Voltemos então ao planeta Terra, continuando o raciocínio aqui iniciado.
O nosso planeta só não é um sistema isolado, para todos os efeitos práticos, porque recebe calor do Sol, e emite calor para o espaço exterior. Durante este processo, e devido à segunda lei da termodinâmica, a entropia total do sistema constituído por Sol, Terra e espaço exterior aumenta. Isto não impede que, numa das partes do sistema, nomeadamente no planeta Terra, não possa haver uma diminuição da entropia, e em particular ao nível de alguns (sub-)sistemas aí localizados. Tal como o João Bernardo diz, correctamente, os processos biológicos permitem a algumas partículas associarem-se de tal modo que o estado macroscópico correspondente possui menos entropia que o estado antecedente (basta pensar na constituição duma planta a partir de material presente no solo e atmosfera). Isto é possível graças ao trabalho, no sentido termodinâmico, que é possível realizar em resultado da utilização da energia disponível. A que é utilizada nos processos biológicos provém, directa ou indirectamente, do Sol, com excepção da energia geo-térmica (fossas oceânicas), remanescente do processo de acreção gravítica que ocorreu durante a formação do nosso planeta. Mas não são apenas os processos biológicos que podem levar à diminuição local da entropia (sempre acompanhada dum aumento global). Certos fenómenos físicos, como a chuva (condensação de vapor de água), ou a formação de gelo, resultam numa diminuição da entropia dum sistema (local), como o constituído pelas partículas que formam uma gota de chuva, ou uma pedra de gelo. As máquinas por nós inventadas permitem realizar trabalho (útil) por nós, e no processo diminuem a entropia dum dado sistema (local, como por exemplo no interior dum frigorífico, onde é formado gelo, ou através dum elevador). Mas, repito, a entropia global, que resulta da soma das entropias de todos os sistemas envolvidos (nas trocas de energia, ou calor), diminui sempre.
De qualquer modo, afinal, o que tem toda esta discussão sobre entropia e a 2a lei da termodinâmica a ver com limites ao crescimento económico? Ora, numa primeira aproximação, este assenta na produção material, ou seja na transformação de materiais em objectos. Esta requer a execução de trabalho, o que por sua vez necessita de energia disponível. A entropia também se pode definir como uma medida da quantidade total de energia contida num sistema, por unidade de temperatura, que não está disponível para ser utilizada para a realização de trabalho. Um corolário desta constatação é de que no seio dum sistema em equilíbrio termodinâmico (estado de entropia máxima) não é possível executar trabalho, pois não há energia disponível para tal. Portanto, a 2a lei da termodinâmica também nos diz que, num sistema isolado, a energia disponível para realizar trabalho torna-se cada vez mais escassa. Por outro lado, as fontes de energia diferem na sua densidade e acessibilidade. Quanto mais densas do ponto de vista energético maior a quantidade de energia que podemos extrair por unidade de massa, e quanto mais acessíveis menor a quantidade de energia que temos de despender para aceder a essas fontes de energia. Os combustíveis de origem fóssil (petróleo, carvão, gás natural) e o urânio possuem uma densidade de energia de tal modo elevada que a quantidade de energia gasta no trabalho necessário à sua extracção é mais do que compensada (pode chegar a um factor de 1 para 100) pela energia disponível com que ficamos para realizar o trabalho necessário para a produção material. No entanto, à medida que esta energia é assim usada, a 2a lei de termodinâmica diz-nos que parte necessariamente perde-se para o ambiente sob a forma de calor. Uma pequena porção da energia inicialmente despendida até pode ser re-utilizada para executar trabalho (basta pensar na incineração de produtos descartados), mas a maior parte ou acaba por ser dissipada (ex. aquela que é utilizada no transporte) ou fica associada a objectos cuja energia utilizada na sua produção efectivamente deixa de estar acessível para qualquer trabalho útil futuro (ex. a energia utilizada para construir habitações). Assim, há medida que utilizamos a energia disponível nos combustíveis de origem fóssil e urânio, necessariamente temos de encontrar fonte de energias substitutas. O problema central é que não existem com a mesma densidade energética e acessibilidade. Num futuro provavelmente distante, se conseguirmos domar o processo de fusão nuclear, poderemos voltar a ter acesso a uma fonte de energia da qual conseguiremos extrair bastante mais energia do que aquela que é requerida para a obter. No presente, e nas próximas décadas, apenas a energia solar, a única fonte de energia verdadeiramente renovável (porque o Sol está continuamente a emitir energia, e o fará ainda durante mais uns milhares de milhões de anos), que utilizamos quer directamente (ex. painéis solares), quer indirectamente (ex. energia hídrica, eólica), nos poderia permitir aceder a quantidades de energia semelhantes às que temos vindo a obter através dos combustíveis de origem fóssil e urânio. Mas estes possuem um retorno energético bastante mais elevado (até 10 vezes mais) que as formas directas e indirectas de energia solar. Resumindo, se a humanidade não passar a colectar, directa ou indirectamente, uma muito maior fracção da energia solar que atinge o nosso planeta, inevitavelmente a capacidade de realizar trabalho com as nossas máquinas, ou seja de produzir, ver-se-à fortemente diminuída devido ao inevitável desaparecimento, em parte como resultado da 2a lei da termodinâmica, dos recursos energéticos de maior densidade energética e acessibilidade presentemente disponíveis (combustíveis de origem fóssil e urânio), e o descrescimento económico será inevitável.
Um outro obstáculo ao crescimento económico contínuo resulta do aumento da dispersão (espacial) dos recursos minerais (ex. jazidas, reservatórios de água potável) e degradação dos recursos de origem biológica (ex. camada superficial orgânica do solo, renovável até certo ponto) à medida que estes vão sendo utilizados no processo de transformação. Em resultado desta dispersão, passa a ser necessário gastar mais energia para os re-aproveitar na totalidade do que aquela que foi utilizada inicialmente. De tal modo assim é que apenas conseguimos re-aproveitar, de modo eficiente, parte dos recursos antes utilizados. Num planeta fisicamente finito, este contínuo uso, parcialmente não-reutilizável, de recursos, leva inevitavelmente à diminuição da produção, e portanto ao decrescimento económico.
Portanto, o decrescimento económico, como resultado da diminuição da quantidade produzida, da produção, é inevitável. Se não for devido ao inevitável desaparecimento dos combustíveis fósseis e urânio (o que implicaria a colecção de energia solar numa escala muito superior ao que até agora foi feito, e isto apenas para estabilizar o nível de consumo de energia), será devido à diminuição da acessibilidade dos recursos minerais e degradação dos recursos de origem biológica (resultado da sobre-exploração, poluição e impacto das alterações climáticas). Mas, há uma enorme diferença, em termos de sustentabilidade sistémica, entre (1) produzir cada vez mais, até sermos obrigados pelos limites físicos anteriormente discutidos a decrescer bruscamente de produção, e entre (2) auto-limitar a produção de modo a conseguirmos transitar de modo socialmente sustentável para um sistema que assente no consumo de energia essencialmente com origem, directa ou indirectamente, no Sol, e na minimização do desperdício de recursos minerais e sustentabilidade dos recursos biológicos. A grande maioria daqueles que defendem a segunda via, fazem-no porque sabem que a opção pela via (1) leva a uma tal degradação dos recursos naturais (minerais e biológicos), que o nível de produção a que ficaremos reduzidos no final será significativamente inferior àquele que é possível sustentar optando pela via (2). E fazem-no porque também sabem que caso essa transição não aconteça, (quase) todos sofreremos, mas quem vai sofrer mais serão os que menos poder possuem (quem mais sofre com a poluição, o aumento do preço da energia devido à crescente escassez, a diminuição da acessibilidade da água potável, as consequências das alterações climáticas?…).
A finitude dos recursos naturais destrói completamente um dos argumentos centrais ao discurso dos defensores do Capitalismo: a desigualdade no acesso a recursos não importa, pois o que é relevante é o nível absoluto de recursos a que cada um pode aceder, ou seja o Capitalismo promoveria a desigualdade mas também providenciaria (quase) todos com muito mais recursos que qualquer outro sistema sócio-económico. Mas se os recursos são finitos, ou seja eventualmente decrescentes, porque entretanto gastos, é impossível ter simultaneamente desigualdade (crescente, em particular) e maior acesso em termos absolutos a recursos por parte de (quase) todos. Em termos marxistas, e como o João Bernardo já tinha assinalado, a finitude dos recursos naturais inevitavelmente "obriga" a classe capitalista (gestores e proprietários), se quiserem manter ou aumentar o seu rendimento, a optar cada vez mais pelo incremento da mais-valia absoluta em detrimento da promoção da mais-valia relativa. No processo, o Capitalismo perderá a sua base de sustentação social. Entraremos então numa fase de intensa conflitualidade social, que muito provavelmente levará ao desaparecimento do Capitalismo, pelo menos na sua actual configuração. Cabe-nos a nós lutar para que aquilo que virá após o crepúsculo do Capitalismo, onde estamos a entrar, seja um sistema o mais igualitário possível, em todas as vertentes, política, social e no que concerne à distribuição dos recursos disponíveis (ie. económica).
Note-se que até agora nada foi dito sobre tecnologia. Se o progresso tecnológico permitir produzir com mais eficiência, ou seja com menor dispêndio de energia e recursos, mais facilitada fica a transição sócio-económica controlada para um sistema menos produtivo. Portanto, por princípio, os proponentes de tal transição nada têm contra o progresso tecnológico, em geral, pelo contrário. Mas, infelizmente, o paradoxo de Jovens parece ser bem real, o que introduz a dúvida sobre quão benigno é o progresso tecnológico, quando livre de qualquer controlo social.
Muito mais haveria a dizer sobre as motivações por detrás daqueles que propõem a transição sócio-económica controlada para um sistema menos produtivo, e sobre os possíveis caminhos que têm sido propostos para atingir tal transição. Estes tanto podem advogar a manutenção das estruturas sócio-económicas que estão na base do sistema Capitalista, como a sua total substituição por sistemas que muitos reconheceriam como herdeiros das tradições anarquista e/ou comunista. Este texto de John Bellamy Foster condensa bem as várias vias em confronto.
Finalmente, deixo-vos com uma possível tradução deste pequeno texto:
"O decrescimento sustentável consiste numa redução da produção e consumo que pretende aumentar o bem-estar humano e melhorar as condições ecológicas e a equidade no planeta. Clama por um futuro onde as sociedades vivam dentro das suas possibilidades ecológicas, com economias abertas, localizadas e os recursos distribuídos de forma mais igualitária através de novas formas de instituições democráticas. Tais sociedades não terão mais de "crescer ou morrer." A acumulação material deixará de ter uma posição privilegiada no imaginário cultural da população. A primazia da eficiência será substituída pela suficiência, e a inovação não vai mais focar-se na tecnologia pela tecnologia, mas vai antes concentrar-se no desenvolvimento de novos arranjos sociais e técnicas que nos permitirão viver convivial e frugalmente. O decrescimento não só desafia a centralidade do PIB como um objectivo político primordial, mas propõe uma estrutura de transição para um nível mais baixo e sustentável de produção e consumo, uma diminuição do sistema econômico para deixar mais espaço para a cooperação humana e os ecossistemas."
01/10/13
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
o termo correcto aplicável à entropia seria "dissipação" e não "diminuição", uma vez que se trata de um processo de geometria espacial não linear
A ideia que a "entropia diminui" fará crer que ela possa, nalguma circunstância, voltar a aumentar. O que não é correcto. Num sistema sujeito à 2ª lei da termodinâmica o sentido de dissipação de energia é irreversivel.
O melhor exemplo prático é um peido, na óptica de big-bang. Uma vez soltos os átomos inicialmente comprimidos é impossivel voltar a reuni-los e enfiá-los de volta no buraco de onde saíu na sua forma original.
Muito bom artigo. Foi isto que eu tentei explicar ao J. Bernardo, em vão, e é isto que ando a pregar há algum tempo, só que sem a força argumentativa das palavras do Pedro Viana, devido às deficiências da minha formação científica.
Espero que J. Bernardo deixe por fim de falar de ecologia (ou do que julga ser a ecologia) e se dedique a falar daquilo de que realmente sabe.
Excelentes textos do Pedro Viana.
Excelentes!
"repito, a entropia global, que resulta da soma das entropias de todos os sistemas envolvidos (nas trocas de energia, ou calor), diminui sempre."
Acreditas que o meu prof. de Termodinâmica no Técnico (era novo e nervoso) enunciou a 2ª lei como "a entropia do universo nunca aumenta"? É um certo medo de nos enganarmos e dizermos o que é proibido. Agora tu já és um prof. mais experiente; corrige lá isto ou ainda baralhas mais a malta :).
Tirando isto, excelente texto mais uma vez.
Olá Filipe,
A frase que mencionas aparece no contexto do que acontece quando dois sistemas interagem, ou seja trocam calor, ou exercem trabalho um sobre o outro. Neste caso, há sempre um aumento da soma das entropias. De outro modo, seria possível, em teoria, a existência de movimento perpétuo do segundo tipo.
No caso dum sistema isolado, no estado sólido ou em equilíbrio termodinâmico (no caso de fluidos, gases ou plasmas), em teoria, a entropia poderia manter-se constante, a menos de flutuações estocáticas. Mas, existem sistemas realmente isolados no Universo?...
Abraço,
Pedro
Enviar um comentário