06/06/11

Perspectivas meta-eleitorais (recapitulação)

Quando, na legislatura anterior, parecia tornar-se verosímil o cenário de um derrubamento do governo de Sócrates na Assembleia da República,  escrevi as linhas que abaixo republico, porque creio que nada perdem da sua validade — ou se tornam ainda mais pertinentes — no cenário, não verosímil, mas consumado da queda desse governo em resultado da votação de ontem. Gostaria ainda de sublinhar que a maciça abstenção registada é mais um elemento que reforça as considerações programáticas que (re)proponho.

a luta pela democratização e a democratização da luta e da acção política quotidianas terão, apesar de tudo, melhores condições na situação clarificada que resultaria [e resultou] do derrubamento do actual governo. Depois da queda deste (ou sendo esta adiada), espera-nos, em meu entender, um período relativamente prolongado durante o qual a transformação do regime, a instauração de formas alternativas de poder político central, não será imediatamente possível. O que não quer dizer que a influência política do que as defendem tenha de ser menor ainda do que é hoje, ou não possa crescer e produzir efeitos profundos e sensíveis, fazendo recuar a ofensiva oligárquica, num quadro em que o governo seja assumido mais declaradamente pelo chamado bloco central [ou por uma coligação do tipo PSD-CDS].

Ou seja (…), é verosímil que a recomposição político-partidária explícita do bloco central [ou a recomposição em torno do polo PSD-CDS]  permita clarificação e desenvolvimentos significativos:(…) é possível que a área do PS e o próprio partido conheça algumas convulsões, recomposições, rupturas, libertando energias que terão repercussões na área do BE e imediações. Por outro lado, a oposição ao novo governo sairá reforçada e isso criará condições para que o combate deixe de ser fundamentalmente por outro governo, para reivindicar mudanças de regime - sendo que aqui se terá de jogar a cartada europeia: formular com outras formações e forças da UE uma carta de reivindicações e princípios 'constitucionais', repolitizando explicitamente a economia política vigente contra o neoliberalismo e a oligarquia financeira e promovendo a participação democrática dos cidadãos, etc, etc.

É também razoável apostar que, sem governos com cosméticas de 'esquerda', o campo da cidadania democrática possa sair reforçado e exercer uma influência muito maior do que até ao momento no curso das coisas. A oligarquia conservará no imediato o governo, mas poderá ser abalada e forçada a recuar.

Claro que nada disto é automático ou geometricamente demonstrável. Só pretendo mostrar que a queda de Sócrates não será 
[não foi] necessariamente uma catástrofe maior ou causadora de mais estragos do que a sua eternização e do que a aquiescência ao seu argumento de que "não pode ser de outro modo".Tudo dependerá das orientações da acção democratizadora e da capacidade de proposta e de extensão dos terrenos de luta para além das fronteiras e das formas de organização habituais.

É aqui que continua — agora como desde há muito — a surgir o problema maior. A extensão dos terrenos de luta e a transformação "para além das fronteiras e das formas de organização habituais" só serão possíveis através de um movimento — e, para começar, das intervenções que o proponham e animem —  portador de um "programa mínimo" (…) tendo por denominador comum a democratização a todos os níveis do exercíco do poder e das relações de forças governantes.

Em segundo lugar, parece-me igualmente claro que essa plataforma terá de reunir enquanto base da maioria dos que actualmente se reconhecem mais ou menos militantemente no PCP, no BE e no PS, bem como um conjunto muito mais amplo de elementos não integrados nesses ou noutros partidos.

O problema é que estes protagonistas da plataforma ou programa de acção comum só poderão levar a sua construção por diante — ou: (1) deixando de se reconhecer nos partidos referidos, cujos métodos, formas de organização, divisão interna do trabalho político, etc. são um dos principais obstáculos a esse projecto — ou: (2) transformando os mesmos partidos, se quiserem poder reconhecer-se neles, em termos necessariamente tão radicais que os tornarão irreconhecíveis na exacta medida em que os transformem em forças alternativas tanto ao regime da economia política dominante como ao dos seus próprios modos actuais de intervenção e funcionamento.

2 comentários:

Niet disse...

" O que existe de contra-revolucionário no Bolchevismo não nos ameaça; mas a ameaça nem por isso é menos gritante se existir uma vitória revolucionária ". Trotski, " 1905".

MS. Pereira: viva o teu operoso e deslumbrante voluntarismo! Sim, só com corajosa e sustentada combatividade se conseguirá criar um espaço político de alternativa ao estado de hypnose que irriga o " sistema " , que implica quebrar o falso " consenso " que se apoia numa racionalidade de meios sem respeitar as finalidades de libertação da natureza...humana. Sabemos como as linhas políticas são complexas e tortuosas, sensiveis ao fluxo e refluxo das conjunturas. O Bloco engloba um potencial de qualificado rigor estratégico para combater o erro oportunista e estalinista,isto é, centralizador, de forma, como sublinhas,pôr à prova " orientações da acção democratizadora e da capacidade de proposta e extensão dos terrenos de luta para além das fronteiras e das formas de organização habituais ".Se se reparar, justamente, que no contexto europeu o BE ombreia com os efectivos dos Verdes franceses, onde neste momento se trava um combate muito exaltante em torno da superação do imaginário jacobino e leninista, constata-se, pois, que há margem para subverter as miragens da política tradicional e os seus crimes...De qualquer forma, a autonomia e a criatividade militantes - ética e estéctica- implicam - como sublinhou Castoriadis- uma " revolução infinitamente mais profunda e mais dificil que uma tomada do palácio de Inverno ou a vitória numa guerra civil ". Niet

Anónimo disse...

Nota de emergência para os incautos( e não só...). A tese que cito do Castoriadis sobre o significado de Revolução - " mais dificil que uma tomada do palácio de Inverno ou a vitória numa guerra civil"-foi a última das que elencou em vida, data de 1990, e está incluido no VI vol. dos C.Labyrinthe. Com efeito, três anos antes- em entrevista que está inserida em " Uma Sociedade à Deriva "- ele tinha referido que, " Revolução, não significa nem guerra civil nem efusão de sangue ". " A revolução significa a entrada do essencial da Comunidade numa fase de actividade política, isto é, instituinte. O imaginário social instituinte desencadeia-se e ataca, explicitamente, para que se realize a transformação das instituições existentes ", acrescenta. Niet