01/01/13

O caso Baptista da Silva explicado às belas almas ávidas de salvadores providenciais

De tudo o que li sobre o caso Baptista da Silva, esta crónica do Rui Tavares é de longe o comentário mais lúcido, deixando claro o que vale a pena reter do episódio, e o que este poderá ter, bem vistas as coisas, de historicamente revelador. Só é pena que o autor de um diagnóstico tão certeiro não pareça tão interessado como nos habituou a vê-lo no combate ao nacionalismo anti-europeísta que alimenta e esforça por difundir outras mistificações, também "efeito da impotência, da desinformação e do desespero", que se apresentam como "revolucionárias", quando, a vingarem, custarão muito caro sobretudo aqueles cujo nome invocam e sacralizam em vão — que dizer, o conjunto dos trabalhadores ou a grande maioria dos homens e mulheres comuns, tanto da região portuguesa como da Europa e do "resto do mundo". Seja como for, aqui fica a última parte da crónica do Rui Tavares e o link para a sua versão completa.


Se nascem da impotência e da desinformação os rumores, as ilusões coletivas e as imposturas puras e simples, é no desespero que eles ganham o seu potencial de contaminação.

É assim que interpreto a enorme força que ganhou nos últimos dias a bizarra história do estudo realizado por um “observatório da ONU para a Europa do Sul”, coordenado por um português. Este estudo, que ora estava a ser elaborado, ora já tinha sido entregue pela ONU “a todos os órgãos de soberania”, era apresentado pelo seu putativo autor como identificando a origem de 41% da dívida portuguesa nos cofinanciamentos de projetos europeus, preconizando-se então a anulação desta dívida e a “suspensão por dez anos o artigo 123 dos tratados europeus” para permitir o financiamento de Portugal.

Em poucos dias, o que era impraticável opinião de uma pessoa passou a ser citado como postulado da ONU em vários dos nossos títulos de imprensa: “ONU defende renegociação imediata da dívida portuguesa”. Como é que a ONU poderia emitir uma opinião destas sem ter votado uma resolução? A vontade de acreditar que, alguém, lá fora, estava do nosso lado, fez da ONU os nossos ilusórios soldados russos, quase a desembarcar para nos salvar.

O facto de já termos chegado a este ponto deveria dar que pensar a muitos jornalistas, políticos e académicos. Isto é efeito da impotência, da desinformação e do desespero, e — tal como antes — não vai ficar por aqui.

3 comentários:

Anónimo disse...

O comentário poderá ser pertinente e certeiro. Mas não refere uma coisa muito básica que é a nossa tradição sebastianista. A Fé não se deita fora quando se quer.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Anónimo,
embora não falando de "tradição sebastianista", a crónica refere-se àquilo que há quem assim designe, e explica essa atitude como uma fantasia compensatória da impotência e desespero experimentados, da ausência da representação/investimento de outras alternativas.
Enfim, é assim que eu leio.

msp

Anónimo disse...

Interessante também seria apurar o que o admirável Rui Tavares pensa do ecosocialismo à la Mélenchon, por um lado; e, por outro, como se situa perante o novo grande fétiche do seu companheiro e lider de bancada no P.Europeu,Daniel Cohn-Bendit,que abraça tudo quanto se mexe nas Eurolândia em prol do patriotismo europeu(sic) contra a deriva nacionalista e soberanista de grande parte da direcção do agrupamento gaulês, Europe Ecologia-Les Verts, de que foi fundador e vital dinamizador e que, por acaso se encontra à beira de implosão...Salut! Niet