09/12/17

Dívida. Renegociar versus Reduzir

No Público de hoje, na edição impressa, é destacada uma frase de John Kenneth Galbraith, um economista que foi igualmente escritor e filósofo, que terá afirmado ser a economia extremamente útil como forma de emprego para os economistas.
No mesmo dia em que se lembraram de publicar a frase atrás referida deram à estampa uma entrevista com Mário Centeno. Uma entrevista tão chata como seria imaginável no nosso "Ronaldo do Eurogrupo",  na versão Wolfgang Schäuble.

Percebe-se que Centeno tem ideias claras sobre a evolução da União Europeia. Goste-se ou não do que ele diz. Percebe-se igualmente que ele acha fundamental a redução da dívida no contexto do processo de "recuperação" de Portugal. Redução sem renegociação. Centeno nunca se refere a uma eventual renegociação. A jornalista nunca se lembrou de o confrontar com a questão, diga-se.

Admitindo, do mal o menos, que a redução do peso da dívida no PIB evolui lentamente, Centeno recomenda paciência e confessa-nos não estar obcecado pelo tempo.

 A entrevista de Centeno mostra bem como é claro, no essencial, o alinhamento do Governo com a política que tem dominado em Bruxelas. Mostra como esta originalidade portuguesa, de a oposição estar toda no Governo, é essencial para permitir gerir as pequenas mudanças sem hipotecar o essencial.

Escutando, por esta altura, as declarações de Catarina Martins e as de Jerónimo de Sousa, sobre a renegociação da dívida, fica-se com a sensação de estar a escutar o lamento dos politicamente excluídos. Não seria imaginável que a opinião dos dois líderes que sustentam politicamente o Governo, na sua actual configuração, fosse tão irrelevante, passados apenas dois anos desde que deram o passo que permitiu unir as esquerdas.

13 comentários:

joão viegas disse...

Ola José Guinote,

Onde é que ele foi buscar que os mais qualificados emigram ? Ha numeros que sustentam a afirmação no caso de Portugal ? Que ha mais emigração, OK, isto é o que vejo um pouco por todo o lado, mas que a emigração atinge a população qualificada é outra coisa, e não vejo isso em lado nenhum (nem o contrario, de resto). A mim não me parece obvio que seja o caso. E é importante saber, julgo eu.

Sabes se é o caso ?

Abraço

Miguel Madeira disse...

Tenho a ideia de mesmo há uns dias ter visto isso no Correio da Manhã (a emigração dos mais qualificados)

José Guinote disse...

Viva meu caro João Viegas. Eu sinceramente acho essa afirmação do ministro apenas um "parece-me". Não tenho dados que permitam verificar isso. Mas julgo que não foi assim que as coisas se passaram. Emigraram, contra a sua vontade, pessoas muito qualificadas cujos sectores de actividade sofreram muito com a crise pós-2008 e com a intervenção da Troika. Não necessariamente pessoas novas. Emigraram pessoas com formação em áreas com muita procura - porque as formações, essencialmente públicas, são muito caras - como foi o caso dos médicos e dos enfermeiros, porque a degradação do SNS atingiu muito estas classes, como se pode verificar ainda.
No caso do Ministro há, se lermos com atenção, uma identificação entre a crise que nos assolou, e aquilo que se passou no período do ajustamento, e erros cometidos no que ele considera ter resultado de descurarmos as nossas qualificações durante décadas.
Quem lhe terá dito que foi isso que aconteceu. Que dados tem ele que nos mostrem que estamos a investir mais na educação e a reforçar a universalidade do ensino e o seu carácter gratuito?
Que dados tem ele que nos permita perceber que a nossa economia está a utilizar plenamente a capacidade instalada, a capacidade dos nossos quadros, porventura a capacidade das nossas empresas?
Centeno está entusiasmado e tem paciência, muita paciência. Oscila assim entre a paixão e o apaziguamento. Para ele a Europa está a entrar num novo ciclo em que ele admite ser inevitável uma convergência entre a direita, o centro-direita e o centro-esquerda que vai ditar as novas regras. Isso resulta de um novo desafio que resulta de "uma sincronização dos ciclos politicos na Europa".
Pode ler-se a entrevista de pernas para o ar que nunca se encontra qualquer referência à experiência política que permitiu a Centeno ser ministro e que o conduziu à presidência do Eurogrupo. Nem se reconhece em momento algum a importância da política de recuperação de salários e de direitos - de combate à desigualdade, em suma - para o sucesso da fórmula governativa.

joão viegas disse...

Ola aos dois e obrigado pelas vossas respostas,

Confesso que tenho curiosidade de ver numeros e que isso seria importante para podermos reflectir e tirar conclusões mais rigorosas. Não me parece obvio (mas la esta, isto é intuitivo, gostava de ver dados concretos) que os primeiros obrigados a emigrar sejam os mais qualificados e, pese embora compreenda a logica que leva a assumirmos que as coisas se passam assim, vejo também argumentos em contrario : numa economia menos desenvolvida, os empregos qualificados são menos e a vantagem comparativa para os trabalhadores são maiores (em termos de paridade, a diferença do salario dos quadros para os operarios é com certeza maior em Portugal do que em França, ou em Inglaterra). Para além disso, como se vê no caso dos médicos, ha sectores onde os mais qualificados se protegem muito. Não sei se ha muitos médicos que emigraram, mas qualquer pessoa que frequente as regiões interiores ou afastadas dos centros urbanos sabe que ha muitos médicos imigrados (portanto vindos de fora) em Portugal, o que tende a mostrar que os médicos formados em Portugal, se calhar não chegam bem para as necessidades da população (mas a ordem guarda um poder importante sobre o numerus clausus, tanto quanto consigo perceber).

Depois, à falta de numeros e dados objectivos, projecto a minha propria experiência, provavelmente de forma abusiva. Em relação aos médicos, no sistema francês, que recorre massissamente a médicos estrangeiros (muitos do Norte de Africa), os médicos portugueses que vi são todos emigrantes de segunda ou terceira geração. Portanto não foram eles que emigraram, mas os pais ou mesmo os avos. Pode ser coincidência, claro.

Vou procurar mais. No prodata, têm séries sobre emigrantes divididos em categorias, mas dividem-nos entre emigrantes "temporarios" e emigrantes "permanentes" o que não permite responder à questão.

Abraços

joão viegas disse...

Addenda :

Tens razão, Miguel, o Correio da Manhã noticia um estudo da OCDE (excelente divisão sobre migrações, são fiaveis e, contrariamente ao que se julga, dizem coisas bastante ajuizadas), mas o numero que atiram "40 % de fuga de cérebros" é uma interpretação de um académicio português e parece vir do INE. Para além disso, falam em emigração para paises do sul : Brasil, Angola, Moçambique o que é bastante diferente da emigração para os outros paises europeus. No estudo da OCDE, que eu veja, não ha dados por categorias ou que façam aparecer a qualificação dos emigrantes/imigrantes.

No Correio da Manhã ver http://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/fuga-de-cerebros-atinge-40-de-saidas

O estudo da ocde : http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/social-issues-migration-health/perspectives-des-migrations-internationales-2017_migr_outlook-2017-fr#.Wi0ORjeDPIU#page353

No site do INE so consigo encontrar um estudo sobre a emigração portuguesa no mercado europeu (acessivel a partir de https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=299712646&DESTAQUESmodo=2 ) mas o que vejo não conforta bem o que diz o artigo do Correio da Manhã. Na Europa, a percentagem de emigrantes de 1a geração com formação superior é muito menor (11 % contra 19 % em Portugal, e na secunda geração passa para 27 %, o que indicia uma mobilidade social bastante maior do que em Portugal). Mas é verdade que se incluirmos os trabalhadores com o secundario e pos-secundario (bacharelato, formação profissional, suponho eu), então aproximamo-nos dos 40 % e, para esta categoria particular, a percentagem é maior (29,4 % nos emigrantes de 1a geração, contra 23 % em Portugal).

Bom, parece que continuo com a minha duvida, mas pelo menos tenho alguns numeros.

Abraço

joão viegas disse...

Seja como for, e ressalvando o que se possa dizer de inteligente com base nos numeros que ai pus e nos outros que se calhar existem, não deixo de notar que o Correio da Manhã atira com uma noticia bombastica (40 % de fuga de cérebros) por ocasião da publicação de um estudo que, tanto quanto consigo perceber, não diz nada disso, socorrendo-se da afirmação de um académico sem que se perceba em que é que este se fundamenta. Para além disso, o artigo parece ter em vista a emigração para Angola, para o Brasil e para Moçambique, que é capaz de ser importante nos ultimos anos mas que, tanto quanto sei, continua a ser negligenciavel ao pé da emigração para outros paises, nomeadamente para a Europa.

Bonito...

Abraço aos dois

Niet disse...

A fuga de "cérebros" tuga é um trauma gerado pelos efeitos devstadores da crise económica mundial de 2008 e o pragmatismo criminogéneo da gestäo de Sócrates agravado pelas politicas celeradas de Passos&Relvas e os homens-de-mäo lusitanos ao servico do famigerado banco Goldman Sachs, Borges, Gaspar e Moedas. Conheco " cérebros " que se colocaram como investigadores e só pensavam, por todos os meios, regressar a Portugal, tirando em real e cruel desespero selfies com o novo PR aquando das suas visitas às colónias de emigrantes espalhadas pela Europa. Era um espectáculo dprimente e humanamente chocante, onde valiam todos os " golpes " de asa...A " geringonca veio a criar novas expectativas para o regresso, mas, é evidente, que há contingentes de enfermeiras e médicos que näo sabem ainda para onde se häo-de virar num exilio deveras complexo e angustiante numa Europa em crise. A demanda da diáspora africana ou sul-americana parece-me com menos impacto, essencialmente, pela ambiguidade dos êxitos dos governos neo-liberais de Angola e Mocambique. Niet

José Guinote disse...

Relativamente ao estudo que o Miguel Madeira referiu verifico que a coordenação coube a um investigador conceituado, o geógrafo Jorge Malheiros do IGOT. No entanto, apenas pela leitura dos dados divulgados pelo Correio da Manhã, estamos a falar de 38 mil pessoas com formação superior que estão na noticia identificados como "cérebros" e que o investigador terá assim classificado. Gostaria de ver esclarecida esta classificação e os seus critérios. Todos os licenciados, ou mestres na formualção pós-bolonha, são "cérebros"?
Não sei se o ministro estava a falar destas pessoas.

joão viegas disse...

Ola José,

Refiro-me ao quadro da pagina 6 do estudo do INE de 2014 que se pode consultar no site a partir do endereço que indiquei acima. O quadro apresenta a população de trabalhadores portugueses emigrados na UE (com algumas excepções) + Noruega e Suiça, entre os 15 e os 64 anos. Depois de apresentar por grupos etarios, apresenta por nivel de escolaridade distinguindo em 3 categorias

1 Até ao basico
2 Secundario e pos-secundario
3 superior

Para os emigrantes de 1a geração os valores são

1 = 57,3
2 = 29,4
3 = 11,7

Para os emigrantes da 2a geração :

1 = 28,1
2 = 42,5
3 = 27,4

Em Portugal :

1 = 57,1
2 = 23,6
3 = 19,3

Na Europa :

1 = 28,6
2 = 44,3
3 = 26,2

Estes numeros não confirmam nada a hipotese de uma "fuga de cérebros" (isto dando de barato que os "cérebros" são os com formação superior, ponto acerca do qual tenho as mesmas duvidas do que tu). Em contrapartida, indicam que a emigração para a Europa parece ser uma boa estratégia em termos de promoção social, uma vez que no espaço de uma geração os Portugueses passam de um nivel mediocre para uma situação ligeiramente acima da média europeia.

Bom, falta também saber qual é a precentagem de "cérebros" do Correio da manhã a emigrar.

Mais a sério : se conheceres o geografo que é citado no artigo ou se tiveres outro meio de saber, seria interessante perceber em que é que ele se apoia e como é que ele comenta os numeros acima.

Abraço

joão viegas disse...

Addenda :

Lendo melhor, vejo que a tua interrogação é mesmo sobre os critérios do geografo (e não sobre os meus). Temos portanto a mesma duvida...

Abraço

José Guinote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Guinote disse...

Meu caro João Viegas, os dados que aqui trazes corroboram a minha dúvida que é aliás uma dúvida comum. Na origem falávamos de imigração e da fuga dos mais qualificados. O problema é que quem imigra são em primeiro lugar os mais necessitados. Os que não conseguem trabalhar aqui, aqueles que enfrentam desafios profissionais deprimentes e conseguem propostas aliciantes no estrangeiro com melhores salários, etc. Os mais qualificados que têm remunerações médias altas não imigram.
Uma outra questão é a promoção social. Portugal é uma das sociedades europeias mais injustas. Isso não se deve à Troika e tão pouco ao Governo PSD/PP [ pese embora a sua responsabilidade] como alguma esquerda quer fazer crer. Há factores estruturais da desigualdade que são um longa construção na qual a esquerda esteve fortemente implicada.
O mito da meritocracia em Portugal é apenas isso: um mito. O acesso aos melhores empregos passa muito pela influência familiar e política, pelas relações sociais e apenas num menor grau pela preparação e pela qualidade dos acedentes. Num livro extraordinário (Justice and the Politics of difference) publicado em 1990 na Universidade de Princeton, Iris Marie Young - filósofa e feminista falecida em 2006 - além de propor uma nova concepção da opressão e da dominação, aborda a questão do "mito do mérito" e a "Política das Qualificações" no contexto do "Welfare Capitalism".
Aplica-se como uma luva a Portugal e, julgo, que se aplica, ainda que em muito menor grau a alguns dos países europeus, como a França.
Somos uma sociedade muito injusta e por isso mesmo causou-me tanta impressão o carácter "hiper-despolitizado" da entrevista de Centeno.
Um abraço.

joão viegas disse...

Ola,

Percebo que queres dizer "emigram" e "emigração" (de Portugal para fora). Concordo completamente com o que dizes. Quanto à maior ou menor justiça da sociedade ser um factor decisivo, é de facto fundamental compreender isto. Os anos de maior crescimento nas sociedades ocidentais coincidiram com os de maior redistribuição (criação do imposto sobre rendimentos, construção de uma segurança social tendencialmente universal, etc.). Nem tudo foi um mar de rosas (nomeadamente porque o crescimento fez-se também à custa dos paises mais pobres), mas ainda assim convém ter isto presente quando vemos os nossos doutos economistas de trazer por casa cantar loas à economia não intervencionista e obcecada com o equilibrio, bem à maneira do Salazar (com os resultados que nos, em Portugal, conhecemos muito bem).

Abraço