28/02/13

Beppe Grillo em entrevista

Breppe Grillo em discurso directo, sem intermediários. Leiam, e depois critiquem, se assim entenderem, com maior conhecimento de causa.

Excertos:

"(...) ÉPOCA – Na história da Itália, muitos movimentos começaram com um discurso de defesa do povo e terminaram com tendências ditatoriais, como a Frente do Homem Comum, nos anos 1940. Seu discurso quase messiânico não é um risco para a democracia?

Grillo – De forma alguma. Não temos nada a ver com esses movimentos criptofascistas do passado. Vamos dar um choque de democracia direta. O partido político é uma intermediação desnecessária que se apropria da democracia e engole o país. Nós temos a rede, não precisamos de partidos. Com a internet podemos tudo. Com um clique temos as informações de que precisamos e podemos controlar aqueles em quem votamos. Só é preciso um pouco de transparência. Nosso movimento prova que é possível eleger pessoas comuns, honestas, que abram mão de um salário astronômico e de benefícios suntuosos.
 
(...) ÉPOCA – Como coordenar um movimento assim no Parlamento, sem deixar que cada um vote por si?

Grillo – A rede controlará tudo. Não queremos ter uma estrutura e um estatuto. Isso nos tornaria iguais a todos os outros partidos. Somos como o Ocupem Wall Street e os Indignados (movimentos sociais nos Estados Unidos e na Espanha, respectivamente), mas sem enfrentamento com a polícia. Temos uma ideia wiki da política. Queremos ser como a Wikipédia. Ninguém a controla, e mesmo assim 90% das informações ali estão corretas. Nós temos um não estatuto com as quatro regras. Não temos caixa, tesoureiro, não nos aliamos com partidos sob nenhuma hipótese, mas somos aliados naturais de qualquer movimento que lute por causas justas. Sou um não líder. Líder é uma coisa ultrapassada. O movimento é o líder.

(...) ÉPOCA - O que fazer para a Itália recuperar seu crescimento e sair da crise?

Grillo – O crescimento econômico é um modelo que acabou. A necessidade de crescimento nos levou a essa crise. Mais automóveis, mais aviões, mais lâmpadas, mais aquecedores. Não precisamos de lâmpadas, precisamos de luz. Não precisamos de automóveis, precisamos nos mover. Não precisamos de aquecedores, precisamos de calor. Eu tenho um sonho: quero que meu filho viva em um mundo democrático, com acesso amplo à internet, com meios de comunicação livres do poder dos conglomerados, com água abundante e limpa para todos, com energia limpa e farta fornecida por centrais eólicas, energia fotovoltaica, geotérmica. É uma visão. Pode acontecer ou não acontecer, mas é uma visão de futuro. Os políticos que estão no poder têm uma visão de mundo de uma semana. São mortos-vivos que caminham e não pensam no futuro, pensam só no dinheiro, no poder e nos jogos políticos.

(...) ÉPOCA - Qual seria a alternativa?

Grillo – A rigor, deveríamos assumir a falência da Itália, decretar a moratória, e parar de pagar os juros escorchantes aos bancos alemães e franceses. É simples. Não estamos inventando nada. A Itália não é um mercado atraente. Hoje os mercados atraentes são a China, a Índia, a Turquia, o Brasil, países sul-americanos. Não a Espanha, a Irlanda, Portugal e a Grécia. Nós somos os Pigs (acrônimo desses quatro países em dificuldade econômica, que significa “porcos”, em inglês). Mas quando nós pigs tivermos de volta o dinheiro que gastamos pagando a dívida, podemos falir tranquilamente entre nós. Podemos até fazer um acordo de livre comércio entre nós, como fizeram os países sul-americanos. Uma coalizão de pigs e dizer: “agora basta”. Assim recuperamos nossa soberania financeira, monetária, alimentar, energética. Esse é o nosso sonho. Precisamos sonhar porque vivemos em um pesadelo.

(...) ÉPOCA - O senhor defende a saída da Itália da zona do euro?

Grillo – Sou um europeísta convicto. Acredito na cultura europeia, na capacidade do conhecimento, no poder da história europeia. Incentivo a curiosidade de conhecer, porque a Europa vive da desinformação: os romenos não sabem nada dos poloneses, os poloneses não sabem nada dos holandeses, nós não conhecemos os suecos, não sabemos nada uns dos outros. Sobre o euro, digo sempre: ninguém pode se pronunciar sobre a saída ou não da Itália da zona do euro a não ser o povo italiano, por meio de um referendo. Primeiro informa-se a população, colocam-se os prós e os contras e depois se faz uma consulta. Essa é a melhor solução para decidir todas as questões importantes na Itália.

(...) ÉPOCA - O senhor acha viável fazer referendos sobre todas as questões de um país grande como a Itália?

Grillo – A Suíça faz referendos há 200 anos. A cada semana eles têm um. A população é menor, o país é menor, mas temos de aprender com eles a fazer esses referendos, usando a tecnologia espantosa de que dispomos hoje. Podemos usar a internet, para fazer referendos e colocar tudo em votação. O referendo propositivo é a melhor maneira para criar as leis populares que depois serão definidas e esmiuçadas no Parlamento. É preciso fazer referendo sobre a imigração, referendo sobre leis que permitem magnatas como Berlusconi ter três concessões de rádio e televisão, referendo sobre ir ou não ao Afeganistão, referendo para decidir se gastamos mais em saúde ou em educação, referendo para saber o que o povo pensa sobre financiamento público de campanhas políticas. Isso é a verdadeira democracia, em que os cidadãos contam. A Itália fez um referendo sobre a privatização do sistema de água público no começo do ano, e 27 milhões de italianos disseram não. Essa é a verdadeira democracia, direta, sem intermediários.

ÉPOCA – Isso não é utópico?

Grillo – Sim, é utópico. Mas sou um utopista, e sabemos que é possível. O mundo só avançou por causa das utopias. Com a internet é ainda mais possível. Podemos fazer referendos online, criando um mecanismo de segurança para garantir um voto por pessoa, sem necessidade de grandes deslocamentos. Não vivemos mais na era das cédulas de papel. É preciso avançar e fornecer o máximo de mecanismos para as pessoas exercerem a democracia no cotidiano.

9 comentários:

Libertário disse...

O canto do Grillo não está nada mau. O problema da nossa geração, homens de pouca fé, é que já ouviu o canto de sereia dos socialistas, comunistas, ecologistas, radicais...Todos sempre com o mesmo resultado: digeridos e regurgitados pelo Sistema.
Não se trata pois de se iludir, nem desiludir, com o canto deste, ou de outro, grilo. Trata-se de reconstruir colectivamente um projecto anti-capitalista de alternativa social a partir do zero, mesmo que levando em conta a história, e isso não será feito nos parlamentos, nem nos programas eleitorais. Nem por essas velhas máquinas chamadas partidos políticos.
Será possível?
Não sei, mas vale a pena tentar.

Anónimo disse...

Grillo, a maior farsa do século.
http://www.slate.fr/tribune/68877/beppe-grillo-populisme-scientifique


Pietro Olio

João Valente Aguiar disse...

Certamente que os apoiantes e os apreciadores do Grillo não citam a qualificação que esse senhor fez da SIDA como a maior farsa do século...
http://www.slate.fr/tribune/68877/beppe-grillo-populisme-scientifique

http://www.unita.it/italia/grillo-e-l-ora-del-populismo-sanitario-1.442542

Quando a esperança da esquerda é um populista, um "líder" e um obscurantista, parece-me que essa esquerda não andará lá muito bem... Lá porque o contexto é péssimo, e lá porque não surgem melhores alternativas, isso terá de nos levar a passar cheques em branco a tudo o que se apresente de esquerda?

Vivemos tempos lindos, vivemos...

Um abraço

Pedro Viana disse...

A ideia que as posições da comunidade científica, por maioritárias que sejam, estão acima da crítica é análoga à ideia que tudo o que emana duma qualquer igreja é verdade absoluta para os respectivos crentes. E muitos (idealmente todos, mas também são seres humanos, com todos os defeitos que advêm dessa condição) cientistas dispensam bem esse tipo de atitudes, e não têm qualquer problema em aceitar a crítica e a dúvida, e em estar disponíveis para discutir o que quer que seja. Obviamente, como cidadãos, sentem-se frustrados quando a posição da (maioria da) comunidade científica é distorcida, ou dados factuais (o que não é o mesmo que hipóteses, não há verdades absolutas em ciência) são falsificados ou omitidos para tornar uma dada posição como mais facilmente defensável. Nem os cientistas estão, nem querem estar acima da crítica (numa alusão à polémica com Rita Levi-Montalcini, cuja actuação não está de todo acima da crítica

http://en.wikipedia.org/wiki/Rita_Levi-Montalcini

independentemente de ter ou não recebido o Prémio Nobel; era o que mais faltava, a existência de hierarquias, formais ou informais, é um dos maiores obstáculos ao aprofundamento do conhecimento científico).

Beppe Grillo tem todo o direito a exprimir a sua opinião, independentemente de ser contrária à da maioria da comunidade científica. Esta já se enganou várias vezes, e em particular nos campos onde os interesses financeiros são maiores (e é exactamente aqui que nos movemos, no caso da medicina, mas também no caso da agricultura) é completamente legítimo duvidar da independência das conclusões de muitos estudos apresentados como científicos. Como já antes mencionei, os cientistas (se assim se podem designar aqueles que, apesar de "certificados" pelo sistema de ensino, vendem os seus putativos princípios) também são seres humanos, com todas as possíveis "falhas de carácter". Em todas as polémicas que envolvem a comunidade científca devemo-nos sempre perguntar: de que lado estão os (maiores) interesses comerciais e financeiros? E depois olhar para que os actores da polémica dizem a essa luz. Isso não é obscurantismo, é ser capaz de olhar para todos os interesses em jogo, e reconhecer que em muitas polémicas que envolvem a comunidade científca não são apenas questões de carácter científico que motivam os intervenientes a tomar as suas posições.

(cont.)

Pedro Viana disse...

(cont.)

De qualquer modo, não espero, nem pretendo, que apenas santos impolutos, que nunca se enganam, sejam os únicos capazes de inspirar e motivar a acção nos sentido da transformação radical que todos desejamos. Aliás, nãos sei sequer se tal é desejável. Por exemplo, parece-me um perigoso ter pessoas que aceitam (portanto "não se enganam") acriticamente tudo o que num dado momento constitui (aparentemente) opinião maioritária na comunidade científica.

Pessoas de "carne e osso", que eventualmente podem ser convencidas a mudar de posição numa ou noutra matéria (e, honestamente, não considero a questão da natureza da SIDA fulcral no seio de muitas outras questões que nos são colocadas, de natureza política, social, económica, ambiental ou mesmo científica), e que demonstram capacidade para mobilizar milhões de pessoas no sentido duma transformação das estruturas políticas e sócio-económicas, são mais úteis para a efectiva implementação dessa transformação do que aqueles (como eu) que falam e dizem muito, e podem ser as pessoas mais "bem-intencionadas", informadas e conscientes da "verdade", mas cujo impacto no sentido dessa transformação é extremamente diminuto. Não tenho qualquer problema em aceitar isso. Mas não tenho dúvidas que há muita gente que se sente extremamente incomodada por um "comediante" ter tido a audácia por lhes ter "roubado" alguns temas que lhes são caros e o apoio de quem devia antes estar à espera que "gente mais esclarecida" finalmente se decida a fazer algo (se fosse capaz) que motive as pessoas para a acção.

Não há nenhum cheque em branco. E há alternativas. Não faltam. Mas, por alguma razão, não fazem sentido para a grande maioria das pessoas. O resultado de Beppe Grillo devia antes de mais, do ponto de vista de quem defende essas alternativas, motivar uma reflexão profunda sobre a sua incapacidade de afirmação (não, não é culpa apenas dos media). Em vez de culparem os outros por agirem (e apoiarem) como acham melhor.

Um abraço,

Pedro

joão viegas disse...

Ola,

Confesso que o poujadismo basico da entrevista me causa arrepios na espinha. Não acredito que os movimentos do tipo "são todos uns ladrões" tenham outro futuro do que... fortalecer os males que eles procuram denunciar.

Quanto aos dois longos comentarios do Pedro Viana, não percebo o proposito. Onde é que aguém afirmou "que as posições da comunidade científica, por maioritárias que sejam, estão acima da crítica" ?

Boas

Anónimo disse...

O senhor Pedro Viana faria bem em ler artigos como este http://www.badscience.net/2009/04/matthias-rath-steal-this-chapter/
para ver o tipo de gente que apoia e as consequências disso em nome duma postura conspiracionista.
É precisamente no campo da alimentação e da saúde que o obscurantismo e a conspiranóia mais estragos fazem, e não deixam de ter por trás interesses económicos bilionários ou conexões com a extrema-direita.

Moishe Benzina

Anónimo disse...

A excelência da investigação jornalistica italiana concentrada no grupo L´Espresso/ La Reppublica ja descobriu coisas inquietantes para/sobre o pretenso perfil politico angelical de Beppe Grillo. Na edição desta semana do L´Espresso, é dado forte relevo ao facto do gaurda-costas e chauffer de Beepe, Walter Vezzoli, ser o administrador-gerente de 13 sociedades off-shore baseadas na Costa Rica. Na lista dos accionistas dessas sociedades-écran, aparecem familiares do Guia e traficantes de droga que beneficiaram da mais alta impunidade apòs terem sido extraditados para Itália no final dos anos 90. Niet

Anónimo disse...

OH. Pedro Viana: não vem mal nenhum ao Mundo confessar, que se enganou, e amitir vera e frontalmente que politica corrente italiana ainda é muito mais florentina do que...pariseense!Eu também gostava de encontrar uma curandeira para me revelar os números do Euromilhões. Sei que isso jamais poderá acontecer, por mais efeitos especiais que arranje,roube,copie ou adicione às suas mefistofélicas poções mágicas.E como é que o Nobel, Dario Fo,laureado logo a seguir a Saramago, dá credibilidade ao Grillo!?! Niet