27/06/14

Re: O golpe institucional do "Parlamento" Europeu

No Blasfémias, Gabriel Silva considera que o que se está a passar com a nomeação do Presidente da Comissão Europeia é um "golpe":
O Parlamento Europeu incitou a que os principais partidos apresentassem candidatos a presidente da Comissão Europeia. Arrogou-se assim da faculdade expressamente prevista de ser o Conselho Europeu a indicar tal candidato. Nem faltaram ameaças de chumbo a qualquer outro candidato que não fosse o proposto pelo partido mais votado.

O Tratado de Lisboa diz explicitamente que a competência para indicar um candidato a Presidente da Comissão é do Conselho Europeu.  «Tendo em conta os resultados das eleições para o PE». Ou seja, preferencialmente alguém da área politica mais votada ou que consiga em coligação uma maioria no PE. Depois disso, o PE terá de aprovar ou não tal candidato. Era um equilíbro de tipo federal. Mas que agora é destruído.

O que o Parlamento Europeu forçou, foi uma revisão não-oficial do Tratado.
Noto que a Constituição portuguesa também diz:
Artigo 187.º
Formação
1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
Ou seja, a formulação constitucional portuguesa também diz que o primeiro-ministro é indicado pelo Presidente da República, e "tendo em conta os resultados eleitorais" (ok, tem a diferença de referir também "ouvidos os partidos representados na Assembleia da República", mas o ponto 7 do artigo 17º do Tratado de Lisboa também fala em "depois de proceder às consultas adequadas"[pdf]); no entanto, os partidos apresentam "candidatos a primeiro-ministro", e se, após umas eleições, o Presidente nomeasse um primeiro-ministro que não fosse o proposto pelo bloco vencedor das eleições (que não tem necessariamente que coincidir com o partido mais votado, mas em Portugal tem sempre sido), isso é que seria considerado como quase um golpe.

Ou seja, se nomear para a presidência da Comissão o candidato do PPE (e por ser o candidato do PPE) é um "golpe", então parece-me que Portugal tem vivido em golpe quase permanente.

Pode-se argumentar que o que interessa não é só a constituição escrita, mas também a "constituição não-escrita" (ou, se preferirmos, a "cultura política", ou a "tradição"), e enquanto a tradição portuguesa é a das eleições legislativas serem na prática a eleição do primeiro-ministro, não é essa a tradição europeia; bem, mas se é assim, parece que agora passou a ser (no fundo, aquilo a que num dado momento chamamos "tradição" é largamente o resultado acumulado de muitas ruturas com a tradição ocorridas ao longo dos séculos).

Também sobre o assunto: Crise institucional na UE?

3 comentários:

Gabriel Silva disse...

Miguel,
Há uma diferença de substancia. A UE é de natureza semi-federal. De competencias partilhadas entre vontade dos Estados e vontade popular. Daí o texto Tratado Lisboa. Em PT tal não sucede obviamente.
O que o Pe foi sacar essa competencia aos estados, dai eu falar em golpada.
Há ainda outra questão, que é a do PE não prerepsentar verdadeiramente a vontade popular, não ser repreentantivo, dada a sua composição não seguir «um voto um homem» e os representantes eleitos representarem mais o peso dos Estados de origem do que os eleitores.

Miguel Madeira disse...

Acerca da parte da "não representatividade" do PE, eu diria que isso é bastante normal em parlamentos de federações ou de confederações, em que há uma preocupação de algum meio-termo entre o principio "um homem, um voto" e o principio alternativo "uma nação/provincia/etc., um voto", garantindo alguma sobrerepresentação aos eleitores das zonas menos povoadas - veja-se o Congresso dos EUA (ou, já agora, o colégio eleitoral).

Miguel Madeira disse...

Até diria que, se o PE fosse totalmente eleito pelo principio "um homem, um voto", isso até seria um argumento em favor da importancia do Conselho (como garante dos pequenos estados, contra a maioria demográfica dos grandes no PE)