O Bloco de Esquerda deve reflectir sobre os resultados que obteve? Certíssimo. Mas a única alternativa que se coloca ao futuro do Bloco não é entre o Bloco tal como existe e um Bloco mais à direita. A alternativa é entre um partido progressivamente reduzido a uma dinâmica político-institucional-mediática e um partido que reflicta sobre que relação poderá manter com questões como: movimentos sociais, espaços culturais contra-hegemónicos, informação alternativa, redes de associativismo, produção ideológica, etc.. Isto está muito além da questão de saber se o Bloco vira mais à direita ou mais à esquerda. Felizmente que a política não é um debate entre o Daniel Oliveira e o Renato Teixeira, com o devido respeito por ambos.
A perda de deputados (e de funcionários e dinheiro) é, neste sentido, uma desvantagem que pode não o ser. A perda de funcionários pode, também, ser uma boa notícia. Seguramente o é para muitos dos que participam em espaços políticos e de movimento social em que se encontram esses funcionários. E também poderá ser uma boa notícia para o próprio Bloco. Pode obrigar a direcção do partido a ir procurar aos militantes de base, não funcionarizados, a força de trabalho que ontem era paga. Ou pode obrigar o Bloco a abrir-se a outros partidos, associações, grupos, sem que tenha a pretensão de absorvê-los. Esta será necessariamente uma viagem de regresso à realidade de que depende qualquer transformação: a realidade de uma política feita por homens e mulheres comuns, alguns deles mais moderados que o Daniel Oliveira, outros tantos mais radicais do que o Renato Teixeira.
06/06/11
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24 comentários:
Volto a subscrever na íntegra, Zé. Sublinho a chave de ouro (não é todos os dias que descobrimos sonetos tão perfeitos, pá).
miguel(sp)
Zé Neves, com a mesma simpatia e respeito, os teus textos estão a transformar-se numa mistura de Laurinda Alves com Eduardo Sá da esquerda.
Quanto às "pessoas comuns", é assim como o "País real": não sei bem o que seja. Cheira-me a paternalismo.
Por fim, o Renato saiu do Bloco (com todo o direito), eu estou lá, logo dificilmente a simetria entre os dois no debate sobre o Bloco não faz grande sentido.
Esta de ser o Daniel Oliveira a classificar alguém de Laurinda Alves/Eduardo Sá da esquerda é deliciosa.
O Daniel acabou de perder todo o sentido do ridículo e de mandar pela pia abaixo o minimo de respeito que tinha ganho por ele nos últimos meses. Inacreditável o que acabou de dizer.
Apesar de militante do PCP tenho bastante respeito pelo BE. Creio que o BE fará uma má análise se esquecer que muito do bom resultado de 2009 foi conjuntural. Expliquei isso melhor aqui. E esta vai ser a minha única contribuição para o vosso debate.
Daniel, substitui Gil Garcia por Renato Teixeira, se isso te acomoda mais e diminui o estado de irritação. Para que fique claro, bem sei que és militante do Bloco e não pretendi colocar isso em causa, até porque, como sabes, não acho que seja coisa que justifique muito orgulho.
Quanto à expressão "pessoas comuns", não me surpreende que te incomode politicamente, mas erras na comparação e na acusação de paternalismo. A expressão "país real" que tu utilizas é muito mais parecida com aquilo que tu desginas como "o eleitorado do Bloco" (isto é: o país real do bloco), esta sim uma expressão cheia de paternalismo porque presume que existe tal entidade homogénea como o eleitorado do bloco.
Eu, quando falei de pessoas comuns, falei de pessoas capazes de serem tão radicais como tu ou tão moderadas como o Gil Garcia (ou o contrário, tanto me faz, discutam entre vocês isso).
Para ti, cada vez mais, a política existe apenas a dois níveis: o dos representantes e o dos representados. E tu funcionas como o árbitro (ou comentador) da coisa.
Para ti existe lá em cima a grande política dos dirigentes que criticas ou que apoias e cá em baixo existe essa coisa a que chamas "o eleitorado" e que no fundo serve apenas para legitimar as posições que esgrimes nos debates lá de cima.
Quanto ao resto, não me incomoda a comparação com a Laurinda Alves e com o Eduardo Sá. Vejo-os como dois putativos comentadores de um programa chamado "Eixo do Bem". Coisa que há quem ache muito diverso de um programa tipo "Eixo do Mal". Mas eu não acho. Um dia, aliás, temo, por ti, que acabem todos juntos num freak show.
Não podias ter respondido melhor, camarada Zé Neves.
Abraço
miguel(sp)
Caro Z. Neves, para dar mais força ainda ao seu pensamento:" A recusa da ideologia da promoção, é a recusa da luta de todos contra todos ", C. Castoriadis, 1974, in " Contenu du Socialisme ". Salut! Niet
Eu é que curto os apartes do MSP. Faz lembrar o tempo em que se repetia "apoiado" de cada vez que s. exª dizia umas palavras.
O Zé, a tua conversa é muito bonita mas é a mesma treta de sempre: que faz com que a direita tenha ganho em Portugal a oportunidade de fazer o que bem entender, porque tem maioria parlamentar e com que o bloco e o pcp tenham perdido todo o peso e capacidade de influenciar qualquer decisão política durante os próximos tempos.Eu que votei no Louçã (e não me orgulho) gostava que ele fosse um bocado mais como o portas numa coisa: que se chegasse à frente e dissesse ao seu eleitorado que está disposto a fazer parte de uma solução de governo se as pessoas lhe derem o seu voto. Porque se não a gente está a votar nuns gajos que vivem orgulhosamente fora do mundo e que não servem para nada. beijinhos
Vera,
Entre o BE e o PS há uma divergência profunda quanto ao modelo económico, que a meu ver torna impossível qualquer acordo de governo, em particular no actual contexto em que deixou de existir espaço para uma política reformista por mais tímida que seja. Dir-me-ás que o BE tem que se adequar a esta impossibilidade? Não creio que tenha.
bjs
Zé Neves,
Há no entanto um pormenor importante que decorre do que diz a Vera: em termos de representatividade institucional, sendo assim (e admitindo que assim tenha de ser), é irrelevante ter 8 ou 16 deputados.
Acho que o bloco tinha de negociar e tentar ao máximo fazer valer as suas posições para o país, pressionando o ps, falando com a troika e mexendo-se por todos os lados que lhe fosse possível. Era isso que a metade das pessoas que deixaram de votar no bloco e mais alguns que ainda assim votaram - por não verem mais nenhuma alternativa e por apesar de tudo não quererem desperdiçar um voto na esquerda com possibilidade de representação parlamentar - esperavam do be. Para partido que vive fora do espaço e do tempo basta o pcp, que tem o seu eleitorado de lunáticos sempre garantido e que é neste momento completamente inofensivo. Acho que o Daniel tem toda a razão em querer que o bloco não se transforme noutro partido em que o discurso em vez de servir para pensar só serve para tapar os olhos.
lam e vera,
mas o parlamento não serve apenas para aprovar reformas. é também um espaço de expressão política, que importa articular com outros espaços, como a rua, o blogue, o jornal, a fábrica, etc.
vera,
tenho muitas críticas em relação ao pcp, mas ser um espaço fora do espaço e um tempo fora do tempo não é só uma desvantagem. é também a condição de uma alternativa.
Mas afinal para que é necessário um BE social-democrata, o PS(r)?
Os simpatizantes dessa causa podem fazer como os seus colegas da geração anterior, ou talvez da mesma, ex-MES, ex-maoistas etc. que entraram para o PS...
Lá poderão então dialogar tranquilamente, sobre as necessárias reformas do sistema capitalista, do sistema financeira internacional e tantos temas interessantes e actuais. Influenciando assim o virar à «esquerda» desse PS em busca da identidade.
Força pragmáticos de «esquerda» vão ao Rato buscar as fichas, mas a correr, pois as hostes já se movimentam em busca de um novo salvador...
Claro que sim Zé, eu por mim acho lindamente que vivam fora do espaço e do tempo. Mas não venham dizer que estão a lutar pelo povo e o raio porque o povo entretanto f...
Zé, eu percebo que se tenha uma determinado ideal do mundo e que se queira lutar por ele. Mas tem de haver um mínimo de noção do que é o mundo, tem de haver um mínimo de capacidade de adaptação para a coisa poder ser produtiva e influenciar de facto a vida das pessoas. Por que é disso que se trata, da vida das pessoas.
O Anónimo das 17 e 29 esquece - vá-se lá saber porquê - que não foram poucos os que, provenientes do PCP e de entre os seus militantes mais destacados, engrossaram as alas da social-democracia na versão PS.
Cara Vera,
não vejo que haja contradição necessária entre lutar por objectivos parciais, contra medidas do governo, etc., e o propósito de o fazer de outra maneira, lutando, não só contra este ou aquele governo, mas por outra forma de governo (efectivamente democrático, assenta na participação igualitária e nas iguais responsabilidades de todos os participantes, etc.).
O que o BE trouxe de novo foi a promessa de, como diz a Joana Amaral Dias, "ser mais que um partido político, ter a capacidade de potenciar e participar nos movimentos sociais"(cf. http://www.ionline.pt/conteudo/127853-joana-amaral-dias-diz-que-francisco-louca-e-um-lider--rasca) . E "se o Bloco tivesse cumprido aquilo que se propôs desde o início", para citar de novo a Joana, mantendo esse projecto, teria decerto agido de modo diferente nos últimos anos - o que faria com que uma derrota eleitoral como esta, a ter-se verificado, fosse muito menos importante. Foi isto que tentei defender nos dois posts que ontem aqui publiquei bastante em sintonia com o que o Zé afirma, mas nos quais creio não pôr também de lado as suas preocupações (Cf. http://viasfacto.blogspot.com/2011/06/be-dos-resultados-eleitorais.html e http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=2525053614363345408&postID=3602412620034626144).
Saudações democráticas
msp
Epá, realmente há aqui questões importantes para discórdia e discussão...
Não havendo margem para convergência com o PS, por isto ou por aquilo, fica-se apenas com a hipótese de esperar que o tempo dê razão à esquerda? Ou que o eleitorado, por fim, vote massivamente no Bloco?
Não estou confiante que seja por aí... E estes últimos resultados eleitorais não são nada animadores...
Se calhar precisa-se de soluções mais criativas, não?
Cumprimentos, Luís
vera e luís,
sim, não digo que o espaço e o tempo em que o PCP habita seja perfeito ou sequer desejável. Mas sei que o do PS e este em que vivemos não o é. Na verdade, este tempo e espaço que parecem únicos não o são e por isso assustam-me argumentos como base na ideia de que é preciso adaptarmo-nos ao que quer que seja. O povo está fodido? Sim. Mas isso não significa que o povo tenha que entrar na cantinela de que é preferível o trabalhinho à vida, a precariedade ao trabalhinho, a ultra-precariedade à precariedade, a escravatura à ultra-precariedade, etc.
abç
Zé e Miguel Serras Pereira
Na verdade até acho que o parlamento serve para muito pouco, porque como os deputados praticam a disciplina de voto imposta pelos seus partidos, todo o equilíbrio de forças é decidido com os resultados eleitorais. O que é uma grande porcaria. Qualquer dia mais vale votar só nos partidos em vez de estar a eleger deputados.
Também não vejo contradição entre essa vocação de congregar movimentos sociais de que o MSP fala e ao mesmo tempo admitir ter um papel num governo. Só acho que para isso é absolutamente necessário querer negociar. É sempre desejável negociar, tanto quando se juntam vários movimentos sociais como quando se tentam fazer passar ou chumbar reformas num parlamento. Com alguma coisa o pcp e o be têm que negociar mas nem sequer um com o outro o conseguem e eu acho isso uma absurda e inútil perda de tempo. É um sinal de menoridade. O ps pode ser uma merda, mas cabia então ao bloco e ao pcp pressioná-lo a ser melhor. Mas para isso é preciso comprometerem-se. E isso não significa ir em cantilenas, de cantilenas estamos nós fartos.
saúdo-vos
belo post.
Se os partidos não têm que se adaptar à realidade, então deveriam ser outro tipo e/ou ter outro tipo de objectivos explícitos.
Gostei da tua resposta, Zé Neves. Com mais tempo respondo à questão do "eleitorado", a interessante que aqui levantaste. E que corresponde ao que eu acho serem as limitações de um partido. Talvez isso nos aproxime mais do que julgas. As razões porque tu esperas determinadas coisas de um partido não são diferentes das razões porque eu não espero a mesma coisa de um partido: porque acho que os partidos cumprem uma função e que não esgotam a política. Ou seja, o que eu digo sobre as funções do Bloco não esgota o que eu digo sobre a política. E o que acho é que, muitas vezes, estás à espera do comboio na paragem do autocarro.
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