07/07/11

Há quem acorde tarde. E quem prefira continuar a sonhar

De repente, toda a gente descobriu as maldades e os desígnios sombrios das agências de notação financeira. Não que o seu papel na explosão da crise mundial não tenha sido evidenciado até à exaustão, inclusive pelo CEO da Moody's, quando admitiu a falcatrua fundamental do jogo: «Ratings quality has surprisingly few friends».
Mas dá jeito a quem vê nos mercados uma Pessoa – dotada de omnisciência, omnipresença e com uma invisível Mão de infinda bondade – que eles tenham os seus Arautos. Que não se podem contrariar, como ainda há meses nos avisava Cavaco Silva: «não compensa absolutamente nada para a economia portuguesa e para o emprego em Portugal estabelecer uma retórica de ataque às posições dos mercados». (Claro que hoje o nosso PR já apanhou o ruidoso comboio dos que acabaram de descobrir os dentes do monstro a que ainda ontem prestavam culto.)
Apesar de tudo, há sempre os fanáticos que, mesmo a caminho do intestino grosso das suas divindades, continuam a rezar por redenções impossíveis. João Miranda (who else?) mantém-se firme ao leme da sua igreja de um fiel: «Governo começa a imitar as cenas tristes do governo Sócrates. Não é com conversa ou com desculpas que se convencem os mercados. É com resultados. O governo devia falar menos e trabalhar para mostrar mais resultados.» Ou seja, nestas semanas, o dízimo em miséria, desemprego e futuricídio deveria ter sido muito maior. Urge sim usar «a baixa de rating como argumento para justificar mais reformas». Se os interesses destas empresas – sim, são apenas empresas, não divindades nem sequer profetas – as levam a apostar contra o euro, a expensas dos seus utilizadores mais fracos, só temos é que acreditar nelas e puxar o arado ainda com mais força, sob o seu esclarecido chicote.
Mas, por outro lado, a conversa de fiscalizar ou mesmo revolucionar o seu mercado também não convence. Há quanto tempo a ouvimos, sem que nada seja feito?

14 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

O controlo sobre as agências de notação é uma não-medida que não resolve nada. O problema esta mal colocado e, de facto, têm razão os criticos que dizem, "ja agora não querem restabelecer o controlo sobre a imprensa que fornece informação economica" ?

O problema das agências de crédito é estarmos dependentes delas para o preço do crédito. A unica alternativa séria é haver crédito publico. Isso é que esta na base de Keynes : intervir por forma a que o custo do crédito não venha impedir a retoma.

E' claro que, de uma forma ou de outra, o crédito acaba por ter de se pagar. E não é menos claro que quem o paga somos nos. Mas isso não devia ser problema desde que ele seja bem aplicado.

Dito noutros termos : a sigla PIB corresponde a três palavras distintas. O P. não esta la so para enfeitar...

O que é necessario, é orientar esse P para o bom sitio.

A corja do Miranda acredita que o "Mercado" se encarrega disso de forma espontânea e milagrosa. E' um bocado como se disséssemos ao labrego que o segredo para fazer render o quintal é ir dar uma volta à praça.

Ora bem, o que se passa na praça não resolve situação nenhuma e o mais que pode acontecer por la é o labrego ficar sem a carteira...

Ha por ai economistas que saberão dizer isso melhor do que eu.

Mas acho que os fundamentais estão ai.

joão viegas disse...

Addenda :

Não estou a dizer que não seja uma boa ideia o Labrego ir de vez em quando ver o que se passa na praça, ou que isso seja completamente irrelevante.

Mas não é la que ele trata do quintal. A unica coisa que ele pode produzir por la, posto que tenha ainda tinta na caneta, é um boletim para o totobola (acho que não é boletim que se diz, enfim vocês sabem o que eu quero dizer).

Em termos probabilisticos, é arriscado confiar apenas nisso para resolver o problema que o labrego tem no quintal.

Boas.

Luis Rainha disse...

João,
A palavra "controlo" está deslocada. Basta ver que existem leis para controlar a imprensa económica, assim como qualquer outra imprensa. Supervisionar e verificar operações não equivale a controlo das mesmas.

joão viegas disse...

Sim,

Nem de proposito o Libération (vocês sabem la ir ter) publica hoje uma interessante entrevista com uma responsavel de uma agência que lembra que até existe regulamentação e tudo.

O que eu quero dizer é que o problema so esta nas agências de notação porque nos queremos.

Dêem as voltas todas que quiserem, crédito é anticipação sobre a riqueza futura, sobre a produção futura (e, ja agora convém lembrar que existe produção hoje, mesmo em Portugal, ou vocês pensam que o que vos aparece no prato é exclusivamente retirado de frigorificos alemães e suecos ?).

Ora bem, so quem acredita, ou finge acreditar, que a riqueza futura vai cair do céu é que encara o crédito com medo - e é também quem se entrega cegamente às agências de crédito.

Vocês lembram-se da anedota que se contava no Técnico sobre o matematico e o homem que esta num balão, não lembram ?

Ora bem, as agências de notação são exactamente como o matematico da anedota, limitam-se a dizer "bem, você esta num balão".

Acordem meninos !

Miguel Serras Pereira disse...

Excelente post, Luís.
E, se permites, em intenção do nosso leal amigo João Viegas, e sem subestimar as suas precisões, acrescento que não é necessário mais do que aquilo que escreves para demonstrar que o problema, a estupidez, a droga da coisa é a concepção não examinada, mas entranhada, automatizada, tornada quase um reflexo, de que o mercado ou os mercados são, não só auto-suficientes e independentes das instituições ou "institucionalmente neutros", mas também, sendo tudo isso, constituem a única instituição, a instituição por excelência (sobre a ruína ou subordinação de todas as outras), a instituição necessária e suficiente, mais capaz e mais adequada ao governo das nossas vidas. Daí que a frase do João Miranda que citas sobre o aproveitamento dos oráculos dos mercados para a promoção de reformas só possa significar que se trata de aproveitar a maré da crise para pôr o mercado e a sua oligarquia (incluindo um vasto clero) no lugar da acção política e excluir do campo dessa acção, reduzida a um papel ancilar de garante das condições de funcionamento do mercado soberano, a própria ideia de democracia.

Abraço

miguel (sp)

osátiro disse...

Até o Banco Central Europeu tem em conta as avaliações das agências de rating:
http://mentesdespertas.blogspot.com/2011/07/o-rating.html

O problema é que a “máfia socialista com experiência na maçonaria deixou o país na bancarrota.
as agências limitam-se a constatar essa triste realidade.

Anónimo disse...

Eu leio sempre o João Miranda, de há muito. E o que me parece, com mais ou menos " sangue " e especulação, é que ele é partidário do fundamentalismo anti-social -" todo o poder aos mercados "-,isto é, a tese mais ortodoxa e canibal que existe para ultrapassar a grave crise política e económica que voga à solta num espaço, o europeu, onde os alicerces maiores da sua constituição, de há mais de 60 anos, contemplavam um módus quase essencial de solidariedade e cooperação.O poder ortodoxo dos mercados- neste caso de capitais, principalmente, mas com estreitas ligações aos sectores produtivos- irá favorecer os países mais fortes e desenvolvidos em contraponto da chamada " periferia ", que pode cair na bancarrota,num prazo mais ou menos curto. Tudo isto é muito bem explicado( e adiantam mesmo uma alternativa) pelo economista Hakim El Karoui e o historiador-geógrafo Emmanuel Todd na edição de 11 de Maio do jornal económico francês, " La Tribune ". Jeffrey Sachs, Amartya Sen e mesmo Martin Wolf ou J. Stiglitz não andam longe de comungar com as teses dos dois peritos franceses. Site: www.latribune.fr/opinions/20100511trib000507911/léurope-la burqa-et la crise.html Niet

Dédé disse...

Carta de Eça de Queiroz à MOODY'S (Companhia das Águas), a propósito de mais um corte de rating (água).

Justiniano disse...

Rainha, apenas para dizer que quase me dá vontade de acompanhar o comentário do J. Miranda contra aqueles que no Governo se pintam de ridículo e alinham pela morte do mensageiro!!
As carpideiras a ensaiarem sobre a teoria do pecado, coisa tão triste!! De que se queixam, verdadeiramente!? Para a desdita ser completa só me falta ver as gentes do anti troika entrar no coro e carpir contra um mensageiro cuja mensagem já eles haviam endereçado!!
Se a questão é de juro estou certo que muitas das carpideiras de banca montada se oferecerão, de bom grado e peito aberto, a comprar os papeis por menos de metade do preço do juro e que outros o hão-de fazer àqueles a bem de toda a fauna e flora que demanda pelo mesmo!! Porque a final e com a odiosa no mensageiro problema algum se quedará por resolver em tão apaziguada família onde os parentes se afiançam mutuamente e sem mais e tudo!!
Um bem haja a todos nestes tempos de pior do pior onde o pior nos surpreende sempre pela pior das razões!!

Anónimo disse...

Justiniano, carissimo. Não aprovo o seu pessimismo. E estratégias- como as de J. Miranda- são pleonásticas e derrotistas. A não ser. por maquiavelismo serôdio e malsão-omnipresente e dominante na classe política legal e oficial de Portugal- que a solução, sim, face a um explosivo peso de 135 por cento da dívida pública em relação ao PIB nacional-se radique, venenosa e impunemente, na alvitrada " emigração " quasi-forçada de mais de 3 milhões de compatriotas, o que colocaria Portugal ao nível de um qualquer micro-Estado da África Ocidental...Niet

Justiniano disse...

Caríssimo Niet, não vejo razões para um portugues (grego, irlandes, britanico, espanhol, norte americano...sei que V. percebe os que estão e porque estão em parentesis) ser optimista!!
O fardo da dívida e da decadencia cultural para aí os empurrou!! E dentro desses uns serão mais empurrados que outros (para a emigração como bem aponta)!!
Um bem haja para si,

Anónimo disse...

Justiniano: A melhor maneira de combater(perceber) a crise múltipla- económica-política e financeira- reside na procura de análises profundas e credíveis num espectro cada vez mais abrangente. O mote pode ser dado a partir do NY. Times, pela pena de Susanne Craig, que alerta numa reportagem para a imperatividade de cortes e planos de poupança nas grandes empresas USA. Vai ser um Verão avassalador, portanto. Pois os sinais de fraqueza da economia USA persistem e agravam-se. Para Glenn Schorr, a economia norte-americana ainda está pior do que a grega... E Bob Chapman adverte que " as pessoas estão a enlouquecer" e uma crise deslizante- tipo 2008-," para muito pior", pode ser uma terrivel fatalidade até ao Outono... Os indicadores da mais que provável bancarrota grega parecem ser irrecuperáveis, segundo avaliam Chapman e Schorr. Só o " lixo " tóxico das obrigações dos três PIGGS- Espanha, Portugal e Grécia- comprados in extremis pelo Banco Central Europeu nos últimos dois anos, ronda o meio trilião de Euros...Niet

good churrasco ó auto de café.... disse...

certo home comece a comprar dívida portuguesa que há muita e barata
no mercado secundário

mas parece que nem os portugueses a querem

a economia é uma ciência que depende muito da fé

e profetas na própria terra
só Salazares Soares e Cavacos
e Sócrates em fugas várias

Anónimo disse...

Não há nada como realmente,costuma dizer o " povão ",caros interlocutores e prosadores. A tese do " imperativo " da Emigração " como válvula de escape para a diminuição da tensão da Luta de Classes em Portugal foi ventilada numa entrevista de Anabela Mota Ribeiro a Diogo Vasconcelos, gestor da Cisco e antigo vice-presidente do PSD,que faleceu recentemente em Londres,e que é hoje republicada no Jornal de Negócios On Line, a titulo de homenagem póstuma. Eu tinha ouvido tal flagelo opcional no Expresso da Meia- Noite, ou " coisa que o valha", na Sic- Notícias, há uns bons pares de meses. Niet