Será que o sentimento anti-EU ("nacionalista de esquerda", como alguns dizem?) é tão forte que já nem lhes permite olhar com atenção para o que partilham?
24/06/16
Cartoons eurocéticos
por
Miguel Madeira
Anda muita gente, incluindo pessoas de esquerda e extrema-esquerda, a publicar este cartoon no Facebook:
Será que o sentimento anti-EU ("nacionalista de esquerda", como alguns dizem?) é tão forte que já nem lhes permite olhar com atenção para o que partilham?
Será que o sentimento anti-EU ("nacionalista de esquerda", como alguns dizem?) é tão forte que já nem lhes permite olhar com atenção para o que partilham?
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7 comentários:
Excelente post, Miguel."
Na mesma onda de delírio nacionalista, eis a seguinte notícia:
"A CGTP considerou hoje que o resultado do referendo no Reino Unido representa 'uma profunda derrota para os interesses do grande capital britânico, bem como para todos os seus aliados da União Europeia'. De acordo com a central sindical, (…] este resultado 'confirma também a rejeição das políticas federalistas e neoliberais impostas aos trabalhadores e aos povos da União Europeia'". (http://economico.sapo.pt/noticias/brexit-cgtp-diz-que-resultado-e-profunda-derrota-para-interesses-do-grande-capital_252870.html).
A CGTP esquece-se de dizer que o resultado do referendo no Reino Unido representa uma enorme vitória do nacionalismo, do populismo xenófoco e do neofascismo. E, claro, ignora activamente, identificando à pressa "federalismo" e "neoliberalismo", que a melhor maneira, e a mais realista, de os trabalhadores e os povos da UE se oporem à ofensiva oligárquica do grande capital transnacional e dos seus órgãos de poder antidemocráticos passa justamente pela federação das acções e das lutas, das iniciativas e dos movimentos.
Abraço
miguel(sp)
Meus caros os jornais estão cheios de análises vindas da esquerda mais à esquerda que oscialm entre a declaração, com todas as letras, de que a Europa está caduca ou é um projecto falhado - fica por esclarecer a dimensão temporal da análise - e o elogio do Brexit como uma grande vitória da classe trabalhadora e do povo que se levantou contra o neoliberalismo de que a UE é a quinta-essência. A ala radical do partido conservador e os xenófobos do UKIP recebem por estes dias um upgrade democrático e até progressista. Há um delírio anti-europeu que fala mais alto nestes dias tristes.
Já tinha visto o cartune (não o partilhei) mas nem reparei nos pormenores. É de facto um tiro no pé.
Caro josé guinote,
Suponho que não o fez de propósito, mas o seu comentário contém várias afirmações que vale a pena discutir. Em particular, utiliza indistintamente Europa e União Europeia. Como se a única possibilidade para a cooperação a nível europeu fosse a União Europeia. Talvez valha a pena relembrar quem é que utiliza constantemente esse “truque” aqui em Portugal: PSD, CDS e comentadores em sua órbita, em particular quando querem atacar qualquer ousadia no que toca a contestar as regras em vigor na União Europeia. Basta ver como etiquetam o BE, quando muitos dos dirigentes e militantes são claramente pró-europeus, e têm-se empenhado em ajudar na federação da esquerda na Europa que contesta as regras e a estrutura institucional da União Europeia. E que continua a acreditar que “outra Europa é possível”, que a cooperação e solidariedade a nível europeu é essencial para melhor resolver vários problemas que nos assolam. Por exemplo, Corbyn sempre foi muito crítico da União Europeia, e foi claro que na campanha deste referendo se sentia extremamente desconfortável na presença da maior parte dos opositores ao Brexit. Muito provavelmente só aceitou que o Labour fizesse campanha a favor, em vez de dar “liberdade de voto”, porque não queria fragmentar o partido. Também será anti-europeu? Portanto, não há nenhum delírio “anti-europeu”. Há compreensivel regozijo em constatar que uma estrutura que nas últimas 3 décadas, desde meados dos anos 80, tem sido construída com base na teoria neo-liberal e ordo-liberal, está a encontrar fortes obstáculos à implementação dos seus objectivos. A UE tornou-se (não o era nas suas primeiras décadas de existência) na quinta-coluna do neoliberalismo na Europa.
O Brexit foi uma “vitória” do povo. De outro modo, o Brexit não teria ganho. Afinal cada eleitor só valia um voto. O povo (ou parte) não é politicamente correcto? Os trabalhadores já não ouvem os líderes da esquerda? Bom, talvez se esses “líderes” ouvissem o que o povo lhes tem para dizer, percebessem melhor as suas preocupações e anseios, e fizessem um (maior) esforço para o envolver na procura das soluções. Colar a vitória do Brexit à “ala radical do partido conservador e os xenófobos do UKIP” é um erro porque não só não corresponde à verdade, tendo havido inúmeros votos a favor do Brexit de pessoas longe desse arquétipo, mas também porque reforça a mensagem de que só o nacionalismo se opõe à União Europeia, lançando para os braços desse mesmo nacionalismo todos, e são muitos, que têm razões para se queixar das consequências económicas da globalização, de que a União Europeia é um dos maiores defensores. Finalmente, não é razoável confundir o que constitui pelo menos três posições - direita neoliberal, direita conservador, esquerda internacionalista - com apenas dois votos possíveis no referendo que teve lugar. Neste caso em particular, as visões a preto-e-branco são uma benção para qualquer das direitas, que assim podem “demonstrar” que a esquerda já não possui qualquer tipo de soluções, ou visão, para os dilemas em que se encontram as sociedades actuais.
Abraço,
Pedro
Boa tarde meu caro Pedro Viana, é verdade, utilizo indistintamente Europa e União Europeia. Estou sempre a referir-me à dimensão politica e não, obviamente, à geográfica ou outra. Isso, no entanto, não permite que do que eu disse e redisse, ao longo dos tempos, se possa concluir que " a única possibilidade para a cooperação a nível europeu fosse a União Europeia". Daí também não resulta que eu tenha dito ou possa vir a dizer que fica tudo mais fácil - para essa desejável cooperação politica - se o Brexit ganhasse, ou, recorrendo a uma imagem recente, a podessemos desmontar peça a peça. Isso eu não digo nem penso. Acho mesmo que a operação de "desmonte" compromete seriamente hipóteses futuras de cooperação politica.Estimula a xenofobia e o nacionalismo e hipoteca a cooperação e o progresso.
Quanto à posição de Corbyn não partilho do essencial do que o Pedro escreve. A menos que façamos nossas as teses do Guardian, ou de parte do nosso mainstream politico, incluindo parte da esquerda mais à esquerda, que pretendeu reduzir o debate politico ao confronto entre a xenofobia soft de Cameron - a que a Comissão aceita sem reservas - e a xenofobia hard de Boris e Nigel. Este "enquadramento" favorece os que apostam todas as fichas na implosão do projecto europeu, que sempre viram como um empecilho politico. A posição de Corbyn era pela manutenção da União Europeia, mas pela sua reforma, pela mudança profunda. A posição de Corbyn foi severamente "silenciada" nos grandes meios de comunicação ao ponto de se poder defender ainda hoje algo que na realidade não se passou assim. .
São claros os textos de Corbyn com a identificação das mudanças fundamentais a concretizar no projecto europeu. Escrevi no blogue várias vezes sobre isso e linkei declarações do próprio. Na realidade meu caro Pedro, Corbyn, foi nesta campanha, o mais entusiasta defensor da mudança na UE e na forma de fazer a politica. Foi também, quem, mais denunciou o carácter xenófobo dos defensores do Brexit e quem mais denunciou o que a aliança dos Tories mais radicais com os xenófobos-nacionalistas pretendia fazer no pós Brexit no que aos direitos sociais dos trabalhadores se refere. Está tudo publicado e acessível. Corbyn falou em "queimar os direitos dos trabalhadores". Eu identifico-me com a mudança por ele defendida, e julgo que ela representa uma necessidade, embora não se trate de um projecto revolucionário ou que aspire a colocar em questão o modelo de sociedade capitalista. Não partilho da visão do Pedro, defendida noutro post, de que o actual cenário pode ser mais favorável à ascensão do Labour. Não digo que isso não possa acontecer, mas basta ver o fogo cerrado sobre Corbyn para perceber que esta liderança, tão à esquerda, é o inimigo número um a abater no próximo capítulo. Com os tories divididos - no caso da vitória do Remain - o Labour poderia chegar ao Governo, com capacidade para impor mudanças de regras na UE. Isso não irá acontecer. Acho-o lamnetável.
Eu acho que o Brexit foi uma vitória da xenofobia crescente, do nacionalismo mais reaccionário, do medo fomentado pelas politicas austeritárias, catalizados pela lidrrança politica da direita mais radical - extremanente xenófoba e nacionalista -que tem estado a pressisonar os sectores mais moderados do partido conservador. Quem venceu o Brexit foi o sector neoconservador que emula, no lado de cá, o que fazem os camaradas do Tea Party no outro lado do Atlântico. Foi uma derrota do povo inglês e uma derrota do povo europeu, mesmo que tenha tido a sua empenhada participação, o que não é novo na História.
Um abraço
Caro josé guinote,
Mas é importante, diria mesmo muito importante, não confundir Europa, o espaço geográfico, mas também político, económico e social, onde nos inserimos, e que podemos tentar moldar em inúmeras formas, e a União Europeia, uma instituição com estruturas e políticas muito específicas. Porque ajudar a essa confusão é ajudar aqueles, maioritariamente à direita, que querem obrigar a uma discussão maniqueísta entre União Europeia ou Europa das Nações. Os mesmos que o josé guinote acusa, e bem, de terem tentado silenciar a posição que Corbyn tentou apresentar no discussão do referendo. A propósito de Corbyn, talvez valha a pena ler por exemplo este artigo da BBC
http://www.bbc.com/news/uk-politics-eu-referendum-35743994
que demonstra que Corbyn sempre foi (e bem) muito crítico da UE e céptico sobre a possibilidade de a reformar. E mesmo depois do referendo ter sido marcado, foi extremamente honesto ao dizer que não punha de lado defender a saída da UE:
“During the Labour leadership contest last year, the candidates were regularly asked how they would campaign in the referendum, which we now know is being held on 23 June.
At a GMB hustings Mr Corbyn said "I would advocate a No vote if we are going to get an imposition of free market policies across Europe" (…)
In another debate, hosted by the Fabian Society, he said he had "mixed feelings" on the EU, and at a hustings in Warrington said he would not rule out campaigning to leave.”
Isso faz dele anti-europeu?
Qualquer que fosse o resultado do referendo, o Labour estaria em vantagem numa próxima eleição, devido à fractura no partido conservador. Mas, infelizmente, é irrealista esperar que um governo de Corbyn conseguisse mudar algo de significativo na UE. Acima de tudo porque o cerne da UE é neste momento a união monetária, sendo as regras associadas a esta que são responsáveis pela mudança na natureza original da UE, e pela desigualdade crescente, entre Estados e no interior de cada Estado. Não estando o Reino Unido na UE, o opinião dum governo britânico sobre o assunto seria simplesmente ignorada. Onde poderia tentar algo seria a nível do mercado único, neste momento com um impacto mais secundário, mas duvido que conseguisse. Mais facilmente um governo Podemos(+PSOE) consegue abalar a UE, e em particular a união monetária.
Se qualquer decisão tem capacidade para fechar portas, ao mesmo tempo abre outras. No caso do referendo britânico, fechou uma porta. Mas abriu, ou entreabriu, várias outras portas, algumas que levam a destinos assustadores, e outras que abrem para caminhos com imenso potencial. Em vez de penarmos em frente às primeiras, deveríamos estar a apontar e explorar as segundas. Depois de qualquer acontecimento político, o mais importante é moldar a percepção do que ocorreu. Repetir que o inimigo venceu, neste momento, só ajuda a efectivar a sua vitória. E ninguém é mobilizado através de derrotas.
Abraço,
Pedro
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