Quando superstições mais primitivas governavam as nossas vidas, dávamos rostos e nomes às forças da natureza, sonhando-lhes vidas, amores e desavenças.
Hoje, a mitologia dominante funciona ao contrário: somos vassalos da entidade omnipresente a que chamamos “Mercado”. Esquecemos que se trata apenas de um agregado de comportamentos humanos e começamos a imaginá-lo como coisa sujeita a leis, previsível aos olhos dos sábios. Vivemos medrosos sob o jugo de um leviatã cego, capaz de fazer brotar tormentas sobre divisas, países, multidões esfaimadas.
Como sempre, não faltam acólitos à nova divindade. Os devotos reúnem-se em think tanks e comités. Depois, “baixa o santo”; entram em transe colectivo e desatam a orar ao que julgam ser o supremo objectivo humano: facilitar a vida à Mão Invisível.
Assim desabrocham coisas como o dito “Grupo de Trabalho”, com a sua doutrina de que a TV, a Rádio e a Informação devem ser entregues apenas ao Mercado. Este, na sua infinita sabedoria, não precisa de regulação exterior – extinga-se a ERC. Tem sempre fome de mais receitas – fim à publicidade nos canais do Estado. Dá-se melhor com cidadãos dependentes do que ele lhes diz – minimize-se a informação oriunda de outras paragens. É alérgico à diversidade – corte-se uma das irritantes e heterogéneas antenas da RDP.
Eles nem fazem por mal; estão apenas ansiosos por servir o seu deus. Esperando, claro, que deles venha a ser o reino dos céus.
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16/11/11
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3 comentários:
Os mercados são um cartel monopolista financeiro que funciona a nível planetário. Nem sequer existe uma miríade de interesses, cada um a puxar para seu lado que, em última análise, beneficiaria as populações. O que existe é uma única cabeça que dirige a «mão invisível» em proveito desse monopólio financeiro.
Caro Luís Rainha:
Brilhante.
Escreva mais vezes, para equilibrar a qualidade da prosa aqui exposta.
Muito bem,
A mim também me irrita sobremaneira esta mania cretina do "Mercado". Eu até ja tomei as precauções necessarias por forma a que a posteridade NAO saiba que vivi nesta nossa era perfeitamente imbecil.
Dois reparos no entanto :
1. Nenhum idolo se aguenta de pé sozinho, unicamente por magia. Acontece que as pessoas serão levadas a adorar o Mercado enquanto se convencerem de que as forças que o animam lhes proporcionam, a eles, tee-shirts a 1 euro, iogurtes de tripa de cão ao preço da chuva, viagens à Tailândia mais baratas do que casar uma filha e, em acréscimo, uma lata ululante pespegada ao ouvido que os obriga a pagar uns tustos à TMN de cada vez que se querem inteirar da dificultosa questão de saber onde estão. E sobretudo enquanto continuarem carneiramente convencidas de que, por lhes pedirem apenas uns tustos, eles podem auferir as ditas regalias sem custos. Não meus amigos, isto não é sem custos. Ou então, convenhamos que a operação milagrosa praticada nos matadouros é, também ela, na optica do utilizador que para la corre em filas... sem custo.
Portanto temos todos alguma culpa no cartorio.
2. Mas o que desorienta ainda mais com esse novo idolo chamado "Mercado", é que os seus cultores se reclamam da ciência, quando esta na cara que falam duma coisa que não tem rigorosamente nada a ver com esta outra realidade, que todos frequentamos pelo menos semanalmente e que da pelo nome, antigo e veneravel, de "mercado". O que mais me provoca arrepios, é vivermos numa sociedade de clérigos, que pretensamente aprenderam a ler a escrever e a contar e sermos pelos vistos totalmente incapazes de nos virarmos para os tais sacerdotes do "Mercado" que se reclamam da ciência, pedindo simplesmente : "ora bem, mercado, dizem vocês ? Troquem la isso por miudos".
Gostamos de sofrer, é o que é, e a nossa tendência para a imbecilidade são varios oceanos.
Boas
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