05/03/13
No rescaldo
por
Pedro Viana
A polémica sobre a dimensão das manifestações de 2 de Março, relativamente às que tiveram lugar a 15 de Setembro, esconde a conclusão que mais importa retirar do que aconteceu nos últimos dias. Em poucas palavras: este tipo de acção já foi completamente absorvido pelo sistema, tal como a greve geral. Enquanto que a 15 de Setembro o (des)governo desvalorizou de início a possível adesão ao protesto convocado, de tal modo que anunciou as alterações à Taxa Social Única (TSU) apenas alguns dias antes, acabando por potenciar em muito o protesto, agora não só adiou para depois de 2 de Março o anúncio das medidas que tentará implementar de modo a arranjar fundos para sustentar o pagamento da dívida como claramente esforçou-se por impedir qualquer fuga de informação sobre o que anda a preparar. Em breve tornar-se-á claro, pela violência das medidas que serão anunciadas, que o (des)governo não teme de todo o que possa advir destas manifestações. Tal como não teme o que possa resultar de mais uma greve geral. Note-se que não estou a afirmar que quer estas enormes manifestações quer participadas greves gerais sejam inúteis. Servem, principalmente, como meio de radicalização de indivíduos e sectores sociais que habitualmente não se envolvem na contestação dos sistemas político e sócio-económico. Mas isto não basta. Se o objectivo é impedir novas medidas gravosas do (des)governo, e reverter muitas das que já foram tomadas, será necessário fazer uso da radicalização já conseguida para desestabilizar o (des)governo, ao ponto de literalmente o impedir de (des)governar. A irupção de manifestantes a cantar "Grândola" nas aparições públicas dos membros do (des)governo é um excelente exemplo do tipo de medidas de desobediência civil que será necessário tomar. O importante é que evolvam permanência, ou se repitam com frequência elevada, exactamente o que falta a manifestações como a de 2 de Março ou greves gerais de apenas um dia, e que sejam variadas e inesperadas. Até ao Verão este (des)governo vai passar por (pelo menos) três momentos de enorme fragilidade: (1) logo após o anúncio das novas medidas de austeridade acima mencionadas, que serão uma grande bofetada, a quente, em todos os que participaram nas manifestações de 2 de Março; (2) quando tiver que anunciar ainda mais medidas de austeridade em resposta à mais que certa recusa do Tribunal Constitucional em apoiar algumas das medidas que constam do orçamento de Estado para este ano; (3) quando se tornar claro, como já se começa a vislumbrar, que as receitas fiscais vão ficar muito abaixo do previsto no orçamento de Estado para este ano, deslegitimando ainda mais o discurso deste (des)governo. Qualquer um deste momentos pode ser aproveitado, esteja em marcha então, ou sendo então logo iniciada, uma campanha de desobediência civil, que deveria desembocar na ocupação simultânea de edifícios públicos simbólicos do ponto de vista do poder de Estado, e ao início de greves sectoriais sequenciais no tempo. Não tenho qualquer dúvida que numa tal situação de ruptura, o (des)governo seria obrigado a demitir-se, convocando-se eleições, de modo a permitir o funcionamento da válvula de escape do sistema.
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3 comentários:
Bom a europa afunda-se na dívida interna ano após ano e em vagas de emigrantes sem trabalho num sector de serviços não qualificados, sem recursos naturais excepto os muito poluentes como o carvão que já vai nos 500 anos de exploração e aguenta mais 400 anos à vontadinha
E importa toneladas de bananas do equador e da costa rica mas não das canárias nem da madeira muito mais biológicas mas ao dobro do preço
O brasil queixa-se da beterraba sacarina subsidiada mas impede a entrada da cerveja e do vinho português e dos chouriços aumentando a pauta alfandegária e exporta gangas à tonelada mas importa mais vestuário do méxico ou dos states num ano que de Portucale num século...
logo qualquer um neste momento(s) pode(m) ser aproveitado(s), uma campanha de desobediência civil, que deveria desembocar na ocupação simultânea de edifícios públicos simbólicos do ponto de vista do poder de Estado como o ministério da educação ou da agricultura mas não da justiça que esse é uma máfia tão grande que ninguém se mete com eles, e ao início de greves sectoriais sequenciais no tempo, como as dos 260 dias da Cp e da refer em 2012
a Cp carga deixou apodrecer umas 600 toneladas só no norte o que parecia já a cp de 1975 a 1981 apesar de mais dias de paragem
e a TAP faz greve na altura em que os emigrantes querem vir a casa
basta ver o nº de canadianos e de newarkianos que andam a reservar passagens para Madrid com autopulman's para o Porto e Braga já cheios a 3 de Marzo....
tamos falidos e o milagre vem amanhã ou isse ou o escudo e os juros de 6 a 31%....
e a desvalorização cavaquista de 25% de tempos a tempos para dar competitividade através da baixa dos salários reais
é vão todos dar o cu ao manifesto e deixem-nos morrer em paz ó rapaz
ou diz-se garoto?
Pedro,
concordo no fundamental com o que dizes aqui. Não concordo que haja um desgoverno, bem pelo contrário, na medida em que o governo sabe muito bem o que anda a fazer e tem feito um excelente trabalho em prol dos capitalistas. Por isso é que o Estado português conseguiu emitir títulos da dívida pública com bastante facilidade e por isso é que 93% dos "compradores" eram investidores internacionais. Mas essa é uma das críticas que tenho feito à esquerda parlamentar: não basta dizer que as políticas de austeridade prejudicam as vidas dos trabalhadores. É preciso dizer que elas são fundamentais para repor os balanços dos bancos e para relançarem um novo ciclo económico capitalista a médio prazo. Ciclo esse que se ancorará numa força de trabalho entretanto muitíssimo mais precarizada e com salários mais baixos. Portanto, a austeridade vai favorecer e muito alguém à custa da miséria, do desemprego e do sofrimento de outros. Não se trata apenas de empobrecer, mas também de relançar o capitalismo numa base ainda mais precária e vulnerável para os trabalhadores.
Mas o que eu quero comentar e valorizar neste teu texto tem a ver com o que concordo no fundamental.
Eu valorizo muito as acções que aqui descreveste. Penso que em dois anos a maioria da população passou da noção de que "a troika vem cá a Portugal para colocar as contas na ordem" para um protesto contra a austeridade. Contudo, como bem apontas, não basta o protesto contra a austeridade.
Por outro lado, penso também que a crítica que fazes ao desvio que alguns têm feito da luta para preparar soluções parlamentares (e não avançarem com formas de luta democráticas e com forte e real impacto) me parece importante e um aspecto a reter.
Um abraço
Olá João,
Falo em (des)governo porque, para a maior parte das pessoas, o governo é exercido em prol do bem comum. O que neste caso é patentemente falso, dado que quem está à frente deste (des)governo exerce as suas funções em prol de interesses privados. Donde acho que é importante continuamente salientar a dissonância entre o que devem ser os objectivos dum (preferencialmente auto-) governo e as acções deste (des)governo.
Concordo totalmente com o teu 1o parágrafo.
Sinceramente, não acho que a radicalização atingirá o ponto de poder originar um abalo no sistema antes de haver novas eleições legislativas. Assim que esse ponto de ruptura estiver para acontecer, novas eleições serão convocadas. É assim que o sistema liberta a pressão sobre si próprio. Mas é importante antecipar o mais possível esta convocação de eleições, porque: (1) só assim será possível parar este (des)governo, sendo que o próximo terá obviamente muito menor margem de manobra (em termos de tolerância popular) para continuar as políticas deste; (2) mais cedo começará o desgaste do próximo governo, até que seja atingido o ponto em que novas eleições já não bastarão para conter o nível de radicalidade social entretanto desenvolvido. Há obviamente aqui um risco: a radicalidade de que falo é contra o sistema, e comporta várias saídas, algumas nada agradáveis, como tens salientado. O trabalho à Esquerda é demonstrar à população que as "suas" saídas são mais atractivas que outras que poderão vir ou estão a ser enunciadas.
Um abraço,
Pedro
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