10/01/15

Boaventura Sousa Santos e o negócio da "interculturalidade" contra a "laicidade total"

Segundo Pedro Correia, que, independentemente de tudo o que politicamente nos opõe, considero uma fonte fidedigna e uma testemunha verídica, Boaventura Sousa Santos terá dito num programa televisivo, a propósito do caso Charlie Hebdo: "A guerra contra o terrorismo causa muito sofrimento injusto. (...) O Ocidente tem vindo a provocar um caldo de intolerância, um caldo de repressão e de ódio que não poderia ficar sem reacção". O que ocorre perguntar ao energúmeno  é o que descortina ele de luta pela tolerância, de recusa da repressão, de vontade de outra paz que não seja a dos cemitérios, de alternativa ao "sofrimento injusto" naquilo a que chama a "reacção" (vá lá, a boca fugiu-lhe para a verdade) dos autores do massacre.

Mais adiante, sempre segundo a mesma fonte, o excelso fustigador da "razão indolente" avançou com a diligência antidemocrática do costume: "O limite à liberdade de expressão não pode deixar de estar na nossa mesa. Muitas vezes também há muito fanatismo do nosso lado. Nós temos hoje na Europa muitas populações que não se reconhecem na laicidade total. A laicidade não podia ser negociada interculturalmente na Europa, de outra forma?" Aqui, sonhando talvez com o cargo de presidente de não sei que nova Real Mesa Censória, o mata-livres-pensadores esquece, primeiro, que, em democracia, a liberdade de expressão não é negociável, e, em seguida, esquece também que não foi reivindicando a água chilra de qualquer interculturalidade neo-paradigmática, mas antes a consagração da sua versão da sharia como lei universal, que os autores do massacre agiram e mataram.

Convém, por fim, notar que, com menos subtileza do que outros seus companheiros de jornada "anti-ocidentais", tanto no primeiro como no segundo excerto que acabo de citar, o arauto do "pós-modernismo de resistência", expropria igualmente da responsabilidade dos seus actos até mesmo  aqueles que absolve ou justifica, atribuindo aos seus actos um sentido — luta contra as injustiças e a repressão, proposta de negócio de não sei que interculturalidade new age— que não é o que eles muito explicitamente lhe deram: vingar o Profeta, afirmar os direitos superiores da sharia, e o mais que se sabe — ou, caso ainda não tenha pensado no assunto, poderá descobrir facilmente qualquer cidadão comum que, não se deixando intimidar pelo "esplendor da verdade" de gurus ou vanguardas sacaralizadas, esteja disposto a assumir as suas responsabilidades no governo de uma cidade de iguais.

7 comentários:

Xatoo disse...

"Satirizar os Muçulmanos é "liberdade de expressão"; caricaturar contra os Judeus é anti-Semitismo"

Um comentário oportuno do Xatoo que expõe as contradições do discurso dominante.

Miguel Serras Pereira disse...

O Xatoo faria bem em ter presentes certas distinções elementares. O anti-semitismo nazi era racista: atacava e exterminava os judeus pela raça biológica a que pertenciam e não, fundamentalmente, pela sua religião. Pode-se e deve-se criticar o judaísmo — a lei mosaica — sem anti-semitismo. Do mesmo modo, em contrapartida, denunciar o carácter antidemocrático do islamismo, o seu projecto de consagração religiosa do poder político e da hierarquia governante, não é a mesma coisa que condenar à inferioridade ou pretender subordinar os membros das várias etnias muçulmanas.

msp

Anónimo disse...

O Miguel não entendeu.
O que está em causa é que se alguém fizer uma caricatura de um judeu, e de seus símbolos religiosos, no contexto da crítica da política anti-palestiniana de Israel isso logo é acusado de anti-semitismo. Se o fizer de um muçulmano, e dos seus símbolos religiosos, é defendido como "liberdade de expressão".
Nem vale a pena evocar o Siné...

Miguel Serras Pereira disse...

O Miguel, apesar do espírito limitado que possui, entendeu. E nunca dirá que quem denuncia a política do Estado de Israel em relação aos palestinianos, o seu confessionalismo, etc., etc., é anti-semita. E, do mesmo modo, não hesitará em denunciar como racista qualquer atitude ou medida que discrimine os árabes, os turcos, os iranianos ou qualquer outra população na base de critérios raciais.

msp

Anónimo disse...

O assessor de Relvas credível? Só se for por vos unir o mesmo ódio doentio ao PCP.

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo das 18 e 59,

O testemunho de Pedro Correia é confirmado pelo próprio Boaventura Sousa Santos, que repete as mesmas ideias, quase pelas mesmas palavras, numa crónica que se pode ler no Publico.es: cf. http://blogs.publico.es/espejos-extranos/2015/01/13/charlie-hebdo-una-reflexion-dificil/

msp

nunocastro disse...

Hey Heya Miguel.

chego tarde, mas subscrevo inteiramente. é incrível como a esquerda consegue ser por vezes tão energúmena!
e as declarações do Boaventura só são justificáveis à luz do seu regresso ao religioso.