Tem sido recorrente a equiparação da UE ao nazismo e, nos
últimos dias, fruto da discussão em torno do euro e do nacionalismo, o assunto
tornou-se ainda mais batido por estas bandas. O mais bizarro em todos os que de
alguma forma equiparam a União Europeia ao nazismo é o desconhecimento total
dos mecanismos económicos e político deste último. Como isto é um blog, e o espaço e o
tempo são sempre escassos, chamo a atenção para um filme austríaco de 2007 intitulado “Os falsificadores”. Inspirado em
factos reais, esta película traça a utilização pelos nazis de um genial
falsificador russo de origem judia na manufactura secreta de libras e de
dólares de modo a inundar as economias ocidentais e provocar o seu colapso por
via da inflação. O leitor poderá pensar que este post se dedica a fazer um
paralelismo entre o que os nazis supostamente terão tentado executar com esta
operação ao nível da inflação, e o que os economistas nacionalistas de hoje
acabariam por ter de fazer perante o colapso bancário derivado de uma saída da
zona euro. Mas não é sobre isso que trata este filme, nem este post.
Na realidade, o que alguns aspectos do subtexto de “Os
falsificadores” nos podem ilustrar é como a economia capitalista moderna na
base da expansão do crédito e da mais-valia relativa se foram tornando
secundárias com a evolução do regime nazi. O próprio confinamento da tentativa
de falsificação monetária – no fundo, uma emissão de massa monetária
não-oficial – dentro do campo de concentração, bem como os raríssimos contactos
daquela operação com a restante estrutura nazi, ajudam a iluminar a tendência
que o nazismo foi desenvolvendo para gradualmente descentrar os mecanismos económicos capitalistas
em favor do seu programa rácico.
Essa relação entre a mais-valia relativa e o programa de
supremacia rácica está expressa numa cena onde participam três prisioneiros
judeus e os dois principais oficiais SS do campo.
Assim, após ter comunicado que as libras eram autênticas
para o Banco de Inglaterra, e com uma mesa tapada com um pano branco no fundo,
o responsável SS pela Operação Barnhard afirma o seguinte:
«Por seu turno, isto deu-me a ideia de vos proporcionar um
pequeno prazer. Um incentivo, por assim dizer. [Mostra uma mesa de ténis]. Pensei
que talvez depois do trabalho ou ao fim-de-semana…».
Na sequência do “brinde”, um médico judeu agradece eles
poderem estar ali em melhores condições no campo de concentração a falsificar
notas: «Em nome de todos, agradeço-lhe o privilégio» ao que o responsável SS pela
operação retorque: «Motivação, Klinger, motivação! Interessa-me gerir pessoal,
é aí que reside o futuro. Se tratarmos as pessoas como lixo, elas não
trabalharão bem». A clássica noção capitalista da conexão remuneração-aumento
da produtividade, mesmo que numa situação de prisão.
Imediatamente a seguir, um outro oficial SS, numa linha
oposta, afirma: «e se tratarmos o lixo como gente…» ao mesmo tempo que dá uma
cachaçada no pescoço da personagem principal. O segundo oficial queria dizer
que o “lixo judeu” não poderia ser tratado como numa relação económica capitalista,
sob pena de, mesmo aí, correr o risco de se humanizar.
Embaraçado pela tensão criada, o primeiro oficial dá um passo
atrás no discurso e trata de (se) recordar o dínamo rácico do regime nazi: «Os
judeus… Vigarices e falsificações, é nisso que vocês são bons. Se levantarmos
ligeiramente essa fachada respeitável…». A dinâmica da subordinação da
mais-valia ao programa de opressão e de aniquilação rácica não poderia estar
melhor representada nesta cena. Aliás, como em toda a história do filme e até
da própria operação Barnhard. A secundarização, a escamoteação e o carácter
menos oficial da mais-valia relativamente ao racismo hitleriano.
Comparar a União Europeia, mesmo as suas piores expressões
imperialistas e austeritárias, com o nazismo não é só menorizar este último e
comparar o incomparável. Sob a máxima e híper-vaga abrangência dos regimes
políticos actuais a versões do fascismo (não por acaso muitos à esquerda chamam
a UE e/ou a Alemanha de IV Reich), é da preparação para a aceitação de autoritarismos edificados
sob a capa do interesse e da soberania nacional que trata tal discurso sem
qualquer contacto sustentado com a realidade empírica.
3 comentários:
O problema com a sua "narrativa" é que não se vê gente a comparar a UE com o nazismo. Os seus falsificadores são uma falsificação sua.
João.
Só você já disse umas duas ou três vezes que a UE se assemelhava ao fascismo... E IV Reich, as fotos com a reaccionária da Merkel com o bigode de Hitler ou a fazer a saudação nazi isso é o quê?
Eu disse e digo que o federalismo pode tornar-se numa deriva fascizantes através da colonização dos instrumentos de poder federais pelos poderes nacionais mais fortes - a Alemanha acima de todos.
Não sugeri que daí possam surgir campos de concentração e extermínio em massa de portugueses.
João.
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