Tempo de falarmos um pouco de “corte de cabelo”. E não de “resgate”, por José Manuel Fernandes (Blasfémias):
Mas uma coisa é dizer que não podemos deixar de passar por uma cura de emagrecimento, outra condenar o país a um regime de pão e água sem fim à vista. O que o Governo tem feito PEC atrás de PEC tem sido apenas apertar o cinto sem mudar de hábitos – ora, como sabem todos os que algum dia fizeram dieta, sem mudanças de hábitos a gordurinha regressa com a maior das facilidades. Os credores externos, como se tem visto, também não são capazes de impor – via Fundo Europeu e FMI – mais do que uma dieta louca e sem perspectivas. É por isso que os resgates grego e irlandês não aliviaram a pressão nos mercados da dívida.
Há uma semana, na sequência da demissão do Governo, o Wall Street Journal escrevia em editorial que Portugal “necessita de reformas, não de austeridade”. Só que as reformas defendidas por aquele jornal, se não iludiam alguma austeridade – pois será sempre necessário diminuir as despesas do Estado –, passavam, sobretudo, por criar um ambiente mais favorável à criação de riqueza e ao crescimento. Ora isso não acontece criando novas taxas encapotadas como a que pretende “subsidiar” os futuros despedimentos, antes fazendo diminuir todas as contribuições e impostos que penalizam a criação de postos de trabalho. Ou diminuindo o IRC, aproximando a sua taxa da praticada pela Irlanda, por exemplo, para conseguir atrair investimentos estrangeiros.
Infelizmente, ou talvez não, nunca se conseguirá cortar o suficiente nas despesas, e suficientemente depressa, para conseguir acertar as contas do défice, pagar os juros, começar a amortizar nos nossos gigantescos empréstimos (públicos e privados) e ainda inverter a tendência para continuar a aumentar impostos. Por isso, se queremos ter margem para introduzir reformas pró-crescimento, temos, como defende o Wall Street Journal, de reestruturar a dívida. Para muitos economistas a nossa situação é tal que teremos sempre que fazê-lo, com ou sem reformas – é ler, por exemplo, a entrevista a este jornal, na quarta-feira, de Barry Eichengreen, um ex-consultor do FMI considerado pela The Economistcomo um dos cinco economistas com ideias mais importantes para a pós-crise. Na sua opinião “usar dinheiro do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira e do FMI para’adocicar’ o acordo com os detentores de obrigações, de modo a fazer esta reestruturação da forma mais ordeira possível, seria melhor do que outro empréstimo de resgate, como os empréstimos iniciais à Grécia e à Irlanda, que negam a necessidade de reestruturação”. Rogoff tem defendido o mesmo.
Mesmo assim falar de reestruturação da dívida continua a ser falar de um tabu. Nenhum político nem nenhum banqueiro quer sequer tocar no assunto. E se se percebe a aversão dos banqueiros – reestruturar a dívida significa deixar de pagar, ou pagar mais tarde, aquilo que devemos –, a aversão dos políticos só se compreende por estes, aqui como em Bruxelas ou em Atenas, se terem especializado em negar a realidade para, julgam eles, não assustarem “os mercados”.
Na gíria dos economistas estas operações de reestruturação têm o curioso nome de “haircut” (corte de cabelo) e significam que os credores assumem como perdida parte dos empréstimos que fizeram. Na prática isso significa, como se escrevia num papper do think tank inglês Open Europe, uma transferência de parte dos custos da austeridade portuguesa dos já muito penalizados cidadãos nacionais para os credores, enviando-lhes também a mensagem de que devem ser mais prudentes quando financiam países estruturalmente deficitários como o nosso. Há muita justiça neste raciocínio, pelo que se pergunta: porque não de discute mais abertamente o cenário de uma reestruturação da dívida, única forma de a nossa economia recuperar algum espaço de respiração?
Julgo que por uma razão psicológica – reestruturar a dívida implica uma bancarrota parcial, e desde 1890 que Portugal não se vê em tal situação – e por o tema desagradar aos nossos credores, com a Espanha e a Alemanha à cabeça. Porém, se este “corte de cabelo” for trabalhado em conjunto com a Irlanda e a Grécia, que já estão a pedir a renegociação das condições dos respectivos resgates, Portugal conseguiria evitar o pior dos problemas, uma reacção muito negativa dos mercados. De resto, depois do que se passou esta semana, é difícil imaginar o que de pior nos poderá acontecer. Mau, mau será ir ao mercado durante o mês de Abril continuando a não olhar ao preço insustentável do dinheiro e fazendo apenas juras de que não necessitamos nem de ajuda, nem sequer de um amparo. Já chega de adiar soluções e tornar cada vez mais difícil uma saída sustentada da crise. Já basta, e cito uma imagem do diário espanhol ABC, de continuar a conduzir pela faixa errada da auto-estrada jurando que todos os outros é que estão enganados.
5 comentários:
Caro MM, retenho, no essencial, isto "uma transferência de parte dos custos da austeridade portuguesa dos já muito penalizados cidadãos nacionais para os credores, enviando-lhes também a mensagem de que devem ser mais prudentes quando financiam países estruturalmente deficitários como o nosso." como princípio de justificação moral ao incumprimento parcial!! Mas, simultaneamente, este juízo implica o afastamento do crédito futuro!! Como, sem crédito, estruturar uma economia deficitária, que, para além de investir, necessita de consumir!!??
O JMF1957 devia estar sob efeito de calmantes ao ter escrito este artigo anti-liberal. O excelente Ladrões de Bicicletas têm apresentados todas as análises de combate à Austeridade e em prol da renegociação da Dívida Total. O que se percebe, no entanto, é que será o pro´prio eleitorado alemão a destruir as politicas solipsistas e monetaristas da sra. Merkel, que arrastou também na sua frontal imprevidência o histriónico Sarkozy. Não seria melhor ter feito uma selecção estrutural dos textos do Krugman, Barry Eichergreen e Martin Wolf,por exemplo do que tirar o chapéu a este artigo assimétrico e invulgar do JMF1957. Niet
é como termos o pior de dois mundos: por um lado os mercados cobram juros altíssimos por um suposto risco real de não-pagamento; Pelo outro, dos países, essa hipótese é meramente virtual e impronunciável. Os credores assumem o risco, os devedores não o admitem. Alguma coisa soa-me errada.
é como termos o pior de dois mundos: por um lado os mercados cobram juros altíssimos por um suposto risco real de não-pagamento; Pelo outro, dos países, essa hipótese é meramente virtual e impronunciável. Os credores assumem o risco, os devedores não o admitem. Alguma coisa soa-me errada.
é como termos o pior de dois mundos: por um lado os mercados cobram juros altíssimos por um suposto risco real de não-pagamento; Pelo outro, dos países, essa hipótese é meramente virtual e impronunciável. Os credores assumem o risco, os devedores não o admitem. Alguma coisa soa-me errada.
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