«No plano dos factos, o último recurso dos ecologistas e, entre eles, dos partidários do decrescimento económico é a forma como definem a segunda lei da termodinâmica, pretendendo que a entropia de qualquer sistema aumenta com o tempo, ou seja, que caminhamos para um aumento da energia dissipada e inacessível. A energia total mantém-se constante, mas a sua distribuição tenderia a nivelar-se numa energia latente, inutilizável. Assim, anunciam estes profetas, mesmo que o crescimento económico pareça sustentável graças a uma adequada gestão dos recursos naturais, a segunda lei da termodinâmica estabelece que quanto mais energia despendermos no processo produtivo, mais aumentaremos a entropia. É essa lei que nos dita o apocalipse.
As teses do decrescimento económico estão na moda e em Portugal é um espectáculo deplorável ver pessoas — todas elas reivindicando-se daquilo que, por razões complexas, continua a chamar-se esquerda — defenderem um decrescimento económico definitivo, quando a troika e o governo o propõem apenas temporário. Mas não vou ocupar-me aqui com os teóricos em voga, já que, precisamente por isso, são eles os mais superficiais».
«Abordei a segunda lei da termodinâmica nesta série de artigos somente porque ela é invocada como justificação pelo fundador da teoria do decrescimento económico. E no decurso do artigo tive de me cingir às formulações de Georgescu-Roegen e à terminologia por ele usada — apesar de saber que não são as melhores — porque é desse autor que se trata. Penso que deixei bastante claro que o meu objectivo neste quarto artigo não é o de fundar um modelo de crescimento económico na termodinâmica estatística, mas apenas o de negar que se possa recorrer à termodinâmica clássica para fundar um modelo do decrescimento económico».
8 comentários:
Ms, caríssimo, suponho que qualquer cidadão laico q.b., nutrindo embora preocupações ambientais ou relativas à gestão dos recursos, concordará com o João Bernardo, quando ele denuncia, em suma, a ideia de que a termodinâmica - ou, se quiseres, a ciência em geral - é a chave, a solução, dos nossos porblemas sociais e políticos.
Qunato aos termos "decrescimento" e "diminuição do consumo", ou até mesmo "nível de vida", são ambíguos e, em todo o caso, insuficientes. Aqui, uma vez mais, para continuarmos a abrir portas abertas, não te darei nenhuma novidade dizendo que os termos em causa, quantitativos, não nos permitem responder ao "Que produzir?" e ao "Como produzir?" que são o verdadeiro problema político.
Finalmente, acrescento à margem que, quando se diz que pôr o problema da "finitude dos recursos" através de uma extrapolação ilegítima de noções termodinâmicas é uma mistificação, não se provou ainda que o problema em apreço - o da gestão racional dos recursos - não tem razão de ser. Aliás, tudo o que o João Bernardo escreve neste quinto capítulo do seu ensaio pode ser usado como argumento favorável a uma abordagem mais racional do problema.
Abraço
miguel (sp)
«Felizmente o proletariado ainda prefere i-Pod's a caracóis!»
Grande reflexão do filosofo neo-marxista Aguiar!
Mas afinal é o heróico proletariado, sem prole, que gosta dos i-Pod´s ou são os consumidores incluindo a prole dos trabalhadores sem dinheiro, nem consciência de classe, que correm atrás das ilusões publicitárias?
Só nos faltava ver um pretenso esquerdista a louvar o consumismo e o acesso a ipods fabricados pelos nossos escravos asiáticos! Ao que chegou a "alternativa” de esquerda...
O decrescimento não é opcional, ou seja, não depende de gostarmos ou não gostarmos da ideia. É simplesmente inevitável. Porque uma economia assente em crescimento exponencial, como a capitalista, não é viável nem sustentável. Não é sustentável, desde logo, por causa da sua destrutiva pressão sobre os ecossistemas, mas também porque depende decisivamente de um “bem” cada vez mais escasso: energia barata. Ora, numa época em que já quase só resta no solo petróleo caro de extrair (a 90-100 dólares o barril), o crescimento acaba, inevitavelmente, porque os altos preços da energia travam o crescimento económico, e uma economia concebida para o crescimento exponencial implode quando atinge os limites do crescimento. É o famoso e inevitável rebentamento das bolhas especulativas, de que talvez o J. Aguiar nunca tenha ouvido falar, mas que são bem reais e estão muito bem estudadas. E toda a sociedade industrial é uma gigantesca bolha especulativa na história da humanidade, uma bolha inflada pela abundância de energia fóssil. O petróleo é o sangue da sociedade industrial-tecnológica, tal como o crédito é o sangue da sociedade de consumo. E se não há crescimento torna-se impossível pagar todos os saques que, sobretudo nos últimos 30 anos, contraímos sobre (hipotéticas) riquezas futuras, já que outra coisa não é a dívida. O futuro será necessariamente mais pobre do que o passado recente. A riqueza para todos é um sonho alegre, mas fisicamente impossível. É impossível e impensável que 7 mil milhões de pessoas (and counting!) acedam ao sonho americano, vulgo american way of life.
O capitalismo permitiu um incremento exponencial da riqueza e da complexidade das nossas sociedades. Ninguém diz que tudo foi mau, e que a civilização industrial não trouxe também benefícios. Claro que trouxe, sem a sociedade industrial não teria havido todo o avanço na ciência, nas artes e mesmo na moral, nos últimos 200 anos. Mas esses efeitos positivos foram contrabalançados, e de que maneira!, pelos negativos: exploração do homem pelo homem, colonialismo, explosão demográfica, exaustão dos recursos, destruição dos ecossistemas, alterações climáticas, etc. Pode-se dizer que foi bom enquanto durou, mas agora acabou a festa. Paciência. Portanto, o decrescimento é a ideia política mais sensata que existe, é a nossa única saída. Se não decrescermos a bem (redistribuindo sensatamente os recurso globais de forma igualitária), vamos decrescer a mal (ou seja, numa guerra de todos contra todos pelas migalhas disponíveis).
JMS,
você já escreveu textualmente noutro espaço que a natureza é fascista. Ao mesmo tempo, você escreveu nos comentários a um outro post deste espaço que a esquerda deveria defender o decrescimento. Dito de maneira directa e exacta, o que você defende é expandir a austeridade à grega (perdas acima de 20% do PIB) a uma escala mundial e de um modo durável. Entre defender o genocídio - que é o que você defende - e defender que os trabalhadores lutem para que as suas condições de trabalho melhorem e possam consumir, preferirei sempre o consumismo ao miserabilismo. Antes a alienação pelo consumo do que a fome. Hoje em dia, a esquerda ecologista e a esquerda nacionalista são piores do que os capitalistas austeritários de Frankfurt e Bruxelas. Passe bem.
Diz JMS: «É impossível e impensável que 7 mil milhões de pessoas (and counting!) acedam ao sonho americano, vulgo american way of life».
Admiro pessoas que têm sempre tantas certezas e que sustentam os seus raciocínios unicamente em previsões sem qualquer sentido. Por outro lado, o argumento de JMS lembra sempre o espírito salazarento de que os pobrezinhos deveriam contentar-se com a vida que têm pois foi assim que Deus Nosso Senhor (no caso, a Mãe-Natureza) assim o quis. Quando a troika diz às pessoas que andaram a viver acima das possibilidades - argumento pernicioso para justificar os ataques aos trabalhadores - os ecologistas como o senhor JMS dão uma forcinha defendendo que a contracção permanente da procura é uma boa prática.
João Aguiar,
Lamento, mas você não está a perceber nada. Aquilo a que chama "previsões sem qualquer sentido" são simplesmente os factos da geologia e da física. Devo concluir que o J. Aguiar acredita que as alterações climáticas, a acidificação dos oceanos, a extinção de espécies, a perda de biodiversidade, o pico petrolífero, a sobrepopulação, etc. não são problemas reais? Será então tudo uma conspiração da comunidade científica, a soldo dos verdes? Será que o pico petrolífero que ocorreu nas explorações petrolíferas dos EUA (1970), do RU (2006), da Indonésia (1997), da Síria (1995) ou do Egipto (1997) entre outros, é uma mentira? Se é uma mentira, apetece perguntar, porque é que não está em grandes parangonas na comunicação social? E se é verdade, como afirmam os geólogos, não será um bocadito provável que o mesmo aconteça mais tarde ou mais cedo na Arábia Saudita ou na Rússia?
E não será verdade que o petróleo é cada vez mais caro, porque a maior parte daquele que era fácil (barato) de extrair já se extraiu? Porque é as petrolíferas andarão a investir balúrdios de milhões em perfurações de alto mar ou em lugares cada vez mais inóspitos como a Sibéria e o norte do Alasca – pior, porque é que se anda a explorar o pseudo-petróleo das areias betuminosas do Canadá, cuja viabilidade económica só se justifica com preços de 80-90 dólares o barril, se há, supostamente, petróleo barato aos pontapés? Será só para disfarçar? Melhor, será uma conspiração dos magnatas do petróleo e da finança (vulgo new world order) para fazer implodir a economia global?
Eu sei que para um marxista tradicional a energia nem sequer conta como factor de produção (porque de facto era quase irrelevante no tempo do profeta), mas será mentira que os combustíveis fósseis são um recurso finito, e que o mais importante deles – o petróleo – custa hoje cinco vezes mais do que em 2001? E esta subida de preço não terá provocado um choquezito na economia global? Eu diria que sim, e que a famigerada austeridade, pelo menos para países totalmente dependentes de importações de petróleo como Portugal, Espanha, Grécia, etc. é INFELIZMENTE inevitável. Se eu concordo com ESTA austeridade, que nos é imposta pela banca internacional em seu favor? É ÓBVIO que não concordo. O que defendo, já agora, é que a austeridade deve começar pelos de cima e ser gerida em função dos interesses da maioria, e que isso só se pode fazer tendo como base um programa político de decrescimento sustentado. O que a maioria não pode, porém, é continuar a acreditar no sonho capitalista do consumismo, porque esse sonho se transformou num pesadelo destrutivo.
Aquilo da natureza ser fascista era uma ironia metafórica, mas o seu colega Bernardo fez-me compreender que é contraproducente usar de ironia e metáforas em discussões com cabeçorras tão apegadas a compêndios de sociologia. Mas eu explico: tal como um regime fascista se apoia na coação da liberdade geral, também a natureza impõe restrições ao geral das espécies. Tal como elefantes não podem voar, nem os peixes cantar ópera, a liberdade humana está SEMPRE condicionada pelas leis da natureza, essa fascista de merda (percebeu agora?). Eu compreendo que certas disposições da natureza (doença, finitude, entropia, acessos de mau génio, etc.) sejam um pouco chocantes, mas dou-lhe aqui a minha palavra de honra de que não fui eu quem as escreveu, nem qualquer ecologista que eu conheça. Por outras palavras, por muito injustas e cruéis que as leis da natureza pareçam aos elefantes e aos homens, isso não altera em nada a sua força e a sua inevitabilidade.
Quanto ao genocídio (o termo técnico é extinção), tem piada que você fale nisso, porque esse é precisamente o locus horrendus para onde a nossa e muitas outras espécies tendem a passos largos, se a humanidade não perceber que a tentativa (de resto, condenada ao fracasso) de manter em funções a nossa economia de crescimento está a matar o planeta Terra. Vou repetir em câmara lenta, porque a ideia tem a sua importância. Está. A. Matar. O. Planeta. Terra. Você talvez prefira não acreditar nisso. Mas eu confesso que ainda não percebi ao certo o que é que você defende ou em que é que acredita e por quê. A única coisa que eu vejo, mas pode ser dos meus óculos, na “esquerda” que o J. Aguiar e o J. Bernardo representam é um desprezo absurdo pela ciência e uma tremenda confusão ideológica e moral.
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