21/03/15

Já que dizem que é Dia Mundial da Poesia…

… aqui fica, aproveitando o pretexto — ou apesar dele —, esta espécie de soneto de há uns anos já (cf. O Mar a Bordo do Último Navio, Lisboa, Fenda, 1998).


Do Castelo de Abrantes


De morrer cedo irei pelas montanhas e
voltarei pelo mar até essa manhã
de lágrimas em armas por que amarei contigo
as mesmas ruas o mesmo rio os mesmos campos

atravessados a cavalo outrora e ao ritmo
deste voo do vazio do tempo no meu sangue
partido ao teu encontro pelas asas da andorinha
que soltasses da torre do castelo de abrantes

Ficarei muito tempo errando ao deus-dará
no silêncio que ondula sem fim o fim do dia
antes de regressar ao chão para entregar
ao que reste de terra a terra do que fiz

Talvez então tu digas que a morte veio chamar-me
mas eu se responder bem vês será a ti


2 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Belíssimo poema Miguel. Constróis um diálogo entre o «voo do vazio do tempo» que não é mais do que um movimento análogo à ondulação do silêncio que abordas no final. Acho interessante essa certa ligação do tempo a que se assiste em silêncio (em reflexão) ao qual só a morte nos espera a todos no final. E entretanto, o tempo de e da vida ondula-se, move-se insidiosamente, se bem que o tempo da reflexão e do silêncio contemplativo possa transmitir uma modulação mais pausada, como uma onda do mar num final de tarde de Verão.
Isto é só uma interpretação minha, que vale o que vale. O que realmente importa é a fruição deste teu belo poema.

Um abraço
João

Miguel Serras Pereira disse...

João,
fico muito contente com a tua leitura, que, quanto a mim, acerta em cheio no que procurei dizer. Só receio que tenhas sido excessivamente generoso.
Grande abraço

miguel(sp)