Acabo de receber o seguinte post do João Bernardo que mo propõe para publicação no Vias de Facto. Aqui fica, pois, o seu contributo, que não podia ser mais oportuno e muito me apraz publicar.
O Passa Palavra publicou hoje o último artigo de uma série cuja redacção me fez ressuscitar do reino dos mortos. Pretendi dar elementos para desmontar o mito da culpabilidade alemã e no artigo de hoje exponho a forma como, durante a segunda guerra mundial, os governos e os aparelhos militares aliados fecharam os olhos perante o genocídio dos judeus cometido pelas autoridades do Terceiro Reich. Fecharam os olhos e as fronteiras e outras coisas mais. Este artigo de certo modo completa outro que escrevi há dois anos e meio, intitulado «De perseguidos a perseguidores: a lição do sionismo». Lembro-me de que o Vias de Facto chamou a atenção para esse artigo e outros sites portugueses fizeram o mesmo, tal como o fizeram alguns sites brasileiros. O artigo foi ainda publicado em dois ou três sites de outros países da América Latina, que o traduziram para espanhol, e foi divulgado em inglês por sites britânicos. Se estou a estofar assim as minhas credenciais anti-sionistas é porque abordar certos assuntos nesta época do politicamente correcto é como pisar ovos, ou como dizer palavrões há três séculos atrás em Salem. Mas porquê tantas precauções?
Nos últimos dias a esquerda, um pouco por todo o mundo, tem-se mobilizado em apoio à população de Gaza, vítima de mais um ataque do militarismo sionista. Até nestas montanhas da América do Sul presenciei ontem um pequeno comício de apoio a Gaza. E ainda bem. Todos os pedacinhos de solidariedade serão úteis.
No entanto, perto de Gaza, do outro lado das fronteiras, há uma população que sofre há bastante tempo um ataque continuado e muitíssimo mais mortífero, provocado não pelos descendentes de um ocupante sobre os habitantes originários, mas por um governo sobre o seu próprio povo. Refiro-me aos sírios, claro, e ao governo de Bashar al-Assad. E apesar disto não vejo a generalidade da esquerda, em lugar nenhum do mundo, manifestar indignação ou sequer incómodo. Pelo contrário, quando não aprova explicitamente a actuação do governo sírio reconhece sotto voce que é óptimo o que ele está a fazer. É certo que entre os insurrectos sírios há salafistas e outros fanáticos, e a esquerda prefere, em princípio, o laicismo do partido Ba’ath. Digo em princípio, porque esquece esse detalhe quando decide apoiar o governo do Irão. Mas que garantia temos nós de que não haja também em Gaza fanáticos religiosos? Aliás, sabemos perfeitamente que os há, e não é isto que nos faz hesitar um segundo em apoiar a população de Gaza contra os bombardeamentos israelitas. As razões da generalidade da esquerda são outras.
A generalidade da esquerda apoia Bashar al-Assad e os seus aviões, as suas bombas, os seus soldados e os seus torcionários porque eles se opõem ao governo dos Estados Unidos. O que me faz logicamente desconfiar que se, por uma qualquer reviravolta, o Hamas seguisse amanhã em Gaza uma política favorável aos Estados Unidos e o governo israelita se tivesse zangado com Obama, seria Israel e não Gaza que aquela esquerda estaria a apoiar. Quando os regimes soviéticos se desagregaram e a guerra fria terminou conjecturei que a esquerda, perdida a razão para defender um dos lados, abandonaria os critérios geopolíticos e regressaria aos critérios de classe que originariamente a haviam caracterizado. Que ingenuidade a minha! Essa esquerda adoptava uma linha geopolítica não porque amasse a União Soviética, ou não fundamentalmente por esse motivo, mas porque era intrínsecamente nacionalista e só nestes termos conseguia pensar as situações. E assim continua a ser, mesmo com a geopolítica manca que agora se lhe depara, em que existe apenas um lado para odiar e nenhum lado para venerar.
Um regime que se afirme contrário aos Estados Unidos pode chacinar dezenas de milhares dos seus cidadãos com o aplauso ou a indiferença da mesma esquerda capaz de verter lágrimas de indignação quando dezenas de pessoas de outro povo são mortas por um governo aliado dos Estados Unidos. Futuro róseo o nosso, se alguma vez nos revoltarmos contra governantes que não contem com o apoio norte-americano.
23/11/12
A propósito de Gaza e da Síria — um post do João Bernardo para o Vias de Facto
por
Miguel Serras Pereira
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10 comentários:
Este post está um pouco inconsistente ou mesmo inconsequente. Já vi o João Bernardo fazer melhor. Já que MSP ache o texto muito bom não me surpreende. As coisas são o que são.
Cumprimentos
João Pedro
Pois é. Temos que ter cuidado com a esquerda.
Sobre a posição de uma franja da esquerda e a Síria já se disse coisas muito mais articuladas por esse mundo fora! Digo franja para não ser tão arrogante como o autor quando fala da generalidade da esquerda como uma unidade inultrapassável.
Sobre as ações de solidariedade, é de uma intolerância fazer-se hierarquias.. Uma não invalida a outra. Fez-me pensar num texto ridículo da Raquel Varela no cinco dias, onde menosprezava a ação dos militantes dos direitos dos animais para fazer apelo à militância dos direitos das pessoas (ou coisa que o valha !).
O militarismo sionista arrisca-se no médio prazo a criar um explosivo clima de Apartheid face ao erredentismo da tragédia palestiniana. A " história " não é simples, nunca o é, como se sabe.frisou Castoriadis. E agora a direita e a extrema-direita coligadas no poder em Telavive tentam- evitando aparentemente imiscuir-se na guerra civil que lavra na Síria...-provocar/testar/avaliar o regime do Irão, que sustenta, helàs,em dinheiro e armamento, nada mais nada menos, que a Siria de Bashar-el-Assad, o Hamas e o Hezbollah... Fisk, Mersheimer( London Review of Books) e Stephan Walt( U. Harvard) não dizem outra coisa, há já bastante tempo, srs. anónimos, que em vez de debitarem dislates fariam melhor de ler e procurar perceber objectivamente o puzzle ultra- complexo da geo-estratégia em acto do Médio e do Próximo Oriente. Niet
O autor tem razão, na minha opinião, quando afirma que "abordar certos assuntos nesta época do politicamente correcto é como pisar ovos, ou como dizer palavrões há três séculos atrás em Salem."
E infelizmente emergem juízes de de Salem pela esquerda quando se aborda de forma crítica determinados assuntos, entre estes, a Palestina ou os animais.
A ideia de "unidade inultrapassável de esquerda" tem origem da própria definição da esquerda quanto à identificação de condição (ou consciência de classe!) como condição para uma transformação sócio-económica.
Quanto aos animais, espanta continuamente que alguma esquerda tolere, se aproxime ou mesmo (em alguns casos) adopte determinados preceitos de Savitri Devi (Maximiniani Julia Portas) ou de Göring, mesmo que não o saiba e teime em pintá-los de avermelhado, rosa ou arco-íris. Se a relação é o que define o ser humano, a sensibilidade animalista despromove a humanidade.
Relativamente ao problema do médio oriente, considero que o autor aflora cautelosamente as nossas próprias contradições (como "ocidentais") e as da própria esquerda - que têm que ser debatidas.
Espero ver mais contributos destes e este post é um motivo para vir mais regularmente ao Vias de Facto.
Obrigado.
Miguel,
Gostei muito do primeiro comentário, que consegue insultar-te a ti e a mim numa linha e meia, quando a maior parte dos comentadores gasta vários parágrafos para insultar uma única pessoa de cada vez. Suspeito que o sujeito siga as regras de estilo do Paul Valéry. Assim dá gosto.
Quanto ao que diz o terceiro anónimo, qualquer acusação de antropocentrismo que me seja dirigida é improcedente, porque eu defendo não só os direitos dos animais como os dos vegetais, e não paro aqui, defendo também os direitos dos minerais, razão que me leva a opor-me ao lançamento de pedras aos polícias e mesmo aos cidadãos anónimos, por constituir uma crueldade para com os calhaus.
quem prefere apoiar na Síria,
o ditador ou o fundamentalista?
se para si é fácil, os mais criteriosos tèm problemas porque não desejam nem um nem outro!
É preciso ter mesmo muito cuidado com esta esquerda que apoia o Assad.
uns dia depois... mas antes tarde do que nunca
http://www.globalresearch.ca/us-backed-terrorists-mass-murder-unarmed-civilians-in-syria/5310361
queres mais info sem ser a da cnn que andas a comer as pazadas, vai ao mesmo site e escreve 'syria' na caixinha de pesquisa..pra começar.
Mas só se tiveres mesmo disposto.
Mais qualquer coisinha pra ver se estás assim tão preocupado com o povo sírio:
http://www.youtube.com/watch?v=KfgXUylpv1g
Espero que entendas inglês.. Se não, temos pena. Mas se mamas cnn deves apanhar uns tekos.
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