14/01/19

É a economia que distingue a esquerda da direita?

No Twitter, Daniel Oliveira escreve que "[o] que define a esquerda e a direita é a economia, o papel do Estado, os direitos laborais e a relação com o privilégio e a riqueza".  Será?

Em tempos escrevi que há uma tendência (...) para os movimentos políticos serem classificados no eixo esquerda-direita com base no assunto em que estiverem mais à direita: p.ex., um liberal económico e progressista nos "costumes" é "de direita"; e um conservador nos costumes defensor da economia mista é também "de direita"; e um defensor da democracia popular de base, da autogestão e de comunidades etnicamente puras (...) seria provavelmente considerado de "extrema-direita".

Mas se fosse preciso escolher mesmo uma das dimensões como a mais importante, eu até diria que a cultura é mais relevante para distinguir a esquerda da direita do que a economia - veja-se que partidos democratas-cristãos (mesmo nas décadas a seguir à II Guerra Mundial, em que eram muito menos liberais na economia do que são agora), que são conservadores nos costumes e quase social-democratas na economia são normalmente classificados como "direita" (e que dizer de partidos como  a Lei e Justiça polaca, o Fidezs húngaro, os Gregos Independentes, ou o Partido do Povo Dinamarquês, que também estão muito longe de serem liberais na economia, mas são frequentemente rotulados de direita ou até de extrema-direita? E ninguém diz que o Tucker Carlson ou a Ann Coulter estão a virar à esquerda); e, inversamente, partidos como os Radicais franceses, liberais na economia (mesmo que por vezes o Partido Radical juntasse "socialista" ao seu nome) mas anticlericais eram frequentemente classificados na "esquerda". Ou seja, mesmo um gráfico como o que eu fiz no fim deste post (em que tanto o eixo "tradicionalista-cosmopolita" como o "liberalismo-intervencionismo" contam para a distinção "direita-esquerda") deveria se calhar ter uma ligeira rotação no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio, para dar ao eixo "tradicionalista-cosmopolita" um pequeno predomínio sobre o eixo "liberalismo-intervencionismo" para distinguir a direita da esquerda.

19 comentários:

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Eis a minha opinião.

Depende daquilo que se entenda por "economia". Quanto a mim, o que distingue a esquerda da direita é a procura da justiça social concreta, ou seja da igualdade efectiva, que implica, da conteudo, e sentido, logo efectividade, à(s) liberdade(s). A direita afirma-se igualitaria e pretende pugnar por liberdades, mas concebe-as de maneira sobretudo formal, abstrata, sem conteudo (a famosa "raposa livre, no galinheiro livre").

Isto significa, quanto a mim, que o alcance da igualdade é, numa medida muito larga, um objectivo que deve ser aferido na repartição das riquezas, tanto em matéria de bens, como de serviços (publicos ou privados), que revertam concretamente em beneficio de todos, sem que os privilegiados açambarquem a melhor parte em detrimento daqueles que trabalham e produzem riqueza. Tanto quanto julgo saber, isto significa que a questão é principalmente "economica" se entendermos por economia o conjunto de regras e técnicas que regem a produção e a distribuição de riqueza. Esta concepção da economia implica, como é obvio, abandonar definivamente a fantasia perigosa de que se trataria de uma "ciência exacta", e aceitar que se trata de uma matéria essencialmente politica.

Portanto não estou em desacordo com o que diz o Daniel Oliveira. Mas também penso que separar as questões "éticas" das demais questões politicas é um erro e uma herança do passado. A esmagadora maioria das questões que identificamos com questões "éticas" ou "de costumes" têm a ver com o perimetro que queremos deixar à liberdade individual nesta ou naquela matéria. Enquanto fomos dominados por uma religião dogmatica, fomos cultivando a ideia que estas questões dependiam do foro da consciênca intima e que eram matéria de religião. Isto é estupido. São questões politicas tais como as outras. De resto, elas são tão ou mais debatidas dentro das igrejas como fora delas.

Um abraço

João Vasco disse...

"A direita afirma-se igualitaria e pretende pugnar por liberdades" - a esmagadora maioria da direita não se enquadra nesta descrição.
O post original está cheio de exemplos, mas é fácil dar outros tantos.

joão viegas disse...

Caro João Vasco,

Não concordo consigo. Como é obvio, existe um tropismo conservador na direita e, é possivel que ele ganhe por vezes uma relevância tal que nos apareça à frente do resto. Ha também, não o contesto, mixordias que têm como estratégia, ou às vezes por objectivo, desnortear as pessoas, como é o caso de muitos fascismos e autoritarismos de direita, que se reclamam no papel dos mesmos valores, e do mesmo progressismo, do que a esquerda. Agora não me parece que a "grande maioria da direita" esteja, hoje, em oposição aos ideais burgueses das grandes revoluções liberais, tais como podem ser resumidas na maxima da revolução francesa "liberdade, igualdade, fraternidade". Por exemplo, hoje, não vejo ninguém à direita, a não ser grupos de fanaticos ultra-minoritarios, que ponha em causa a igualdade perante a lei.

O que pode susceder é que, cedendo ao seu pendor conservador ou reaccionario, eles defendam que a verdadeira igualdade passa por manter diferenças (ex : a mulher livre de reclamar o direito "igualitario" de ficar em casa a coser meias), ou ainda que a procura da igualdade não deve atentar às liberdades fundamentais, por exemplo à liberdade de empresa, que na opinião deles, concretiza o direito de todos, em igualdade abstrata, de aspirar a construir um império como o do Bill Gates. Mas isto não me parece significar que a "esmagadora maioria da direita" seja avessa à igualdade (como valor ético, politico, e economico), e muito menos ainda à defesa das liberdades.

Este ponto é importante, porque nos impede de compreender com rigor o ponto de vista do adversario, o que é sempre contraproducente. Por exemplo, é dificil compreender o sucesso das receitas neo-liberais em termos de politica economica, se não quisermos ver que elas assentam, no papel, e desde o incio, em objectivos que se reclamam da igualdade (por exemplo quando defendem que, com as politicas intervencionistas de tipo keynesiano, o povo acaba no fim por pagar mais).

Cordiais saudações.

Miguel Madeira disse...

E a defesa de restrições mais rígidas à imigração (que é talvez a bandeira "de direita" mais popular hoje em dia)? Queremos maior desigualdade perante a lei que essa (o problema é que é uma desigualdade a que já estamos tão habituados que nem notamos nela)? Além de que há uns dez anos atrás a direita tinha muita gente contra o casamento entre homossexuais, há 2 ou 3 anos contra a igualização do prazo para re-casamentos pós-divórcio entre mulheres e homens, há uns 20 anos contra reformas à lei da liberdade religiosa que dessem igual tratamento a todas as confissões, etc, etc.

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Acho que, por um lado, estas a confundir a direita e a extrema-direita, por outro não estas bem a responder ao que digo. O que digo é que a direita, hoje, na sua esmagadora maioria, adere aos valores da liberdade e da igualdade na forma, embora viva bem com o seu atropelo diario na pratica.

Os exemplos que das não me parecem invalidar o que digo. A questão das fronteiras é complexa, mas os nacionalistas (é discutivel que eles representem a maioria da direita, mas adiante) reclamam fronteiras com o argumento que elas são necessarias para proteger os direitos e os interesses das camadas desfavorecidas da população nacional. Logo, em nome de uma certa forma de igualdade (entre os cidadãos nacionais). Este argumento é muito parecido com o que defende hoje o PCP. Nem para uns, nem para outros, existe a ideia de que o tratamento diferenciado dos estrangeiros é um atentado à igualdade, uma vez que para eles a igualdade é a igualdade perante a lei nacional, que trata de forma diferente os cidadãos e os estrangeiros (uma vez que eles não estão objectivamente na mesma situação perante ela). Os outros exemplos que das são também fundamentados pela direita em considerações de igualdade, quer na medida em que pretendem proteger a mulher, quer na medida em que dizem que a igualdade consiste em tratar igualmente situações iguais, mas de forma diferente situações diferentes (e para eles, uma familia "tradicional" e uma união homosexual são realidades "objectivamente", ou "naturalmente", diferentes).

Repara, mais uma vez, que aceito perfeitamente que, na realidade, estas posições acabam por fortalecer conservatismos que são fontes de desigualdades. Digo apenas que isto não é assumido de maneira nenhuma pela maioria da direita. Eles afirmam-se em favor da igualdade, sendo apenas que defendem que o principio não tem as consequências que a esquerda defende. E ao tentar justificar este ponto, tentam demonstrar que eles é que compreendem melhor o que significa a "verdadeira" igualdade. O que digo em relação à igualdade é ainda mais valido em relação à defesa das liberdades (a "ordem" é também a criação de um contexto propicio ao exercicio das liberdades pela maioria, convém não esquecer isto).

Concretamente, a direita portuguesa critica, ou criticou, a constituição na medida em que contém menções ao socialismo e à construção de uma sociedade sem classes, ou na medida em que declarava irreversivel as nacionalizações, mas nunca põe em causa o principio de igualdade, nem as principais liberdades e garantias (quando o faz marginalmente, fa-lo sempre em nome de outras liberdades ou de uma igualdade mais rigorosa).

Eu sei que é sempre tentador transformarmos a luta politica em guerra, onde se digladiam duas posições radicalmente opostas, os bons contra os maus. Na realidade as coisas não são tão claras. A maior parte da direita reclama-se de valores a que a maior parte da esquerda subscreve. Apenas não os entendem da mesma forma nem vêm a sua aplicação da mesma maneira.

Para voltar ao tema inicial do teu post, o que me parece distinguir verdadeiramente esquerda e direita reside na procura, por parte da esquerda, de uma efectividade dos principios, da sua concretização material, mensuravel. Ao que a direita contrapõe que as politicas que visam impor maior igualdade na realidade são atentatorias das liberdades formais, e (dizem eles) contraproducentes. Este debate também tem razão de ser nas questões de costumes, mas, na minha modesta opinião, é acima de tudo um debate sobre grandes opções de politica economica. Por isso concordo com a afirmação do Daniel Oliveira.

Um abraço

Miguel Madeira disse...

Será que houve alguma vez alguém que na história da humanidade tenha defendido a desigualdade perante a lei sem ser com algum argumento do tipo "não podemos tratar igualmente o que é desigual"? Isto é, acho que todas as diferenças legais entre aristocratas e o Terceiro Estado, entre homens e mulheres, entre brancos e negros, etc têm sido quase sempre defendidas com argumentos do tipo "a diferença na lei limita-se a refletir diferenças na realidade".

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Duplo engano, se me permites.

Em primeiro lugar, é insofismavel que existiram, e nem sequer ha tanto tempo assim, inumeras sociedades abertamente inegualitarias, ou seja que não reconheciam a igualdade de todos perante a lei : o antigo regime, como lembras, o apartheid, o segregacionismo nas suas diversas modalidades, o regime das castas na India, etc., isto para não falar nos diversos racialismos. Todos estes regimes negavam abertamente e formalmente que todos os homens (and women) fossem iguais e merecedores dos mesmos direitos. As consequências não eram apenas teoricas, como sabes (ausência de direitos politicos, menoridade civica, restrições das liberdades, ou da faculdade de dispor de bens, etc.).

Portanto o principio de igualdade perante a lei, igualdade de direitos, não é, muito longe disso, uma evidência na historia das sociedades humanas. Não é por acaso que, muitas vezes, apenas foi proclamado a seguir a revoluções politicas.

Em segundo lugar, o principio de igualdade juridica, onde quer que seja, continua hoje, e ha de continuar sempre, a pressupor que situações diversas devem ser tratadas de forma diversa. Hoje em dia continuas a ter licenças de parto em beneficio das mulheres, taxas de imposição diferentes consoante os rendimentos, restrições às liberdades consoante as situações de facto, etc. Portanto é sempre um argumento admissivel em teoria, por muitas voltas que dês, defender que duas situações apresentam diferenças objectivas que justificam que sejam tratadas de forma diversa pela lei. No entanto, nos nossos regimes politicos e juridicos, não deixa de existir igualdade juridica de principio entre todos os homens (and women) e são sancionados pela lei e pelos tribunais, todos os dias, tratamentos inegualitarios injustificados. Portanto o principio de igualdade não é, nem um truismo, nem uma regra vazia de sentido, nem um principio desprovido de consequências praticas importantes.

O que eu digo é que a esmagadora maioria das pessoas de direita esta de acordo com o principio, pelo menos a nivel formal. Concorda com a igualdade juridica com todas as consequências que acabei de expor. Apenas uma infima minoria esta disposta a por em causa esse principio, e as suas consagrações legais, que não existiram sempre, e que são, na sua maioria, fruto das revoluções liberais, embora algumas das suas consequências possam ser muito mais recentes. Basta lembrar a igualdade entre homens e mulheres em Portugal, que não existia juridicamente antes de 1974.

Logo, ha também, na realidade, e a historia demonstra-o sobejamente, uma diferença entre a proclamação formal do principio (hoje quase universal, e ja secular nos paises da Europa) e a aceitação das suas consequências praticas ou substanciais. A esquerda e a direita definem-se, quanto a mim, em relação a esta diferença.

Um abraço

Miguel Madeira disse...

Acho que a fronteira entre as duas posições (rejeição do igualdade perante a lei ou argumentar que aparentes desigualdades legais não o são) pode ser muito porosa - por exemplo, onde incluiríamos o editorial de 1957 de William F. Buckley na National Review (a revista fundadora do moderno conservadorismo nos EUA), Why the South Must Prevail, onde se opõe ao sufrágio universal no Sul dos EUA dizendo que enquanto os brancos fossem a "raça avançada" deveriam governar os negros (num número seguinte, ele tentou emendar a mão e escreveu que o ideal seria tirar também o direito de voto aos brancos sem instrução)?

E acho que, se convém não confundir direita com extrema-direita, convém também não misturar totalmente liberais com conservadores (mesmo que possam ser chamados genericamente de "centro-direita") - os liberais, são (ou pelo apresentam-se como tal) defensores entusiásticos dos tais princípios da igualdade perante a lei e da liberdade formal (mesmo que às vezes se dediquem a estranhas piruetas para defender posições aparentemente contraditarias com esses princípios); já os conservadores, mesmo hoje em dia, parecem-me ter muito uma tendência a "pois, como um principio geral, até concordamos, pelo menos no atual contexto histórico e cultural; mas não vamos ir ao milímetro andar à procura de todas as leis ou política públicas que possam violar esses princípios para as mudar - a experiência concreta, expressa em instituições que existem há muito tempo, vale mais que as teorias abstratas, incluindo a «Liberdade» ou a «igualdade perante a lei»".

joão viegas disse...

Ola Miguel,

Interessante o teu comentario.

Sobre a igualdade, eu pessoalmente não tenho medo algum de uma visão aprofundada, que desça ao pormenor da realidade concreta, e acho mesmo que, se fizermos esse esforço, a porosidade de que falas vai desaparecer muito rapidamente. O discurso aparentemente igualitario dos conservadores resiste raramente a um exame sério, tal como o do "racismo anti-branco". Portanto o que tu dizes, do meu ponto de vista, é apenas mais uma razão para insistir na ideia de igualdade efectiva como principio fundador da esquerda. Isto implica, é verdade, não afastar por principio a ideia de que possa haver, em teoria, desigualdades em detrimento daqueles que, hoje ou ontem, eram privilegiados. Profissionalmente, ja tive de defender casos desses, ultra-minoritarios. Fi-lo sem problema, e julgo que bem, porque esses casos mostram muitas vezes falhas que se traduzem a seguir em melhorias da regras igualitarias em termos de eficacia. Digo mais, no dia em que o macho branco heterosexual dos paises industrializados for vitima de uma desigualdade, hei de ca estar para defendê-lo. Mas ele bem pode esperar sentado...

Quanto à relação entre direita e conservadorismo, estamos a ter um dialogo de surdos. Historicamente, a direita definiu-se a seguir à revolução francesa, dentro dum parlamento que era maioritariamente progressista nos critérios da época. Podemos sempre, é claro, pôr a tonica no "conservatismo" objectivo da direita, sublinhando que ela age muitas vezes, na realidade, no sentido de manter a ordem antiga (sob novas aparências). Mas julgo que isto é um erro, politico, e tactico. Ha uma parte substancial da direita - a mais representativa - que aceita genuinamente o progresso. Apenas não concorda com uma visão radicalizada dos novos princpios, e pretende ficar a meio caminho. Dizer que esta direita é apenas conservadora afigura-se-me um erro, hoje como ontem. Repara, a maioria das pesooas de direita, hoje em dia, concorda com a igualdade entre homens e mulheres, com a igualdade de raças, com a liberdade religiosa, com a tolerância, etc. Portanto embora a direita seja, por definição, mais conservadora que a esquerda, julgo que devemos evitar confundir direita e conservatismo.

Quanto à questão da extrema direita, é também complexa. Infelizmente, ha também uma parte da extrema-direita que se apresenta como "progressista". Basta pensar no fascismo italiano.

Um abraço

João Vasco disse...

Vale a pena ver este vídeo:

https://www.ted.com/talks/jonathan_haidt_on_the_moral_mind

O vídeo é uma simplificação e não conta a história toda, naturalmente. Vê a esquerda como monolítica (e a ignorar marxistas, anarquistas, etc.), ignora os tais "libertarians" e por aí fora.

No entanto, o vídeo não é vazio de conteúdo. Mostra que o mito de que a "liberdade" é um valor essencial para a direita é um completo equívoco. Pelo contrário, muito mais pessoas à direita que à esquerda valorizam a "autoridade", valorizam a "lealdade para com o grupo" (tribalismo) e valorizam uma noção de "pureza" muitas vezes associada à religião, tudo valores contrários à "liberdade".

A direita de facto formou-se no contexto da revolução francesa, onde o clamar por igualdade e liberdade estavam de mãos dadas.

Agora, existe gente à direita que valoriza muito a liberdade (mesmo que o conceito de liberdade a que se referem possa ser, no mínimo, debatível)? Sim, existe. Os dados mostram que menos que à esquerda, mas existe.

E é verdade que a propaganda da direita muitas vezes canta loas à liberdade? Sim, também é verdade. E também é verdade que o pensamento de direita que justifica medidas "pró-negócios" com a liberdade, mesmo que não seja necessariamente maioritário, costuma ter uma fortíssima representatividade nos quadros de topo dos partidos de direita mais importantes.

Mas dizer que a direita é pela liberdade é falso e vai contra os dados empíricos que estudam os valores de quem apoia a direita e a esquerda.

A própria dicotomia liberdade vs igualdade é um tremendo equívoco. Ser contra a escravatura é ser pela liberdade de quem era escravo, ou pela igualdade entre escravos e restantes pessoas? Obviamente, é por ambas. Historicamente as lutas pela liberdade e igualdade têm andado de mãos dadas e não é por acaso.
A contraposição entre liberdade e igualdade foi um dos truques de propaganda da direita mais eficazes.

Os Trumps e Bolsonaros deste mundo estão a destruí-lo. Os seus atentados contra a liberdade e contra a igualdade denunciam a relação profunda entre estes valores.

joão viegas disse...

Ola,

Ja ca venho comentar com mais tempo, depois de ver o documento referido no ultimo comentario, mas noto desde ja que ha um grande equivoco no que diz o João Vasco. Eu nunca disse, nem penso, que a direita é a favor da liberdade e a esquerda em favor da igualdade. Digo, o que é muito diferente, que a direita é a favor de liberdades e de uma igualdade FORMAIS, enquanto a esquerda procura alcançar liberdades e uma igualdade SUBSTANCIAIS.

Como é obvio, não existe oposição, antes complementaridade, entre liberdades e igualdade, tanto para uns como para outros. Ninguém pugna por liberdades inegualitarias (liberdades dos senhores, e não dos servos), pelo contrario, toda a gente concorda que as liberdades devem beneficiar a todos num plano de igualdade. Pelo menos em teoria.

Julgo que o João Vasco se esta a referir a uma analise objectiva, sociologica, das convicções e dos comportamentos das pessoas e ja ca venho responder a este argumento (que de facto mostra que as pessoas de direita são tendencialmente conservadoras em matéria de costumes, não contesto isso), mas o que ele diz não responde aos meus argumentos e supõe de facto um nivel de discussão bastante basico (e errado), como de facto podemos ver em Bolsonaro. Muito felizmente, este ultimo não representa o que pensa a maioria das pessoas de direita...

Abraço

joão viegas disse...

Ola de novo,

Visionei a peça até ao limite do aturavel, tendo em conta os meus limites (que são importantes). Varios reparos :

1/ Ao nivel da terminologia, é completamente impossivel compreender porque é que os americanos chamam "liberais" à pessoas de esquerda se não atendermos ao pleno sentido tradicional e "ético" da palavra, que significa também a prodigalidade, a qualidade da pessoa que da aos outros (nomeadamente bens e serviços). Este ponto chega para demonstrar que não estamos a falar de uma dicotomia sem relação com a questão da distribuição de riqueza. Os liberais americanos não são so, nem principalmente, liberais em termos de costumes. Embora também o sejam, uma evidência que a peça procura descrever como se se tratasse de uma grande descoberta.

2/ A utilização da palavra "conservador" para caracterizar a direita explica muito pouca coisa, embora traduza um facto insofismavel : as pessoas de direita satisfazem-se mais com a ordem social como esta (ou como esteve até hoje) do que as pessoas de esquerda. Isto faz provavelmente delas pessoas tendencialmente "conservadoras". Tirando este principio muito vago e de uma plasticidade absoluta, é impossivel encontrar um denominador comum entre os varios tipos de "conservadores". Os americanos, ou a maior parte deles, declaram-se partidarios dos valores éticos, economicos e politicos dos miticos "founding fathers", que eram supostamente colonos em busca de liberdade religiosa e de possibilidades de construir uma nova vida num pais aberto a todos (menos aos selvagens, claro). Portanto eram em favor da igualdade. Eram "conservadores" se quisermos, mas obviamente a ultima coisa que queriam era voltar à ordem antiga do poder colonial. Os conservadores britânicos ja não correspondem a esta definição. Quanto a paises como a França, a Italia, ou a Alemanha, não se vislumbra nenhuma força politica com força significativa que se assuma abertamente como "conservadora". Isto significa que nesses paises não existe direita ? Julgo que não.

3. Mas o que mais me choca nesta maneira de procurar reduzir as grandes opções politicas ao apego a principios irreconciliaveis de ética individual, é que ela é o toque a finados da politica. Curiosamente, trata-se de uma maneira um pouco "direitista" (no sentido caricatural do termo) de conceber a luta politica, naturalizando as posições de uns e outros. Nos, os de esquerda, seriamos genuinamente - talvez mesmo genéticamente - pessoas abertas, com empatia, amigos dos amigos, generosos e tolerantes. O nossa ética pessoal penderia naturalmente para o bem. As pessoas de direita, pelo contrario, seriam intrinsecamente egoistas, desconfiadas, ciosas de proteger o seu pedaço de terra e naturalmente avessas à inovação e às coisas que vêm de fora. Esta visão esquematica, maniqueisra não leva a lado nenhum, na minha opinião. O que constato, pelo contrario, é que as pessoas de esquerda e de direita, que por hipotese vivem na mesma sociedade, têm muito mais pontos de concordância do que pensamos. Por exemplo, subscrevem muitos mais principios comuns do que a peça deixa entrever. Isto é também verdade à esquerda. Quantas criticas dirigidas à esquerda por pessoas de direita, embora tivessem sido disqualificadas na altura, acabaram por revelevr-se certeiras ? O que seria a esquerda hoje, a não ser um grupo de dinosauros em vias de extinção, se não tivesse integrado estas criticas para refomular os seus principios. Isto é uma evidência, pelo menos para mim. E é também uma evidência em relação à direita.

Um abraço

Miguel Madeira disse...

A respeito dos "consevadores": Russell Kirk, no seu "The Conservative Mind", parece considerar os conservadorismos norte-americano e britânico como sendo quase a mesma coisa (e Robert Nisbett, no seu "O Conservadorismo"[pdf] vai mais longe e mete mesmo tudo ao molho - não apenas Barry Goldwater junto com Edmund Burke ou Disraeli, mas também Joseph de Maistre e Louis de Bonald); mas o conservadorismo norte-americano tem o problema que Hayek escreveu no seu "Why I am not a Conservative": "There is nothing corresponding to this conflict in the history of the United States, because what in Europe was called “liberalism” was here the common tradition on which the American polity had been built: thus the defender of the American tradition was a liberal in the European sense. This already existing confusion was made worse by the recent attempt to transplant to America the European type of conservatism, which, being alien to the American tradition, has acquired a somewhat odd character. " (no contexto, o "recent attempt" parece referir-se a Russel Kirk, à National Review e a esse pessoal): dá-me a ideia que no contexto norte-americano, a palavra "conservador" é usado por vezes num sentido quase idêntico ao que no resto do mundo se diria liberal - "governo pequeno", "mercado livre", etc, e outras vezes num sentido mais similar ao europeu (autoridade, família, religião, lei-e-ordem, etc.); esses dois sentidos não são necessariamente opostos, mas também não são necessariamente coincidentes (ainda sobre este assunto - a influência do conservadorismo europeu tradicional no conservadorismo norte-americano surgido nos anos 50 e 60, acho que é interessante o texto de Murray Rothbard, um liberal - no sentido europeu - radical, The Transformation of the American Right [pdf], para ver a divisões que apareceram na direita dos EUA nos anos 60 - ainda que em muitos pontos o próprio Rothbard tenha dado anos depois uma volta de 180º).

Quanto à Europa continental, raramente há movimentos políticos chamados "conservadores", mas a "democracia-cristã" (e alguns movimentos especificamente nacionais, como o gaullismo em França) acaba por largamente ocupar o mesmo espaço (e se nos guiarmos pela forma como os partidos se alinham no Parlamento Europeu e as votações que têm, o PPE democrata-cristão e os "Conservadores e Reformistas" parecem ter mais apoio do que a ALDE liberal).

Mas uma coisa que eu estava mesmo a pensar era exatamente que outra complicação adicional a esta conversa é a quase inexistência, na Europa continente, a nível intelectual (em contraste com a nivel partidário-eleitoral) de qualquer coisa entre o liberalismo e a extrema-direita (a fascista e a reacionaria trono-e-altar). Por exemplo, na escola aprendemos (explicita ou implicitamente) o que é o liberalismo (pelo menos, as Revoluções Liberais fazem parte do programa), o socialismo e o fascismo, mas imagino que uma pessoa possa ir até ao 12º ano e não aprender nada sobre o conservadorismo como ideologia (eu para perceber o que era o conservadorismo tive que comprar o tal livro do Nisbet - em 1992 ainda não estava provavelmente online). E há a tendência para os políticos conservadores serem metidos ou no saco do liberalismo (caso sejam liberais na economia e democratas, como Thatcher ou Reagan) ou no saco do fascismo (caso sejam autoritários, como Salazar ou Franco).

Acho que pode levar-nos a exagerar a ideia que a direita não extrema tem como principio a liberdade e igualdade formais (o liberalismo sim; mas mesmo o conservadorismo moderno e democrático é mais "pois, no geral sim, até porque é o mundo em que vivemos, mas...").

joão viegas disse...

Obrigado pelo comentario,

Mas, meu caro Miguel, acho que não estamos assim tão longe de dizer a mesma coisa. Tu proprio admites que é comum as pessoas porem as coisas mais dispares debaixo da bandeira "conservadorismo". Se a palavra tem algum sentido, ela remete para o apego à ordem antiga. Ora isto é por definição variavel, depende dos paises. Para além disso, ha mais uma fonte de confusão : as regras mais "progressistas" têm muitas vezes raizes antigas e que é possivel ir buscar antecipações dessas regras ao passado.

Aceito perfeitamente que a historia intelectual seja feita de alianças inverosimeis e de influências e trajectorias improvaveis. Leo Strauss, Jacques Ellul e tantos outros, fascinam à esquerda e à direita. Isto é para mim evidente.

Agora de um ponto de vista sociologico, julgo que a maioria das pessoas que votam à direita distanciam-se muito claramente de um Joseph de Maistre ou mesmo de um E. Burke (o que não significa que não os leiam e não os admirem, eu também os leio...). As posições politicas, as reinvidicações concretas, mesmo as dos partidos de direita mais afastados do liberalismo economico "puro", como os Gaulistas em França, ou a Democracia cristã, aderem completamente à cartilha do liberalismo politico (= igualdade perante a lei, protecção das grandes liberdades associadas ao Estado de Direito, individuais e mesmo colectivas, etc.). Isto parece-me ser verdade, tanto a nivel nacional, como a nivel europeu. A nivel europeu, não me parece, por exemplo, que o PPE ponha em causa a referência dos tratados à CEDH.

Que eles alinhem por vezes na pratica com "conservadores" muito mais radicais (e muitos menos "liberais" em quase todos os sentidos) é uma coisa, mas julgo que é um abuso dizer que eles aceitam as ideias destes ultimos. Pelo menos não conheço nenhuma estudo que dê base a esta afirmação. No entanto, julgo que não é dificil encontrar dados que mostram que a maioria das pessoas que votam à direita continua a aceitar os grandes principios politicos "liberais". A peça que refere o João Vasco não me parece autorizar uma afirmação contraria, muito francamente.

Esta forma de "liberalismo" politico não se coaduna necessariamente, à direita, com um liberalismo economico instransigente, de tipo escola de Chicago. Concordo perfeitamente com isso, sem que tal signifique que quem tem reservas (à direita) em relação ao neo-liberalismo economico deva necessariamente ser considerado como um "conservador".

Um abraço

João Vasco disse...

Olá João Viegas,

(1 e 2) Concordo completamente que a terminologia "liberal/conservador" não é adequada para caracterizar a esquerda e a direita, e muito menos na Europa. Aliás, o termo "liberal" pode ser usado de maneira tão ampla, que até já tivemos o saudoso Arroja a defender que o Salazar era muito mais liberal que qualquer governante actual.

Mas por muito problemáticos que sejam esses termos, nos EUA eles têm um significado claro para a esmagadora maioria da população. A população que responde a esse inquérito identifica "liberal" com esquerda e "conservative" com direita.

Quando eles fazem o mesmo estudo fora dos EUA, eu assumo (na altura cheguei a ler em diagonal o artigo, mas não me lembro de detalhes) que traduzem "liberal" para um termo semanticamente análogo na realidade política em questão. O termo português "liberal" não é semanticamente análogo ao termo americano "liberal" porque as tradições políticas recentes trouxeram associações muito diferentes aos termos.

(3) Também não me parece justo dizer que os resultados apresentados pintam um quadro maniqueísta da realidade. Sim, a direita aparece como defendendo três tipos de valores morais que a mim me parecem moralmente errados. Mas isso é porque eu sou de esquerda. Tanto é verdade que muita direita não se sente insultada por alguém dizer que eles defendem aqueles valores, que o próprio palestrante - que claramente partilha de alguns - faz um discurso sobre a importância que eles têm para uma cooperação em maior escala e a existência de sociedades complexas e prósperas.

Será justo, no entanto, e eu próprio o afirmo, dizer que estes resultados apresentam um retrato muito redutor e incompleto da realidade e do pensamento político.

Mas que existem convicções morais diferentes (e, ao contrário do que o comentário anterior sugere, nada da palestra sugere uma origem genética para essa diferença de convicções - até é sugerido o oposto) parece-me algo que os dados apresentados demonstram com clareza, e recusá-lo é querer ignorar observações importantes para manter convicções por elas desafiadas.

Isso não implica que o debate e outras formas de interacção não possam aproximar os valores uns dos outros. Reconhecer as diferenças de valores e princípios que existem à partida não implica assumi-las como imutáveis e muito menos rejeitar a política como forma de tomar decisões em conjunto.


(4) Por fim, relacionando estes dados com o que estava em discussão, creio que acreditar profundamente na importância da autoridade é algo que revela menos apreço quer pela liberdade "substancial", quer pela liberdade "formal".

Outros dados no mesmo sentido:

«Qual é que pensa que é a característica mais desejável numa criança:

a) "Independência" ou "Respeito pelos mais velhos"?
b) "Curiosidade" ou "Boas maneiras"?
c) "Ter empatia e consideração pelos outros" ou "Ser bem comportado"?»

Se a direita em todos os casos valoriza mais a segunda opção do que a esquerda (e isto não é um insulto: a generalidade das pessoas de direita não contesta este facto), então o que está em causa não é um apreço maior pela liberdade formal do que substancial, mas sim um maior apreço pela autoridade.

A ilusão de que isso não é assim surge por confundir o pensamento político à direita, que ocupa um espaço conceptual muito mais vasto e de forma muito mais uniforme do que aquele que, na prática, o grosso do seu eleitorado professa.



Miguel Madeira disse...

«Por fim, relacionando estes dados com o que estava em discussão, creio que acreditar profundamente na importância da autoridade é algo que revela menos apreço quer pela liberdade "substancial", quer pela liberdade "formal".»

Há uma maneira de unificar a defesa da liberdade "formal" e da autoridade - é argumentar (e isso é um tema frequente em muitas sínteses liberais-conservadoras) que o mal de um Estado grande e interventor é exatamente porque enfraquece a autoridade na família/empresa/escola/igreja/comunidade local ("já não se pode dar uma chapada numa criança mal comportada", "as novas leis tiram a autoridade toda aos professores", "mesmo que eu saiba que um funcionário passa o dia a jogar no computador, estou de mãos atadas - a lei nem me deixa consultar os registos informáticos dele", "já não há incentivo nenhum para as pessoas comportarem-se como pessoas normais - antigamente as pessoas tinham que trabalhar, o que significava que tinham que se integrar na sociedade e adotar as suas regras, mas agora há subsídios para tudo e para nada", "os hospitais públicos fazem parte de uma campanha para atacar a religião, esvaziando o papel das misericórdias", etc. etc.). No fundo, mais ou menos a mesma coisa que a esquerda diz, mas virada ao contrário em termos de juízos de valor (uma curiosidade - eu partilhei este artigo do Krugman num grupo do Fcebook com gente mesmo muito para a direita [ok, muito mais à direita do que o João Viegas está a falar, portanto talvez não seja um bom exemplo] e o que eles disserem fui na linha de "finalmente concordo com uma coisa do Krugman").

Uma curiosa inversão tem vindo da alt-right, onde, na sequência do banimento de muitos do facebook/twitter/etc., têm aparecido vozes a defender uma maior regulação do Estado sobre as redes sociais (ou até a sua nacionalização!) para defender a "liberdade de expressão" contra a "censura" - que é a completa inversão da posição tradicional à direita (defender a autoridades sociais intermédias contra a intervenção do Estado central).

Miguel Madeira disse...

A titulo de curiosidade, o que li ontem num blogue meio alucinado que às vezes visito (o autor parecia-me de extrema-direita e apoiou o Trump, mas entretanto parece que se tornou fã do Bernie Sanders:

http://akinokure.blogspot.com/2019/01/bernie-is-most-populist-socialist-not.html

But words mean whatever the language community's consensus is at the time and place that they're being used. You can't re-define words and expect everyone else to go along with it.

And right now, in probably every country where there's a word for "left," it refers to identity politics rather than class politics. It means supporting a coalition of certain marginalized identity groups -- people of color, women, gays, foreigners, etc. (Other marginalized identities fall under "right" ID-pol -- founding stock natives, heterosexual men, etc.)

"Left" does not mean wanting to break up the cartels that run our society, wanting labor unions to play a stronger role in the economy, seeking government protection for certain industries, and so on.

Like it, or don't like it, but that's what it means.

It's no different for "right" or "conservative". Everyone understands that to refer to culture-war topics, not so much to deregulation, tax cuts, military expansion, and the rest of their material agenda.


Eu acho que ele está a exagerar (sobretudo com o «in probably every country where there's a word for "left,"» - em qualquer país europeu, hoje em dia, a discussão continua a andar mais à volta da economia do que dos "costumes" [e se calhar ao escrever isto estou a contrariar o que escrevi no post...]), mas é indicador que em certos meios e países "esquerda" e "direita" é associada sobretudo às opiniões sobre "temas fraturantes" (ou talvez tanto as opiniões do Daniel Oliveira como do "agnostic" - o autor desse blogue - sejam o resultado tanto de em Portugal não existir uma direita significativa que ponho o conservadorismo social como bandeira principal, como de nos EUA até há pouco tempo também não existir uma esquerda significativa com um programa económico "socialista")

joão viegas disse...

Ola,

Se me permitem, penso que continuamos a misturar de forma abusiva duas coisas muito diferentes.

Uma coisa são os comportamentos sociais, que incluem os posicionamentos em relação a questões de sociedade. Não é facil fazer inquéritos fiaveis nesta matéria (o que quer dizer "respeitar a autoridade", achar normal que a policia reprima manifestantes, ou aplaudir quando o juiz condena a fraude fiscal, ou quando o inspector do trabalho investiga a infracção à legislação laboral ?). Nesta matéria, posso admitir que, tendencialmente, as pessoas que votam à direita têm comportamentos que revelam um maior conformismo do que as pessoas que votam à esquerda. Tal não me supreende. No entanto, é abusivo partir desta constatação para defender que as pessoas que votam à direita vão sistematicamente assumir posições politicas reaccionarias. E alias, é relativamente desmentido pelos factos : na pratica, os conformistas aceitam muitas vezes a nova norma passado algum tempo. Veja-se por exemplo o que se passa com o aborto, com a repressão das discriminações racistas, etc.

Outra coisa, completamente diferente, é a discussão das ideias (não dos comportamentos). Uma pessoa que tem comportamentos tendencialmente conservadores é perfeitamente acessivel a ideias progressistas, e o inverso também é verdadeiro. Quando me perguntam o que é que caracteriza a esquerda, penso que me perguntam o que pode servir de denominador comum às reivindicações (ideais) da esquerda. Julgo que ninguém espera uma resposta do tipo : o que define a esquerda é que as pessoas de esquerda usam menos gravata e que vão menos passear para Cascais... Ainda bem que a discussão politica não se resume a isso. Seria preocupante que o fizesse.

Ora, no plano das ideias, a palavra "liberdade" tem o mesmo campo semântico em Portugal e nos EUA. Ca também existe o sentido de "generoso" ou "prodigo". Basta pensar no que são as "liberalidades". Para além disso julgo que a oposição "liberalismo"/”autoritarismo" esta tão longe de representar a linha de separação entre esquerda e direita deste lado do Atlântico como do lado de la. Esta questão é relativamente pacifica, hoje. Com efeito, a esmagadora maioria das pessoas so aceita a autoridade como vector para uma maior expressão das liberdades. Nesse sentido vivemos todos (bom, quase todos) em sociedades "liberais", ou que pelo menos se afirmam "liberais". Ainda bem.

(Continua)

joão viegas disse...

(Continuação do comentario anterior)

O que eu digo é que, tanto em relação às liberdades publicas, como em relação à igualdade, a direita tem tendência a contentar-se com garantias formais, meramente juridicas, com direitos proclamados no papel, assumindo que isto chega para que as pessoas tenham, de facto, as mesmas possibilidades de as exercer, ou de beneficiar dessas liberdades em condições de igualdade. Pelo contrario, a esquerda põe a tonica na reunião concreta de condições materiais que permitam de facto o exercicio, por todos (e não apenas por alguns), dessas liberdades em igualdade.

A isto é que eu chamo : exigência de liberdade e/ou igualdade efectivas, ou substancial, por contraposição a uma visão mais formalista, que não so acha que não é necessario irmos ver se as condições materiais (nomeadamente economicas) estão reunidas para que as liberdades e os bens sejam repartidos de forma equitativa, mas também que a procura da igualdade efectiva e das condições materiais que permitem o exercicio das liberdades por todos, acaba por ser prejudicial, ou porque na verdade beneficia mais a uns do que outros, ou porque inibe a criação de riqueza, diminuindo por conseguinte o bolo a repartir. Diga-se de passagem que não disqualifico os argumentos da direita por principio. Se, de facto, a procura da igualdade efectiva acabasse por criar mais desigualdades, haveria uma obvia contradição e considero que não devemos recusar um debate rigoroso sobre o assunto. Por exemplo, a quem é que beneficia o serviço publico de educaçéao de forma concreta ? Não sera importante irmos ver na pratica ? Quanto a mim é.

Eis porque tendo a concordar com o Daniel Oliveira, quando ele diz que a linha de separação das aguas, entre esquerda e direita, tem a ver, principalmente (mas não exclusivamente), com questões de politica economica.

Um abraço