o Pedro, sugere que a luta contra os abusos daquele é secundária, deslocada ou acessória. O que equivale a sugerir que devemos absolver o governo de Sócrates dizendo que as medidas de austeridade na calha em Portugal não são nada quando comparadas com a precarização do trabalho empreendida na República Popular da China. Ou a desvalorizar a luta contra a pena de morte nos EUA alegando que as autoridades americanas, pelo menos, não lapidam os condenados. Ou a justificar, como tem feito o Renato Teixeira, a ditadura de Teerão e os movimentos militantemente anti-democráticos e confessionais da "resistência islâmica" porque são inimigos do regime de Israel e dos Estados Unidos. Ou, por fim, a adoptar a atitude dos que minoravam a ditadura do regime anterior em Portugal, invocando a sua comparativa brandura (havia censura, mas não pena de morte, colonialismo mas não racismo oficial…) e acusando as organizações como a Amnistia Internacional de se preocuparem com ninharias quando denunciavam os atentados contra a liberdade de expressão e os direitos humanos no país, quando havia situações de opressão bem mais graves no mundo.
Saudações democráticas
msp
Caro LF
existem bastantes auto denominado jornalistas independentes que têm publicaçoes electronicas
existem auto denominados sindicalistas independentes tb (ie, nao fazem parte da CTC). o facto de nao serem reconhecidos oficialmente é outra questao.
em 2009, 2400 ongs, muitas delas com actividade politica. (relatorio à comissao de direitos humanos de 2009 da ONU)
A gargalhada que o LF solta deve ser uma gargalhada bem amarga...
Caro msp,
As lutas contra a opressão não se deviam comparar. Todas elas são válidas, independentemente do maior ou menor sofrimento de quem luta e de quem é oprimido. Este tipo de prémios e distinções é por isso uma potencial armadilha que se presta a todo o tipo de manipulações. Não digo que devam acabar, pois no mundo hiper-mediatizado de hoje servem para chamar a atenção para situações de opressão. Mas é preciso estar vigilante, e saber distinguir quem está connosco na barricada por que partilha das nossas convicções daqueles que passam por lá por interesse táctico.
Como o msp facilmente pode constatar relendo o meu comentário, em nenhuma altura digo que Guillermo Fariñas não merecia ser distinguido pela sua resistência ao governo cubano. Merecia. Suponho que o msp não contesta que outros também o mereceriam, como por exemplo Birtukan Mideksa. Então porquê Guillermo Fariñas, porquê, msp? Porque razão? Com que critério? Alguém "se lembrou" e "não lhe ocorreu mais ninguém tão merecedor"? Por favor, não sejamos ingénuos. Não com o historial do Prémio Sakharov.
No fundo o meu comentário destinou-se simplesmente a tentar desmascarar a desonestidade intelectual de alguém que critica outros por publicitarem os seus critérios de decisão, enquanto esconde os seus (ou se contenta em fingir que não sabe que critérios foram na realidade utilizados).
Um abraço,
Pedro
Sim, caro Pedro - a tua formulação é, desta vez, mais sólida e algumas das tuas razões não seriam por certo contestadas pelo MAP.
A questão de fundo que levantas é a da idoneidade do Parlamento Europeu para atribuir um prémio a quem se bate pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos. E, com efeito, pela sua natureza de tendencial órgão de soberania (melhor seria que o fosse de facto) de uma potência global podemos argumentar - e eu argumento - que não dará garantias de independência crítica suficiente.
Mas, sendo assim, o que haveria necessidade de contestar seria a legitimidade do prémio e não a sua atribuição a GF. Que mais não seja porque esta segunda atitude, deixando de fora o fundo do problema, desvaloriza por força, ainda que não intencionalmente, o combate e a resistência de GF e, ao mesmo tempo, e a condenação da ditadura cubana.
Acresce, por fim, que qualquer prémio desta natureza, ainda que atribuído por uma organização mais independente e tanto quanto possível imune aos cálculos da política de potência, comporta sempre uma margem de arbitrariedade. E ou entendemos que devemos contestar a sua existência como contra-producentes (radicalizando uma das razões que formulas), ou, se aceitamos que existam (pelas razões que também dizes ou outras), não me parece que devamos dizer de uma pessoa ou organização a quem foi atribuído: "sim, resististe e defendeste a liberdade e os direitos humanos, mas houve outros que o fizeram também e, senão em condições mais difíceis ou com maior coragem, contra males ainda piores". Estás a ver o meu ponto? E por que razão considero a tua acusação de "desonestidade" ao MAP inaceitável?
Abraço para ti
msp
Caro LF,
a questão que você levanta e bem é a da idoneidade do PE - com esta maioria ou com outra - em matéria de atribuição de prémios ou distinções desta natureza. Tem, obviamente, razão desse ponto de vista. Mas isso não justifica que quem participa numa votação, apresenta contra-propostas, etc. venha depois contestar a competência do órgão de que faz parte para tomar a decisão que tomou. Suponho que a "hipocrisia" é por aí que passa - tanto no espírito do MAP como no do meu camarada João Tunes. Aprovar ou condenar a existência do prémio, a competência do seu júri, não pode depender de condições do tipo: sim, se o galardoado for uma ONG que denuncia a política do Estado de Israel na Palestina ou uma resistente etíope; não, se for um dissidente chinês ou cubano.
Saudações democráticas
msp
Caro Pedro Viana,
Naturalmente que a concessão de um prémio (o Nobel, o Sakharov) inclui vários critérios em que não é de somenos o sentido político (nomeadamente, como acto de pressão) e aspectos da vítima que vão além do sofrimento propriamente dito. Quando das propostas, cada qual tinha os seus fundamentos e os seus propósitos e natural foi que cada deputado europeu afirmasse o critério das suas prioridades. Mas, depois, quando se vota, forma-se uma maioria e uma minoria. E é aqui que entram as indignações com os comportamentos da Ana Gomes, do Miguel Portas e do Luis Fazenda de tentarem esqualificar a atribuição. O "mau perder" destes é que cria a questão que MAP condenou e a meu ver muito bem. Que, ao fim e ao cabo, nestes casos e não quanto aos castristas de "peso" (outra história), deriva de uma nostalgia e uma afectividade revolucionária com os tempos idos e "heróicos" do castrismo. E será essa memória que os vira para outras prioridades, considerando que "há regimes bem mais sanguinários do que o cubano". Ora é nomeadamente pela sobrevivência desta nostalgia que contamina a solidariedade e a defesa universal dos direitos humanos, nostalgia que se conta entre os factores políticos que permitem a sobrevivência da ditadura cubana, que eu considero que o Prémio Sakharov foi muito bem atribuído da Fariñas. E que 3 Prémios Sakharov para cubanos não são demais, pelo contrário são pouco pois a ditadura cubana ainda persiste.
*****
Sinceramente, não vejo qualquer problema em que aqueles que participam numa votação e a perdem, venham depois afirmar porque razão eles votaram como votaram. Parece-me uma atitude de transparência até louvável no caso de representantes dum eleitorado que neles votou, como é o caso. Se todas as votações perdessem legitimidade só porque o seu resultado é criticado à posteriori, então só na Coreia do Norte é que tinhamos votações legítimas ad eternum. Parece-me estranho a defesa do "come e cala". E é contra isso que me insurgi. Não contra a atribuição propriamente dita a Guillermo Fariñas, que acho perfeitamente defensável e apropriada, como tenho a certeza que Ana Gomes e Miguel Portas também acham. Mas, também acho que há outros que também o merecem, e cujas causas se calhar precisam bem mais da publicidade mediática que o Prémio Sakharov atrai do que a resistência ao regime cubano. Porque para mim essa é a única utilidade deste prémio.
Ao contrário do que escreve Pedro Viana, acho que M.A.Pina opta por uma posição muito frontal, livre e iconoclasta: ataca a legitimidade dos limites -políticos, culturais e sociais - que estão na base destas " escolhas " e pseudo-alternativas para manter o povo(s) iludido e auto-castigado,e fico por aqui para não carregar nas tintas. M.A.P. com a sua finura e erudição, por certo,ao escrever a crónica, não deixou de se recordar de uma das " lições " da Servidão Voluntária, de Étienne De La Boétie: " Não pode haver amizade lá onde reside a crueldade, lá onde se loja a deslealdade, lá onde se postula a injustiça. E, entre os mal intencionados, quando se juntam, o que existe é um complot, não uma assembleia. Eles não se respeitam, só se temem uns aos outros; não são amigos, mas são cúmplices ". Niet
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