A respeito deste debate entre Octávio Teixeira, o nosso João Valente Aguiar e João Rodrigues, alguns apontamentos:
- Realmente, uma desvalorização de 30% do "novo escudo" face ao euro não iria originar uma quebra dos salários reais em 30%; mas pelos meus cálculos iria originar uma redução do poder de compra em 18%. como chego a este valor? Se o "escudo" desvalorizar 30%, os preços dos produtos importados irá aumentar 43% (já que uma desvalorização de 30% do escudo face ao euro significará uma valorização de 43% [1/0,3 - 1] do euro face ao escudo); como penso que importamos para aí metade do que consumimos, uma subida de 43% do preços das importações levará para aí a uma subida de 21,5% do nível geral de preços; se os preços subirem 21,5%, os salários reais - se os nominais se mantiverem constantes -baixam 18% [1/1,215 - 1].
- O João Rodrigues argumenta que "só se a taxa de crescimento dos salários nominais fosse nula, hipótese pouco plausível"; mas a ideia da desvalorização da moeda é exactamente fazer baixar os custos (medido em moeda estrangeira) das empresas exportadoras (ou seja, o salário dos seus trabalhadores mantêm-se o mesmo na moeda nacional, mas como a moeda nacional desvaloriza, os produtos da empresa ficam mais baratos medidos em "moeda internacional" e a empresa "ganha competitividade"). Ora, se a desvalorização da moeda for acompanhada pelo aumento dos salários nominais é inútil nesse aspecto. Por outras palavras, se a desvalorização da moeda for acompanhada por um aumento dos salários nominais, a desvalorização terá que ser ainda maior ("comendo" esse aumento nominal) para ter efeito.
19/12/12
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6 comentários:
Caro Miguel (M),
se, sobre o primeiro ponto, é difícil, como tu próprio deixas claro, proceder a previsões precisas - uma vez que intervêm o volume das importações e as condições variáveis em que as importações têm lugar, etc., etc. -, sobre o segundo aspecto em que insistes, e é extremamente importante, o teu raciocínio é impecável e tu formula-lo com uma limpidez rara.
Excelente post, camarada.
miguel(sp)
Olá Miguel M.,
Estou aqui com uma dúvida: se a valorização do euro fosse de 43% e a inflação prevista de 21.5%, então um aumento dos salários nominais em linha com a inflação ainda deixaria uma margem de 21.5% de ganho para o exportador, no caso de não haver incorporação de bens importados na produção e os preços em euros dos bens exportáveis fossem mantidos. Portanto, haveria essa margem de manobra para baixar os preços ao exterior, aumentando a competitividade externa. Ou não? A conclusão parece-me estranha, porque sugere que com uma desvalorização da moeda pode-se ter simultaneamente manutenção do poder de compra, inclusivé relativamente a bens importados, e aumento de lucro e/ou ganho de competitividade relativamente aos bens exportados. O que me está a falhar neste raciocínio, talvez devido ao adiantado da hora?...
Um abraço,
Pedro
Pedro, pensando bem, o teu raciocinio é capaz de estar correcto - o que haveria nesse caso seria simplesmente uma transferência de rendimento dos empresários que não estão em concorrência com o exterior (os chamados "não-transacionáveis") para os que estão em concorrência com o exterior (os chamados "transacionáveis"), deixando os assalariados na mesma.
Claro que isso implicaria que o aumento dos salários nominais para compensar a inflação de 21,5% não originasse ela própria mais inflação, agora via subida dos custos dos produtores internos.
Sejamos claros. A tese do PC e da esquerda nacionalista é esta: saímos do euro porque assim poderemos desvalorizar a moeda e vender mais barato as exportações. O que por sua vez reindustrializaria a economia portuguesa. É esta a tese de base.
Ora, tendo Portugal um défice muito considerável na importação de produtos tecnologicamente avançada e que os produtos que exporta são fundamentalmente (e maioritariamente) com baixa e média-baixa componente tecnológica, toda essa reconversão iria exigir não só a compra das actuais necessidades de produtos e de maquinaria com média-alta e alta componente tecnológica como iria exigir que os gastos com estas compras teriam de aumentar. Ora, se elas aumentam e com uma moeda desvalorizada os custos com as importações aumentariam colossalmente.
Por conseguinte, para Portugal financiar este aumento de necessidades tecnológicas fora do euro (até para compensar as perdas imensas de formação bruta de capital fixo que tem tido na última década) das duas uma: ou recorria aos mercados financeiros (o que é impraticável fora do euro como já mencionei em vários textos), ou então teria de emitir moeda. Ora, sabendo perfeitamente que uma reconversão industrial do país demoraria ainda algum tempo e que os índices de produtividade (ou até os índices globais de mercadorias produzidas) cresceriam abaixo da emissão monetária, a inflação cresceria ainda mais do que os cálculos que o Miguel Madeira apresenta.
Por conseguinte, e dadas estas condições, uma industrialização nos moldes da mais-valia relativa é absolutamente impossível se Portugal sair do euro. Pelo contrário, a única forma seria a da mais-valia absoluta. Como o Stáline tratou de demonstrar na URSS. E nao me refiro apenas às prisões, assassinatos, etc. Sobre este ponto em específico refiro-me principalmente ao papel das teses da chamada acumulação original (ou primitiva) socialista que se sustentou na exploração intensiva dos trabalhadores e não propriamente na aplicação tecnológica. Ou alguém acha que os planos quinquenais seriam possíveis sem uma imensa massa humana de trabalho escravo e semi-escravo? As teses que presidem à esquerda nacionalista são, no fundamental, as mesmas.
Abraço aos dois
Na verdade, a inflação decorrente da desvalorização duma moeda pode ser ainda mais baixa do que cálculos semelhantes aos do Miguel M. poderiam sugerir, por via da mais do que provável substituição parcial de bens importados por bens produzidos internamente bem (bens alimentares são um caso típico) como decorrente da diminuição do consumo (sem substituição) de alguns bens importados (automóveis são outro caso típico). É por isso que há casos históricos em que a inflação pós-desvalorização (num prazo de 2 anos) torna-se na verdade menor do que a inflação pré-desvalorização, ver pág. 83 aqui
http://www.policyexchange.org.uk/images/WolfsonPrize/nordvig%20-%20rethinking%20european%20monetary%20union.pdf
Mas também há situações opostas, e em particular casos, mais comuns antes da WII (mas que ainda recentemente aconteceu no Zimbabwe) , em que a desvalorização (obviamente descontrolada) da moeda leva a hiper-inflação.
Abraços,
Pedro
Pedro,
e como substituirias o cultivo alimentos num curto espaço de tempo? Porque não basta mandar dez mil cromos cultivar trigo e batatas com sacholas... A não ser que se ache que o modelo do decrescimento seja uma via... Aí, nesse caso, já teria sentido. Duvido muito é que vivessemos mais e melhor.
Um abraço
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