06/04/12

As crianças dão bons iscos

As visões idílicas da natureza, mais baseadas em fábulas do que na biologia, apreciam os animaizinhos enquanto pais extremosos, capazes de proezas mil em prol das crias. Que por vezes as comam em tempos famélicos é coisa demasiado bruta para quem quer ver ordem moral no mundo. Nós, bichos humanos, até somos simpáticos; em dias de crise não seguimos a modesta proposta de Swift. Pelo contrário: desistimos de comer, se preciso for, para poupar os nossos filhos ao horror que vai desabrochando neste mundo entregue à ganância cega dos poderosos. 
Mas claro que uma tal fraqueza tinha de atrair o apetite dos predadores. Somos débeis quando pomos o bem-estar das crianças acima de tudo, vulneráveis quando nos sentimos dispostos a qualquer sacrifício. E é dos fracos que os carnívoros gostam, por mais gordos que já estejam. 
Hoje basta ligar a TV para saber como as feras nos engodam aproveitando esta fraqueza. Quem não viu já as criancinhas da EDP a descrever o bem que os seus pais fazem ao mundo por trabalharem nessa empresa? Ou a menina do Intermarché a jurar ao mundo que os pais cuidam muito bem dela mesmo sem dinheiro? Que tal pareça contrariar o Código da Publicidade – “os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado” – não é importante. 
Na selva qualquer armadilha vale, desde que atraia presas.