«No actual contexto, não basta à esquerda lutar contra as políticas devastadoras da troika com as quais todos os trabalhadores têm sido violentamente atacados nos seus direitos e nos seus rendimentos. Portanto, todos nós à esquerda concordamos (e bem) que a raiz das actuais dificuldades que os trabalhadores atravessam está nas políticas de austeridade que a troika e o governo têm executado. À justa crítica juntam-se propostas de tentativa de dar resposta à situação. Uma delas, defendida cada vez com maior abertura, é a saída do euro e a devolução da soberania nacional a essa entidade mítica que é o País.
Mas aqui coloca-se uma questão: só porque se apresentam contrárias à troika, terão os trabalhadores de aceitar algumas dessas propostas como justas e benéficas? Apesar de serem contra a troika teremos de as aceitar benévola e acriticamente em nome de uma grande coligação de esquerda? Bastará uma alternativa afirmar-se contra a troika para ser viável em termos de superação do actual estado de coisas? O juízo crítico e reflexivo terá de ficar suspenso só porque algumas alternativas se apresentam contra a troika, mas trazem no bojo uma solução ainda mais perniciosa?
A luta contra a austeridade tem de prosseguir e, sejamos claros, tem de crescer. E tem de crescer com mais gente nas manifestações, nas greves, nas concentrações e sobretudo com mais luta nos locais de trabalho. Mas a luta contra a troika não pode desenvolver-se acriticamente e assinar cheques em branco a pretensas alternativas que, no meu modo de ver, resultariam num aprofundamento dessa mesma austeridade.
Quando o governo e a troika nos querem cortar um braço a resposta da esquerda tem de ser a de propor uma alternativa que corte primeiro o esquerdo? Eu prefiro pensar que há alternativas ao corte de um braço (o que vivemos actualmente) ou de dois braços (se sairmos do euro). É disso que se trata.
Sair do euro é querer apagar o fogo que nos está a queimar deitando-lhe mais gasolina em cima.»
9 comentários:
João, acabo de dar com isto - que é uma ilustração eloquente dos riscos para que alertas no teu ensaio do Passa Palavra.
Marine le Pen, interrogada, há dias (17 de Fevereiro) pelos jornalistas de France Inter, declarou: "Nunca fomos pelas privatizações maciças (…) Somos por um Estado estratego" (Cf. http://decodeurs.blog.lemonde.fr/2013/02/18/marine-le-pen-oublie-le-passe-liberal-du-fn/). Na mesma linha, já durante a sua campanha por ocasião das presidenciais francesas de 2012, Marine Le Pen defendera ideias semelhantes, advogando a recuperação da soberania do seu país e a afirmação da sua independência nacional contra o federalismo da UE, como via de ruptura com a política "de privatização e de liberalização" adoptada pelos governos franceses "nos últimos vinte anos". Para bom entendedor…
Abraço
miguel(sp)
MSP: é preciso usar de má-fé para concluir que Marine Le Pen e o PCP querem a mesma coisa. O Vias de Facto, outrora o melhor local blogosférico, onde se chegou a propor plataformas de convergência à esquerda com objectivos imediatos semelhantes aos de Marine Le Pen, serve-nos hoje este triste espectáculo. Já todos sabemos que ter mais estado e nacionalizar a indústria toda não implicará o fim do capitalismo, mas vejo com o passar do tempo que neste blog se está a chegar ao grau zero de argumentação.
Com os melhores cumprimentos,
Um bom entendedor.
O comentário do anónimo das 17:45 baseia-se numa ideia feita e acha que despacha o assunto sem qualquer sustentação. Para quem acusa os outros de "grau zero de argumentação" é interessante verificar como com 4 ou 5 linhas se despacha a argumentação de 10 páginas sustentada em dados históricos e documentais...
Por outro lado, e sobre o que é realmente importante, tanto eu como o Miguel defendemos a "convergência à esquerda". Mas de uma esquerda que tenha como suporte a democratização das relações sociais e não um projecto nacionalista que economicamente seria catastrófico e politicamente seria uma forma de colocar trabalhadores portugueses contra trabalhadores alemães. Se já nos dias de hoje há quem veja a actual crise do euro como uma batalha entre o Norte contra o Sul, então nem quero imaginar como toda essa gente iria reagir perante um aprofundamento ainda maior da crise económica...
Miséria de tempo em que a maioria da esquerda acha que a pátriazinha e o "interesse nacional" servem de refúgio político... Pobre do Marx que, sempre que possível, era contra tudo o que pudesse desenvolver os mecanismos mais arcaicos de desenvolvimento capitalista... Miséria de tempo que à pala da justíssima luta contra a política de austeridade, há quem não se importe de aceitar "aliados" que se estiverem num governo de esquerda apostariam tudo no que chamam de "ruptura com a integração europeia" em prol de uma saída nacionalista.
E neste ponto, não sendo iguais, porque as únicas forças políticas na europa que defendem uma saída do euro e a fragmentação nacional são os fascistas e os leninistas? A esta interrogação pertinente há quem prefira dizer que tudo isto é coincidência... Outros preferem ir-se interrogando racionalmente sobre o assunto. Se não existe um livre arbítrio, o arbítrio da maioria da esquerda tem sido tudo menos racional e reflexivo sobre as tragédias do passado. Não são os erros que chateiam. É a atitude de se passarem décadas e décadas e décadas a cometer as mesmas argoladas, a apostar nos mesmos cavalos de batalha, a abandonar a análise (e a crítica) da dinâmica motriz das sociedades contemporâneas...
Ao Anónimo "bom entendedor",
eu não digo que Marine Le Pen e o PCP ou o antigo PCF são ou querem a mesma coisa. O que digo é que a degenerescência estatista e nacionalista de boa parte da esquerda e as suas concepções vanguardistas podem abrir caminho e facilitar a tarefa ao fascismo, transformando-se assim, como a outro propósito diria Kundera, o mais brilhante aliado do seu próprio coveiro. O caso francês é eloquente: o FN não é o PCF, mas cresceu em parte à sua custa e explorou a desagregação do PCF em seu benefício, pescando apoiantes eleitorais e de rua na sua área de influência. O mesmo se passara já no período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial…
Quanto ao meu unitarismo, mantenho a posição de que a sua plataforma pode e deve ser a da democratização - reitero, portanto, o que escrevi em "Que movimento por que democracia?" (http://viasfacto.blogspot.pt/2011/06/que-movimento-por-que-democracia.html), ou sobre "a democratização como plataforma necessária e suficiente" (http://viasfacto.blogspot.pt/2010/11/da-democratizacao-como-plataforma.html), ou em "O 'anticapitalismo' e o 'critério da democracoa'" (http://viasfacto.blogspot.pt/2012/12/o-anticapitalismo-e-o-criterio-da.html). E não, não defendo - nem me parece que o faça o João Valente Aguiar - qualquer defesa do actual regime como mal menor, mas sim que devemos combatê-lo em termos que possam contribuir para uma via de saída da crise que passe pelo reforço do "Estado estratego", pela entronização de vanguardas, pela legitimação de alternativas autoritárias e das concepções e formas de organização que as alimentam.
Espero que, desta feita, me entenda um pouco melhor. Resta saber se é isso que V. de facto procura.
msp
Para resolver este diferendo que o Passa Palavra vem alimentando, com o apoio do Vias de Facto, sobre o fim da União Europeia e o fascismo que aí vem, com argumentos significativos do tipo do «acho», deveríamos seguir um caminho mais democrático de consultar o povo, usando o método inglês, ou será chinês?: abrindo as apostas. Afinal é um método mais científico, e divertido, do usado nesta tão séria discussão.
A minha proposta:
1ª aposta
* Os que apostam que a União Europeia vai acabar a curto prazo.
* Os que apostam o contrário
2ª aposta
* Os que apostam que as classes dominantes liberais, a curto e médio prazo, são o inimigo principal
* Os que apostam que esses inimigos são os Partidos Comunistas e/ou Fascistas
Bom, falta definir os prémios...
Nota: Falta também esclarecer que não se aceitam apostas a longo prazo. Pois a longo prazo estaremos todos na horizontal e não poderemos receber o prémio.
Libertário,
o texto diz taxativamente que o mais provável, neste momento, é, infelizmente, o aprofundamento da federalização neoliberal/austeritária. Mas que, fruto das contradições de evolução da crise económica e da existência de fortes nacionalismos na europa (mais à direita na maioria dos países, à esquerda em Portugal), existe a possibilidade (remota e, neste momento, estritamente potencial) de se enveredarem experiências autoritárias. Não percebo qual é o mal de se criticar simultaneamente a política de austeridade e da solução simétrica de uma austeridade nacionalista aprofundada (se isso vier a acontecer)... E os dados existentes demonstram claramente quais os perigos se a simetria nacionalista tomasse o poder... Quando muita gente à esquerda tolera de maneira ingénua e acrítica a presença de nacionalismos no seu seio, então como poderá essa esquerda anticapitalista avançar na crítica simultânea à austeridade e à formação constante de novas hierarquias a partir de organizações cristalizadas, verticalizadas e burocráticas inseridas no seio dos movimentos populares?
Sinceramente não sei qual a divergência de fundo que você insiste tanto em apresentar...
Caro Libertário,
o perigo de um reforço autoritário dos regimes da economia capitalista governante é bem real, e pode conhecer várias vias. Uma delas, mas não a única, é a da desagregação da UE. Quanto ao reforeço dos partidos e movimentos nacionalistas, os factos são claros, e a ameaça, também.
A adopção de posições nacionalistas e soberanistas como pseudo-alternativas à dominação oligárquica presente só pode contribuir para desarmar ideologicamente o campo potencial da democratização libertária e anti-hierárquica, por um lado, e para, por outro, preparar o terreno para a emergência em Portugal de forças organizadas tipo FN ou Aurora Dourada.
Acresce que a oligarquia que governa a UE, e o faz cada vez mais através de órgãos "técnicos", "económicos", e, numa palavra, burocráticos, não eleitos nem responsáveis perante os eleitores, está longe de ser um garante convincente do sistema representativo, que, a seus olhos, é demasiado "democrático" ou "anárquico" e desprovido de capacidades e competências decisórias. A reciclagem autoritária dos actuais Estados e aparelhos burocráticos de coordenação "federal" é um processo em curso, e não uma hipótese remota. Trata-se de combatê-la sem tréguas e de criar formas de organização e assumir concepções e práticas de luta que a via nacionalista e da resistência nacional só podem tolher ou sabotar. Daí, uma vez mais, que não compreenda bem as razões da tua incomodidade perante as questões de fundo que inspiram a análise do João e do Passa Palavra, quando denunciam o reaccionarismo das vias nacionalista e "socialista de Estado". Ou pensas que é possível avançar sem vencer a colonização das representações e práticas da grande maioria das mulheres e homens comuns que somos pela lógica classista dos actuais regimes governantes?
Abraço
msp
Deixando o humor, pois parece que não consigo esclarecer o que penso, nem duma forma, nem de outra:
As minha opinião sobre o marxismo-leninismo e o desastre do «socialismo de Estado», que no seu pior momento foi chamado de estalinismo, não é diferente da que está subjacente aos textos aqui reproduzidos. Os objectivos libertários dos autores penso que também são convergentes com os meus.
Já essa visão obsessiva, e persistente, sobre o fim da união europeia e do «perigo fascista» é para mim uma mistificação que esconde o principal:
O poder das classes dominantes capitalistas liberais, seus gestores, suas empresas e instituições, que são quem nos está a preparar um futuro autoritário-tecnocrático global e que nada tem a ver com o que foi o nazifascismo ou o estalinismo. Fascistas e estalinistas são fantasmas do passado. A história não se repete...
Le Pen e PCP? Não me façam ter um ataque de riso!Olhem para o mundo!
«Ou pensas que é possível avançar sem vencer a colonização das representações e práticas da grande maioria das mulheres e homens comuns que somos pela lógica classista dos actuais regimes governantes?»
Esta interrogação do Miguel é preciosa e lança a discussão para um plano muito relevante: como fazer avançar as lutas sociais sem romper com os espartilhos ideológicos nacionalistas, etc. que atravessam a generalidade das pessoas comuns que se consideram de esquerda? Como fazer avançar as lutas sociais sem que todos os que genuinamente se comprometem com uma radical e democrática construção de uma outra sociedade reproduzem princípios que reformulam uma nova hierarquização, uma nova repressão e um recrudescimento totalitário?
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