06/07/15

Os bancos gregos estão falidos?

Ontem à noite, Marcelo Rebelo de Sousa ontem dizia que os bancos gregos estão "tecnicamente falidos" (porque deixariam de ter dinheiro).

Isso, claro, é um disparate, mas é um disparate que, em diferentes versões, por vezes é repetido é portanto convém ser esclarecido.

Uma coisa é uma entidade estar falida - que é quando o valor das suas dívidas (o "passivo") ultrapassa o valor dos seus bens (o "ativo"); outra coisa é uma entidade não ter liquidez - os seja não ter dinheiro disponivel já para pagar as dívidas que se tem que pagar já.

Exemplo A - imagine-se uma empresa que tem dívidas a pagar de 10.000 euros, que têm que ser pagas daqui a 5 anos, e tem 8.000 euros em dinheiro "vivo" em caixa (nota: é mais ou menos isto que são os "cofes cheios" da Maria Luísa Albuquerque); esta empresa tem liquidez, mas está falida.

Exemplo B - agora imagine-se uma empresa que tem dívidas a receber de 10.000 euros, que vai receber daqui a 5 anos, e tem dívidas a pagar de 8.000 euros, que têm que ser pagas para a semana; esta empresa não está falido (o valor do seu ativo - a dívida a receber de 10.000 euros - é maior que o do passivo - a dívida a pagar de 8.000 euros), mas não tem liquidez, já que não tem dinheiro disponível agora para pagar as dívidas que tem que pagar agora.

Os bancos gregos neste momento estão maioritariamente na situação B - o valor dos investimentos dos bancos (dinheiro em caixa, aplicações financeiras, empréstimos, etc.) é provavelmente maior que o dos depósitos e das suas dívidas ao BCE e ao Banco da Grécia, mas as pessoas querem levantar os depósitos agora e os investimentos vão sendo recuparados com o tempo.

Esta diferença entre é relevante em termos da política do BCE - o BCE não é suposto emprestar a bancos falidos (a situação A), mas é suposto (foi exatamente para isso que os bancos centrais foram criados) emprestar a bancos sem liquidez (situação B).

3 comentários:

José Guinote disse...

Miguel Natís o Marcelo Rebelo de Sousa provavelmente saberá que as coisas são como tu as descreves. Mas não se recomendam apostas excessivas sobre os conhecimentos da peça. Estamos, no entanto, perante um propagandista da "ideia única" que tem feito o seu caminho na cabeça dos cidadãos, aqui e um pouco por todo o lado: se os gregos estão com problemas é porque gastaram mais do que deviam e deviam, afinal, estar agradecidos por os outros europeus lhes emprestarem dinheiro. Ontem, jornalistas televisivos com níveis elevados de agressividade, repetiram ad nauseum a pergunta que para eles estabelecia a questão principal: "como é possível ir negociar ou pedir dinheiro aos que se apelidou de terroristas", No debate na TVI24 Mariana Mortágua fez um esforço titânico para introduzir alguma clareza num debate a roçar o facciosismo pró-austeritário.
Nos últimos dias quem rforçou a sua presença no espaço público mediático foi o intragável Camilo Lourenço outro taliban da austeridade.

João Vasco disse...

Só uma piquinhice: aquilo a que chamas "falência" é na verdade insolvência. Uma empresa insolvente pode nunca declarar falência.
Isso acontece exactamente pela distinção que referiste: desde que tenha "liquidez" para ir pagando as dívidas, e empresa pode sair da situação de insolvência sem ter de declarar falência (por exemplo, se os activos valorizarem muito entretanto, etc..).

Miguel Madeira disse...

Realmente, seria mais correto falar de "falência técnica" do que de "falência" (veja-se a quantidade de empresas que se diz que estão em falência técnica mas que continuam a funcionar)