01/04/13

O conteúdo da forma - II - "Os falsificadores"


Tem sido recorrente a equiparação da UE ao nazismo e, nos últimos dias, fruto da discussão em torno do euro e do nacionalismo, o assunto tornou-se ainda mais batido por estas bandas. O mais bizarro em todos os que de alguma forma equiparam a União Europeia ao nazismo é o desconhecimento total dos mecanismos económicos e político deste último. Como isto é um blog, e o espaço e o tempo são sempre escassos, chamo a atenção para um filme austríaco de 2007 intitulado “Os falsificadores”. Inspirado em factos reais, esta película traça a utilização pelos nazis de um genial falsificador russo de origem judia na manufactura secreta de libras e de dólares de modo a inundar as economias ocidentais e provocar o seu colapso por via da inflação. O leitor poderá pensar que este post se dedica a fazer um paralelismo entre o que os nazis supostamente terão tentado executar com esta operação ao nível da inflação, e o que os economistas nacionalistas de hoje acabariam por ter de fazer perante o colapso bancário derivado de uma saída da zona euro. Mas não é sobre isso que trata este filme, nem este post.

Na realidade, o que alguns aspectos do subtexto de “Os falsificadores” nos podem ilustrar é como a economia capitalista moderna na base da expansão do crédito e da mais-valia relativa se foram tornando secundárias com a evolução do regime nazi. O próprio confinamento da tentativa de falsificação monetária – no fundo, uma emissão de massa monetária não-oficial – dentro do campo de concentração, bem como os raríssimos contactos daquela operação com a restante estrutura nazi, ajudam a iluminar a tendência que o nazismo foi desenvolvendo para gradualmente descentrar os mecanismos económicos capitalistas em favor do seu programa rácico.

Essa relação entre a mais-valia relativa e o programa de supremacia rácica está expressa numa cena onde participam três prisioneiros judeus e os dois principais oficiais SS do campo.
Assim, após ter comunicado que as libras eram autênticas para o Banco de Inglaterra, e com uma mesa tapada com um pano branco no fundo, o responsável SS pela Operação Barnhard afirma o seguinte:
«Por seu turno, isto deu-me a ideia de vos proporcionar um pequeno prazer. Um incentivo, por assim dizer. [Mostra uma mesa de ténis]. Pensei que talvez depois do trabalho ou ao fim-de-semana…».
Na sequência do “brinde”, um médico judeu agradece eles poderem estar ali em melhores condições no campo de concentração a falsificar notas: «Em nome de todos, agradeço-lhe o privilégio» ao que o responsável SS pela operação retorque: «Motivação, Klinger, motivação! Interessa-me gerir pessoal, é aí que reside o futuro. Se tratarmos as pessoas como lixo, elas não trabalharão bem». A clássica noção capitalista da conexão remuneração-aumento da produtividade, mesmo que numa situação de prisão.
Imediatamente a seguir, um outro oficial SS, numa linha oposta, afirma: «e se tratarmos o lixo como gente…» ao mesmo tempo que dá uma cachaçada no pescoço da personagem principal. O segundo oficial queria dizer que o “lixo judeu” não poderia ser tratado como numa relação económica capitalista, sob pena de, mesmo aí, correr o risco de se humanizar.
Embaraçado pela tensão criada, o primeiro oficial dá um passo atrás no discurso e trata de (se) recordar o dínamo rácico do regime nazi: «Os judeus… Vigarices e falsificações, é nisso que vocês são bons. Se levantarmos ligeiramente essa fachada respeitável…». A dinâmica da subordinação da mais-valia ao programa de opressão e de aniquilação rácica não poderia estar melhor representada nesta cena. Aliás, como em toda a história do filme e até da própria operação Barnhard. A secundarização, a escamoteação e o carácter menos oficial da mais-valia relativamente ao racismo hitleriano.

Comparar a União Europeia, mesmo as suas piores expressões imperialistas e austeritárias, com o nazismo não é só menorizar este último e comparar o incomparável. Sob a máxima e híper-vaga abrangência dos regimes políticos actuais a versões do fascismo (não por acaso muitos à esquerda chamam a UE e/ou a Alemanha de IV Reich), é da preparação para a aceitação de autoritarismos edificados sob a capa do interesse e da soberania nacional que trata tal discurso sem qualquer contacto sustentado com a realidade empírica.

3 comentários:

Anónimo disse...

O problema com a sua "narrativa" é que não se vê gente a comparar a UE com o nazismo. Os seus falsificadores são uma falsificação sua.

João.

João Valente Aguiar disse...

Só você já disse umas duas ou três vezes que a UE se assemelhava ao fascismo... E IV Reich, as fotos com a reaccionária da Merkel com o bigode de Hitler ou a fazer a saudação nazi isso é o quê?

Anónimo disse...

Eu disse e digo que o federalismo pode tornar-se numa deriva fascizantes através da colonização dos instrumentos de poder federais pelos poderes nacionais mais fortes - a Alemanha acima de todos.

Não sugeri que daí possam surgir campos de concentração e extermínio em massa de portugueses.

João.