O tempo é de repensar, rediscutir, reunir, reduvidar, até auto-flagerar; mas 1) isto não implica que não se assumam rupturas e 2) não se trata de partir do nada. Nas duas últimas décadas, ou até mais para quem quiser recuar aos anos de 1968, dois pressupostos terão sido por nós adquiridos e deles não devemos abdicar. Esses pressupostos devem limitar qualquer esforço unitário que importa e interessa desenvolver no âmbito dos exercícios auto-críticos em curso. Indicam os limites do nosso unitarismo. Que limites são estes?
O primeiro limite é o que nos distancia de quem prefere combater o capitalismo e só depois valoriza a luta pela democracia. Com quem assim fala, não se discute, não se aprende, não se ensina; luta-se contra. Lutar contra não significa, note-se, fazer desse o combate prioritário e, sobretudo, que se tome a árvore pela floresta. Se é verdade que no espaço do PCP parece aumentar (não sei com que peso) a importância de vozes que insistem em sobrevalorizar o combate ao capitalismo em detrimento do combate pela democracia, convém não esquecer que continuam a ser, hoje em dia, posições minoritárias, sem expressão na política fundamental do Partido. Com generosidade (e ela á precisa para os tempos que aí vêm) até podemos ver na crescente visibilidade daquelas posições um sinal da abertura da direcção do Partido às posições minoritárias que existem no seu interior. São, ainda assim, repito, vozes que devem ser combatidas sem concessões; aliás, todo e qualquer militante do PCP poderá fazê-lo, desde logo recordando as críticas que, nos anos 90, o Partido dirigiu contra os regimes socialistas da Europa do Leste. O segundo limite que deve ser por nós traçado é o que nos separa dos que entendem que a luta pela democracia é questão prioritária em relação à luta contra o capitalismo. Esta parece ser, hoje, a posição dos que, como o André Freire, têm defendido uma aproximação do Bloco ao PS. É, creio, uma posição acolhidas no seio do BE apenas minoritariamente, mas nem por isso desmerece o nosso combate, sem que, diga-se novamente, se faça desse combate a tarefa prioritária.
Em suma, qualquer hierarquização que afirme que o tema da democracia é mais relavante que o do capitalismo ou vice-versa deve ser rejeitada porque abriga um equívoco: o de que é possível dissociar política e economia. A esquerda que interessa não escolhe entre liberdade e igualdade. Como fazer política com base nesta "não-escolha", isto é, saber por onde ir, é a tarefa que nos cabe. Sem termos medo de não ter resposta para a questão "onde está a vossa sociedade alternativa?". E aprendendo as múltiplas formas de desarmadilhar tamanha questão, tema para um próximo post.
13/06/11
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9 comentários:
Excelente post, camarada. Só me parece que fazes uma leitura demasiado generosa dos sinais de abertura ao nível da organização do PCP - embora a generosidade nunca seja excessiva quando interpelamos os que, situando-se na área do PCP, como militantes ou eleitores, etc.
Se bem te leio, no entanto, o mais importante é que mostras como, no fundo, o poder político, o poder de governar, fazer a lei, fixar os objectivos e escolher as vias, etc. se exerce de facto a dois níveis: um, explícito, que é o do controle do(s) aparelho(s) de Estado e da administração (dita por antífrase) pública; outro, implícito, mas não menos determinante, e mais eficaz porque oficialmente excluído da política, que é o chamado poder económico.
A exigência democrática que opomos às duas formas de governo das nossas vidas é a mesma e não pode, com efeito, ser separada. Se a cidadania democrática implica o autogoverno colectivo e a autonomia individual e se a economia governa e vincula boa parte da nossa vida quotidiana, a reivindicação democrática terá de a combater tão prioritariamente como deve combater a subordinação hierárquica no plano do poder político explícito.
Abraço
miguel(sp)
O vazio pomposo. Exacto, o vazio pomposo.
AUTO-fragerar
fratello's gerar?
os tempos de democracia nunca surgem na fome
geralmente flagelam-se os outros nos tempos de crise
é de certo modo a ilusão da mudança em tempos em que ela não existirá
Resumindo a esquerda não é feita
de Madeira Serrada à Pressa
é feita de madeira com velhos nós
e com calos nas mãos
MAIS IDIOTA KA TU
lundi 13 juin 2011
ODE AO IDIOTA
TU QUE ESCREVES NOVOS MAPAS E NAÇÕES
TU QUE DERRUBAS E ERGUES MURALHAS E IMPÉRIOS
TU QUE SULCAS MARES DE ESCORBUTO E FOME
TU QUE ÉS CIVILIZAÇÃO
TU QUE ALIMENTAS OS LUXOS INTELECTUAIS
E POR ELES ÉS DESPREZADO
ó señoritos de la ezquierda sinistra sinister mesmo
O que mais aprecio neste post é que um dos «limites» seja o capitalismo (o anti...) e se evite o saco de gatos a que corresponde hoje o termo «socialismo».
"...recordando as críticas que, nos anos 90, o Partido dirigiu contra os regimes socialistas da Europa do Leste."
--
As critícas TARDIAS, meu caro. O PCP foi, como o PCI, o último a revisitar o credo.
A ideia do Socialismo Democrático (o meu Norte político), linha basilar do Partido Socialista, ainda que reconheça diferentes facies no seio deste, uns mais outros menos afastados da matriz, surge a partir do Revisionismo Democrático do Marxismo, sobretudo com E. Bernstein. Praticamente coevos, são vários revisionismos, dos quais se destacam dois, voluntaristas: este, bermsteiniano, democrático, e o revisionismo leninista, que, como apontou Gramsci, pouco ou nada tinha de marxista. Mas retomemos o fio à meada: esta diversidade interna, antes de ser criticado, existe em todos os Partidos (na AR, pelo menos), desde o CDS, entre a direita neo-liberal e a democracia cristã, passando também pelo PPD, ideologicamente o mais plástico, e BE (se algum dia discutissem ideologia a sério, trotskistas, maoístas, m-ls, nova-esquerdistas, ex-PCs e ex-PSs andariam todos à pancadaria), mas também o PCP. Aliás, o PCP tem vindo a aproximar-se do panorama bloquista: não se discute ideologia para parecer coerente. Porque ninguém me vai dizer seriamente que o PCP é um partido homogéneo em termos de ideologia, o que se percebe: os vários dogmas pelos quais passou as suas ideias tiveram adeptos que persistiram neles e não sintonizaram com os mais recentes. Mas enfim, a não-discussão ideológica marca a actualidade política portuguesa (mas não só). Dito isto, fico contente pela posição pró-Democracia em primeiro (ex aequo, mas em primeiro). Apesar de tudo, o PC tem na Europa Ocidental feito uma aproximação ao Socialismo Democrático. Felizmente parece que este último está a acordar da ressaca da Terceira Via e talvez haja, como refere A. Freire, possibilidade de entendimentos no domínio socialista alargado.
E realmente tem razão: não há ideia de sociedade alternativa no Socialismo Democrático. Há reformas progressivas, cumulativas, realizadas no plano da realidade, em direcção à Liberdade. A escolha entre Liberdade e Igualdade, pressupõe o desejo de igualdade como um fim em si. Errado. Igualdade sim, mas porque sem igualdade não existe liberdade (Rousseau). Mas a igualdade absoluta não existe (diferenças biológicas, relação tempo-espaço, qualquer coisa marca a diferença), além de também não deixar espaço à Liberdade, que era afinal o fim. E se há muitos que se dizem socialistas democráticos que não sabem o que é isso, nem quais são as ideias e ideais que o norteiam, lastimo. Mas são tão livres para isso, como os que se dizem comunistas e vão contra os princípios veiculados no Manifesto Comunista e noutros escritos de Marx (o que também afastaria do comunismo todos os partidos saídos da III Internacional…), ou não sabendo o que consta da vigente Declaração de Princípios do PCP.
Todavia, podemos sempre nós debater sobre ideias ideais de Sociedade e de meios realistas de os alcançar. A marca de distinção do Socialismo Democrático face ao Comunismo é a ausência de dogma, como já Sottomayor Cardia escreveu, mas não a ausência de ideais, ao contrário do que diz (penso que é a isso que se refere quando diz "[ideia de] sociedade alternativa"). Disse antes que não há uma noção de sociedade alternativa no Socialismo Democrático porque, tomando o que significa realmente a expressão, uma sociedade alternativa é uma outra sociedade, uma construção racional que não tem em mente a realidade para proceder à transformação da mesma e que define os meios para atingir fins afastada do que é esta sociedade. Nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma, e pensar que os ideais podem ser impostos, que podemos pensar a sua realista implementação no domínio da metafísica e pensar que há apenas uma estratégia para os atingir é errado.
Por fim, creio que o fim não deva ser o combate ao capitalismo em si, mas a utilização da produção de riqueza em prol da comunidade, nas condições que beneficie a todos da melhor maneira, e isso pode incluir alguma "liberdade" económica concorrencial regulada. E sim, concordo: a Economia é também Política. A diferença é qual consideramos determinante no moldar da realidade. E para mim é a segunda - o primado é do político.
E como vai extremamente longo, ficamos por aqui.
Um abraço,
DG
[enfim, como é também extremamente tarde, apaguei a mensagem que publiquei antes sem querer porque não a tinha revisto…]
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