25/09/13
Panopticon
por
Pedro Viana
Pan-óptico é um termo criado por Jeremy Bentham, em 1785, para designar um edifício cuja estrutura permite a observação contínua, por apenas uma pessoa, de todos aqueles que se encontram no seu interior. Inicialmente defendido no contexto prisional, foi depois proposta a sua aplicação em qualquer situação em que houvesse interesse na existência de vigilância contínua no interior dum edifício (escola, fábrica, asilo, etc.).
Em 1975, Michel Foucault retoma o conceito na sua obra Vigiar e Punir (original em francês, traduzido para português e inglês), Terceira Parte: Disciplina, demonstrando que as estruturas de Poder na sociedade moderna requerem mecanismos que permitam:
"(…)em primeiro lugar, (…) obter o exercício do poder com o menor custo possível (economicamente, pela menorização da despesa envolvida, politicamente, por sua discrição, sua baixa exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que despertam); em segundo lugar, (…) elevar os efeitos deste poder social à sua intensidade máxima e estendê-los, tanto quanto possível, sem que nenhum fracasso ou intervalo ocorra; em terceiro lugar, (…) ligar esse crescimento "económico" do poder com a produtividade dos aparelhos (educacional, militar, industrial ou médico) no interior dos quais é exercido; em resumo, para aumentar tanto a docilidade como a utilidade de todos os elementos do sistema.(…)"
Estes mecanismos foram sendo constituídos, e testados, com o advento do Capitalismo, sendo dele indissociáveis:
"Se a descolagem económica do Ocidente começou com as técnicas que possibilitaram a acumulação de capital, pode-se dizer, talvez, que os métodos para administrar a acumulação de homens permitiram um avanço político em relação às tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas, formas de poder, que logo caíram em desuso e foram substituídos por uma subtil e calculada tecnologia de sujeição. De facto, os dois processos - a acumulação de homens e a acumulação de capital - não podem ser separados; não teria sido possível resolver o problema da acumulação de homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz de simultaneamente os sustentar e utilizar; inversamente, as técnicas que fizeram a acumulação de homens útil aceleraram a acumulação de capital. A um nível menos geral, as mutações tecnológicas do aparelho de produção, a divisão do trabalho e a elaboração das técnicas disciplinares sustentaram um conjunto de relações muito próximas (cf. Marx , Capital , vol. 1 , capítulo XIII e a análise muito interessante em Guerry e Deleule). Cada torna possível o outro e necessário; cada fornece um modelo para o outro. A pirâmide disciplinar constituiu a pequena célula de poder no qual a separação, coordenação e supervisão das tarefas foi imposta e tornada eficiente; e a partição analítica do tempo, os gestos e as forças corporais constituíram um esquema operacional que poderia ser facilmente transferido dos grupos a serem submetidas aos mecanismos de produção; a projeção maciça de métodos militares na organização industrial foi um exemplo desta modelização da divisão do trabalho seguindo o modelo estabelecido pelo esquema de poder. (...) Digamos que a disciplina é a técnica unitária através da qual o corpo é reduzido como força 'política' ao menor custo e maximizado como força útil. O crescimento de uma economia capitalista deu origem à modalidade específica do poder disciplinar cujas fórmulas genéricas, técnicas para submeter forças e corpos, em suma, "anatomia política", podiam ser implementadas sob os mais diversos regimes políticos, aparelhos ou instituições."
Passados quase 40 anos, essas estruturas de Poder alcançaram uma capacidade de observação, condicionamento (a interiorização de que estamos a ser continuamente observados induz a auto-censura inconsciente, a conformidade perante o que é esperado de nós pelo sistema de Poder prevalecente) e controlo (através da identificação precoce de "nodos" no sistema - pessoas, grupos, eventos - que potencialmente poderão vir a abalar as estruturas de Poder) cujo âmbito para já apenas conseguimos conhecer de modo fragmentado.
24/09/13
João Viegas no Vias de Facto
por
Miguel Serras Pereira
João Viegas dispensa apresentações junto dos leitores habituais deste blogue. Com efeito, acompanhou-o desde o iníco, tendo assinado nas caixas de comentários do Vias textos que contribuíram sempre para alimentar e elevar o nível do debate, dada a sua consumada arte no "uso público da razão". Jurista de formação, o seu entendimento do direito nunca o faz esquecer, ao contrário do que se passa com muitos e desvairados "especialistas analfabetos" e/ou "profissionais" da "classe política", que, como dizia Alexandre O'Neill, a água não nasce nas torneiras, do mesmo modo que, como noutro poema o mesmo autor lembrava também, as andorinhas não puxam carroças.
A boa notícia é que, doravante, o João Viegas se junta à tripulação do Vias de Facto e promete para breve a publicação de um primeiro post na sua nova qualidade de membro da nossa indómita conspiração dos iguais.
A boa notícia é que, doravante, o João Viegas se junta à tripulação do Vias de Facto e promete para breve a publicação de um primeiro post na sua nova qualidade de membro da nossa indómita conspiração dos iguais.
António Ramos Rosa (1924-2013)
por
Miguel Serras Pereira
Não posso adiar o amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração.
Viagem Através de uma Nebulosa, 1960.
23/09/13
Crítica a um texto do João Bernardo
por
Pedro Viana
O comentário que o Miguel Serras Pereira deixou a este post do João Valente Aguiar, resume globalmente muito do que tenho afirmado, a propósito dos textos do João Bernardo (JB, doravante) sobre o ecologismo, em comentários deixados em alguns dos posts que aqui no Vias de Facto recentemente abordaram o assunto. No entanto, achei que seria igualmente importante contestar algumas das afirmações e teses defendidas pelo JB no texto que motivou o post do João Valente Aguiar acima mencionado.
Diz-nos JB que a agricultura convencional é mais produtiva, quiçá da ordem de 20% mas com grande incerteza, que a agricultura orgânica (que em Portugal se designa por biológica). E que devido a este diferencial, a opção pela agricultura biológica em detrimento da agricultura convencional condenaria à fome e à morte milhões pelo mundo inteiro.
Em primeiro lugar, convém salientar, mais uma vez, que não há nada no ecologismo que exija a opção pela agricultura biológica em detrimento da convencional. Se um ecologista restringir a sua análise aos impactos locais do modo de produção agrícola, e se convencer-se de que a agricultura convencional é realmente mais produtiva, ou seja de que precisa de menos terra para produzir o mesmo que a agricultura biológica, então pode perfeitamente concluir que apesar da agricultura convencional degradar em muito maior grau os ecossistemas locais, globalmente permite a conservação integral dum maior número de ecossistemas porque precisa de menos terra. Por variadas razões, não é essa a opnião da grande maioria dos ecologistas. Apenas quero com este exemplo salientar, mais uma vez, a definição muito peculiar que JB tem do ecologismo. Acontece que, tal como as opiniões partilhadas pela maioria daqueles que se designam por comunistas não definem o que é, ou que pode ser, o comunismo (será o comunismo o que defendem os militantes do PCP, de longe o maior grupo de auto-denominados comunistas em Portugal?…), também as opiniões prevalecentes entre ecologistas não definem o ecologismo.
Em segundo lugar, dando de barato que a agricultura biológica é realmente menos produtiva que a agricultura convencional no curto prazo, convém não esquecer que a segunda é um dos principais responsáveis pela contínua degradação do solo. Nesta entrevista, por exemplo, que sintetiza bem a actual situação, mas muitos outros documentos estão disponíveis sobre o tema, pode-se ler:
"A rough calculation of current rates of soil degradation suggests we have about 60 years of topsoil left. Some 40% of soil used for agriculture around the world is classed as either degraded or seriously degraded – the latter means that 70% of the topsoil, the layer allowing plants to grow, is gone. Because of various farming methods that strip the soil of carbon and make it less robust as well as weaker in nutrients, soil is being lost at between 10 and 40 times the rate at which it can be naturally replenished. Even the well-maintained farming land in Europe, which may look idyllic, is being lost at unsustainable rates."
Como se pode ler no final da entrevista mencionada, a solução para este problema passa pela integração nas práticas agrícolas correntes dos princípios fundadores da agricultura biológica: implementação de medidas de protecção dos ecossistemas, o que passa pela redução severa na utilização de pesticidas; uso de adubos de origem orgânica; prática mista de agricultura e pecuária, e diversificação das espécies plantadas; precaução na utilização de meios mecânicos, principalmente do ponto de vista do seu impacto nas camadas mais superficiais do solo.
Portanto, quando falamos de productividade ou eficiência económica, não nos podemos cingir ao curto prazo, sob o risco de as consequências que se pretendem evitar hoje, se façam sentir com muito mais intensidade num futuro próximo. Sendo a sustentabilidade um dos princípios básicos do ecologismo, não deixa de ser estranho que JB não lhe digne uma linha.
Diz-nos JB que a agricultura convencional é mais produtiva, quiçá da ordem de 20% mas com grande incerteza, que a agricultura orgânica (que em Portugal se designa por biológica). E que devido a este diferencial, a opção pela agricultura biológica em detrimento da agricultura convencional condenaria à fome e à morte milhões pelo mundo inteiro.
Em primeiro lugar, convém salientar, mais uma vez, que não há nada no ecologismo que exija a opção pela agricultura biológica em detrimento da convencional. Se um ecologista restringir a sua análise aos impactos locais do modo de produção agrícola, e se convencer-se de que a agricultura convencional é realmente mais produtiva, ou seja de que precisa de menos terra para produzir o mesmo que a agricultura biológica, então pode perfeitamente concluir que apesar da agricultura convencional degradar em muito maior grau os ecossistemas locais, globalmente permite a conservação integral dum maior número de ecossistemas porque precisa de menos terra. Por variadas razões, não é essa a opnião da grande maioria dos ecologistas. Apenas quero com este exemplo salientar, mais uma vez, a definição muito peculiar que JB tem do ecologismo. Acontece que, tal como as opiniões partilhadas pela maioria daqueles que se designam por comunistas não definem o que é, ou que pode ser, o comunismo (será o comunismo o que defendem os militantes do PCP, de longe o maior grupo de auto-denominados comunistas em Portugal?…), também as opiniões prevalecentes entre ecologistas não definem o ecologismo.
Em segundo lugar, dando de barato que a agricultura biológica é realmente menos produtiva que a agricultura convencional no curto prazo, convém não esquecer que a segunda é um dos principais responsáveis pela contínua degradação do solo. Nesta entrevista, por exemplo, que sintetiza bem a actual situação, mas muitos outros documentos estão disponíveis sobre o tema, pode-se ler:
"A rough calculation of current rates of soil degradation suggests we have about 60 years of topsoil left. Some 40% of soil used for agriculture around the world is classed as either degraded or seriously degraded – the latter means that 70% of the topsoil, the layer allowing plants to grow, is gone. Because of various farming methods that strip the soil of carbon and make it less robust as well as weaker in nutrients, soil is being lost at between 10 and 40 times the rate at which it can be naturally replenished. Even the well-maintained farming land in Europe, which may look idyllic, is being lost at unsustainable rates."
Como se pode ler no final da entrevista mencionada, a solução para este problema passa pela integração nas práticas agrícolas correntes dos princípios fundadores da agricultura biológica: implementação de medidas de protecção dos ecossistemas, o que passa pela redução severa na utilização de pesticidas; uso de adubos de origem orgânica; prática mista de agricultura e pecuária, e diversificação das espécies plantadas; precaução na utilização de meios mecânicos, principalmente do ponto de vista do seu impacto nas camadas mais superficiais do solo.
Portanto, quando falamos de productividade ou eficiência económica, não nos podemos cingir ao curto prazo, sob o risco de as consequências que se pretendem evitar hoje, se façam sentir com muito mais intensidade num futuro próximo. Sendo a sustentabilidade um dos princípios básicos do ecologismo, não deixa de ser estranho que JB não lhe digne uma linha.
Vários momentos, o momento: as relações laborais no país da austeridade
por
Zé Nuno Matos
Em Portugal, o período de férias é conhecido por silly season,
um termo representativo de algumas notícias e debates acerca de temas
e/ou acontecimentos de pouca relevância, que noutra altura do ano nem
sequer viriam a público. O conceito é, por isso, útil, na medida em que
categoriza qualquer assunto como irrelevante, independentemente do seu
cariz. Este artigo parte exatamente de algumas peças de alegada
importância duvidosa e que suscitaram pouco ou nenhum debate. O tema
convocado é o trabalho, assinalando estas notícias pequenos momentos de
um momento total, desenvolvidos à sua medida e imagem, com poucas ou
mesmo nenhumas nuances.
Na primeira metade de 2013, menos 195
mil trabalhadores passaram a ter a sua condição laboral regulada por
contratos coletivos de trabalho, correspondendo ao valor mais baixo de
sempre. A redução, que no espaço de uma década atingiu os 80%, prende-se
não só com a diminuição do número de convenções coletivas publicadas
mas igualmente com o menor número de portarias de extensão. Herança de
um período em que o Estado procurava intervir de forma mais assertiva
nas empresas, estes dispositivos garantiam, como o próprio nome indica, a
extensão das regalias a trabalhadores não filiados nos sindicatos
signatários dessa convenção, assegurando desta forma a igualdade de
condições no setor. Impulsionada pela crescente ausência dos sindicatos
em empresas cada vez mais pequenas, logo, com um cada vez menor número
de trabalhadores – algo já diversas vezes aqui analisado (veja aqui)
– a diminuição do número de contratos coletivos apresenta contornos
interessantes. De acordo com fonte da União Geral de Trabalhadores,
verifica-se agora uma predominância de acordos de empresa e acordos
coletivos (celebrados por um grupo de empresas).
Continuar a ler no Passapalavra.
22/09/13
Afinal o que o PCP quer da Europa?
por
João Valente Aguiar
Em entrevista ao jornal "i", Pedro Carvalho, candidato da CDU à Câmara Municipal do Porto, responde à seguinte questão da jornalista:
«Honório Novo é o candidato da CDU à assembleia municipal. Acha que este apoio vai fazer a diferença na candidatura da CDU?
(...)
Ao trazer Honório Novo, trazemos o compromisso de intensificar o nosso trabalho na assembleia municipal. Ter a sua experiência de intervenção como deputado no Orçamento do Estado e nos fundos estruturais é importante. Estas áreas são centrais para nós, porque queremos captar mais investimento a nível central e mais investimento no quadro comunitário.»
Concordo totalmente que se defenda o reforço de fundos comunitários para o desenvolvimento regional e local. Porém, coloca-se a seguinte questão: qual a coerência de um partido que, em contexto eleitoral, defende a centralidade das transferências de verbas comunitárias mas que, programaticamente (vd. aqui e aqui) se orienta pela «dissolução da União Económica e Monetária»?
É certo que existe aqui um oportunismo eleitoral do PCP. As pessoas sabem perfeitamente que sem os fundos comunitários das últimas três décadas, as condições de vida ainda seriam piores do que já são. Desde as vias de comunicação, programas para a ciência, qualificação da força de trabalho, apoios ao investimento, etc. os fundos provenientes da União Europeia foram imprescindíveis para alguns traços de modernização da sociedade portuguesa. E os eleitores, mesmo os do PCP, sabem disso. No fundo, o partido que se orgulha de dizer que só tem uma cara para as questões europeias, nacionais e municipais, também é o partido que tem a lata eleitoralista de localmente defender a vinda de mais fundos europeus e, nacionalmente, assumir uma via política que acabaria com todo o afluxo de ajudas financeiras e de investimentos para Portugal.
Mas ainda mais importante do ponto de vista político é o facto de que esta linha política só demonstra o quanto as propostas mais nacionalistas e exclusivistas do PCP só fazem sentido em termos puramente ideológicos. Ou seja, em termos práticos e concretos, a reiterada defesa política de uma saída do euro não tem qualquer sustentabilidade real e só iria expandir a austeridade como já se demonstrou em diversos artigos (aqui, aqui e aqui). À pala de querer encontrar mais argumentos para convencer o eleitorado, e à pala de querer apresentar-se como uma força responsável e competente na gestão autárquica, o PCP mete os pés pelas mãos e acaba por assumir involuntária, incongruente mas implicitamente que sem Europa não haverá qualquer tipo de desenvolvimento económico e social possível.
À austeridade europeia, só a articulação europeia de reivindicações concretas por mais emprego, melhores salários e contra a precariedade poderá forjar um movimento social europeu e independente das nacionalidades. E de nacionalismos. Enquanto isso não acontecer, todos os trabalhadores europeus estarão sob o fogo cruzado da austeridade dos capitalistas e dos delírios nacionalistas da esquerda e da extrema-direita.
«Honório Novo é o candidato da CDU à assembleia municipal. Acha que este apoio vai fazer a diferença na candidatura da CDU?
(...)
Ao trazer Honório Novo, trazemos o compromisso de intensificar o nosso trabalho na assembleia municipal. Ter a sua experiência de intervenção como deputado no Orçamento do Estado e nos fundos estruturais é importante. Estas áreas são centrais para nós, porque queremos captar mais investimento a nível central e mais investimento no quadro comunitário.»
Concordo totalmente que se defenda o reforço de fundos comunitários para o desenvolvimento regional e local. Porém, coloca-se a seguinte questão: qual a coerência de um partido que, em contexto eleitoral, defende a centralidade das transferências de verbas comunitárias mas que, programaticamente (vd. aqui e aqui) se orienta pela «dissolução da União Económica e Monetária»?
É certo que existe aqui um oportunismo eleitoral do PCP. As pessoas sabem perfeitamente que sem os fundos comunitários das últimas três décadas, as condições de vida ainda seriam piores do que já são. Desde as vias de comunicação, programas para a ciência, qualificação da força de trabalho, apoios ao investimento, etc. os fundos provenientes da União Europeia foram imprescindíveis para alguns traços de modernização da sociedade portuguesa. E os eleitores, mesmo os do PCP, sabem disso. No fundo, o partido que se orgulha de dizer que só tem uma cara para as questões europeias, nacionais e municipais, também é o partido que tem a lata eleitoralista de localmente defender a vinda de mais fundos europeus e, nacionalmente, assumir uma via política que acabaria com todo o afluxo de ajudas financeiras e de investimentos para Portugal.
Mas ainda mais importante do ponto de vista político é o facto de que esta linha política só demonstra o quanto as propostas mais nacionalistas e exclusivistas do PCP só fazem sentido em termos puramente ideológicos. Ou seja, em termos práticos e concretos, a reiterada defesa política de uma saída do euro não tem qualquer sustentabilidade real e só iria expandir a austeridade como já se demonstrou em diversos artigos (aqui, aqui e aqui). À pala de querer encontrar mais argumentos para convencer o eleitorado, e à pala de querer apresentar-se como uma força responsável e competente na gestão autárquica, o PCP mete os pés pelas mãos e acaba por assumir involuntária, incongruente mas implicitamente que sem Europa não haverá qualquer tipo de desenvolvimento económico e social possível.
À austeridade europeia, só a articulação europeia de reivindicações concretas por mais emprego, melhores salários e contra a precariedade poderá forjar um movimento social europeu e independente das nacionalidades. E de nacionalismos. Enquanto isso não acontecer, todos os trabalhadores europeus estarão sob o fogo cruzado da austeridade dos capitalistas e dos delírios nacionalistas da esquerda e da extrema-direita.
21/09/13
Beijos e estrelas
por
Zé Nuno Matos
As imagens de deputados e deputadas italianas aos beijos têm percorrido o mundo. O motivo, a aprovação de uma lei que pretende penalizar a homofobia e a transfobia, é mais que justo. Os seus protagonistas, contudo, deixam muito a desejar. A responsabilidade da iniciativa partiu do grupo parlamentar do Movimento 5 Estrelas, liderado pelo comediante Beppe Grillo, que nas últimas legislativas obteve um enorme sucesso eleitoral. A sua agenda «progressista» e «moralizante» , com todas as causas já conhecidas (limitação dos mandatos, fim dos privilégios a políticos, aumento da participação via referendos e participação online, entre outros), parece apenas limitar-se a algumas áreas.
Além da proximidade com elementos de extrema-direita e de frequentes comentários anti-semitas, Grillo tem sido responsável por declarações políticas contra a imigração. A primeira, em 2007, quando no seu blog terá escrito o seguinte: "Um país não pode viver além de seus meios. Um país não pode jogar sobre os ombros de seu próprio povo, os problemas causados por dezenas de milhares de ciganos da Roménia que chegam a Itália". A segunda, em 2011, quando classificou como não prioritária a atribuição de cidadania a imigrantes. De resto, é importante mencionar que o programa eleitoral do Movimento 5 Estrelas, cuja adesão é reservada a cidadãos italianos, não incluía qualquer menção ao assunto da imigração no seu programa.
Aparentemente, os únicos lábios a beijar devem ser nacionais.
20/09/13
Liberace reloaded, ou o kitsch a reanimar a pátria
por
João Valente Aguiar
Há uns meses atrás e por indicação de um amigo tomei conhecimento com o cantor Liberace, figura cimeira da cena musical norte-americana dos anos 60 e 70. Liberace apresentava-se então como um tipo específico de síntese entre luxo, kitsch e futilidade.
Esta fusão exuberante pode parecer apenas uma mera excentricidade de uma estrela. Mas a verdade é que as estrelas mediáticas só se constituem como modelos sociais na medida em que produzem mas também espelham aspirações e representações do cidadão comum. Nesse sentido, a figura de Liberace ultrapassou em muito a sua obra musical e é representativa de um tipo social maneirista e que hoje surge em diversas personagens públicas.
A este propósito o caso da figura de Joana Vasconcelos no campo das artes plásticas e da personagem Liliane Marise, personagem de uma telenovela que se tornou igualmente num sucesso de vendas discográficas.
Num caso, uma versão feminina e nacionalista de Liberace que liga as elites a um público desejoso de reconhecimento cultural. No outro, uma versão popularucha da artista que utiliza o calão e a boçalidade para granjear simpatia.
Num caso, a reconstrução da nação portuguesa a partir de um rococó pós-moderno. No outro, a reconstrução do cidadão português genuíno, com um discurso cheio de erros de linguagem e que faz da superficialidade uma cartilha de actuação quotidiana.
Num caso, o resgate de determinados traços tradicionalistas e historicamente selectivos numa linguagem formal espampanante e ostentatória. Se os trabalhadores que se identificam com uma mirífica classe média e que até há pouco viam na respeitabilidade das classes dominantes um factor de desenvolvimento do país, hoje com a austeridade, porque não poderiam substituir essa confiança nas elites respeitáveis na busca saudosista de uma pátria perdida nos confins do tempo e que só o kitsch poderá dar sentido?
No outro, a elevação de um suposto sujeito popular português a personagem televisiva. Se os trabalhadores que consomem novelas não se reconhecem como trabalhadores, porque não aproveitar para personificar expectativas e recreá-las na televisão? Não se enchem as algibeiras nem a barriga dos trabalhadores mais pobres, mas ao menos os olhinhos e as meninges são reconfortados com uma visão distorcida deles mesmos.
No fundo, personagens que não são mais do que uma recriação da aldeia mais portuguesa de Portugal em carne e osso. Se a nação portuguesa somos todos nós, porque não aproveitar as figuras que estão aí à mão de semear? Em tempo de crise económica e de destruição de empregos, redução de salários e precarização da vida, nada melhor do que uma portugalidade personalizada para nos confortar no regaço da pátria.
O kitsch nunca foi tão nosso.
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Liberace |
Esta fusão exuberante pode parecer apenas uma mera excentricidade de uma estrela. Mas a verdade é que as estrelas mediáticas só se constituem como modelos sociais na medida em que produzem mas também espelham aspirações e representações do cidadão comum. Nesse sentido, a figura de Liberace ultrapassou em muito a sua obra musical e é representativa de um tipo social maneirista e que hoje surge em diversas personagens públicas.
A este propósito o caso da figura de Joana Vasconcelos no campo das artes plásticas e da personagem Liliane Marise, personagem de uma telenovela que se tornou igualmente num sucesso de vendas discográficas.
Num caso, uma versão feminina e nacionalista de Liberace que liga as elites a um público desejoso de reconhecimento cultural. No outro, uma versão popularucha da artista que utiliza o calão e a boçalidade para granjear simpatia.
Num caso, a reconstrução da nação portuguesa a partir de um rococó pós-moderno. No outro, a reconstrução do cidadão português genuíno, com um discurso cheio de erros de linguagem e que faz da superficialidade uma cartilha de actuação quotidiana.
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Joana Vasconcelos |
Num caso, o resgate de determinados traços tradicionalistas e historicamente selectivos numa linguagem formal espampanante e ostentatória. Se os trabalhadores que se identificam com uma mirífica classe média e que até há pouco viam na respeitabilidade das classes dominantes um factor de desenvolvimento do país, hoje com a austeridade, porque não poderiam substituir essa confiança nas elites respeitáveis na busca saudosista de uma pátria perdida nos confins do tempo e que só o kitsch poderá dar sentido?
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Liliane Marise |
No outro, a elevação de um suposto sujeito popular português a personagem televisiva. Se os trabalhadores que consomem novelas não se reconhecem como trabalhadores, porque não aproveitar para personificar expectativas e recreá-las na televisão? Não se enchem as algibeiras nem a barriga dos trabalhadores mais pobres, mas ao menos os olhinhos e as meninges são reconfortados com uma visão distorcida deles mesmos.
No fundo, personagens que não são mais do que uma recriação da aldeia mais portuguesa de Portugal em carne e osso. Se a nação portuguesa somos todos nós, porque não aproveitar as figuras que estão aí à mão de semear? Em tempo de crise económica e de destruição de empregos, redução de salários e precarização da vida, nada melhor do que uma portugalidade personalizada para nos confortar no regaço da pátria.
O kitsch nunca foi tão nosso.
“Ai Jesus que a agroecologia não é isso mas é isto e isto e o caralho”…
por
João Valente Aguiar
Contra os deferentes para com o genocídio que a agroecologia implicaria se fosse hegemónica, aqui fica a quarta parte do artigo do João Bernardo contra a ecologia.
«Pretendendo que a agricultura orgânica teria uma elevada produção medida em volume por área, Brian Halweil recordou, num artigo de 2006, que «um estudo recente elaborado por cientistas do Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica, na Suíça, mostrou que, num período de 21 anos, as explorações orgânicas eram só 20% menos produtivas do que as convencionais. Considerando mais de 200 estudos da América do Norte e da Europa, Per Pinstrup Andersen (professor em Cornell e galardoado com o World Food Prize) e alguns colegas chegaram recentemente à conclusão de que o rendimento da produção orgânica é de cerca de 80% do da produção convencional. E muitos estudos mostram uma diferença menor ainda». Nada poderia ser mais comprometedor do que esta argumentação, porque é hilariante ler que a agricultura orgânica é somente 20% menos produtiva do que a convencional. Em economia, percentagens destas ditam a vida ou a morte de instituições e sociedades. Se a agroecologia se convertesse em todo o mundo no sistema de cultivo predominante, ocasionando esta queda de produção por hectare, suscitaria uma catástrofe alimentar sem precedentes, não só directamente, pela diminuição do volume de alimentos, mas também indirectamente, pela enorme subida que provocaria no preço dos bens agrícolas, o que os colocaria fora do alcance de uma grande parte da população.»
(...)
«Começo pela alegada perda de biodiversidade, e como hoje se menciona a questão a propósito de tudo e de nada vale a pena conhecer-lhe a génese. Bjørn Lomborg esclareceu que em 1979 o ecologista Norman Myers estabelecera, sem citar referências, que até ao começo do século XX ficava extinta uma espécie em cada quatro anos, taxa que em seguida passou para uma espécie por ano. Numa conferência realizada em 1974 colocara-se a hipótese, sem qualquer fundamento de pesquisa, de que a taxa de extinção atingia então 100 espécies por ano, não só animais mas todas as espécies, incluindo as que eram ainda ignoradas pela ciência. É deveras extraordinário atribuir uma taxa de extinção a algo que não é conhecido, mas como se esta metodologia peculiar não fosse suficiente e assumindo que nos próximos vinte e cinco anos ficaria extinto um milhão de espécies, Norman Myers procedeu então ao cálculo fácil de que são perdidas 40.000 espécies por ano. «Toda a argumentação de Myers se resume a isto», concluiu Lomborg. «O livro de Meyers não fornece nenhumas outras referências ou argumentos». É esta a origem de um dos pavores contemporâneos. Mas vejamos o resto da lista.
«Pretendendo que a agricultura orgânica teria uma elevada produção medida em volume por área, Brian Halweil recordou, num artigo de 2006, que «um estudo recente elaborado por cientistas do Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica, na Suíça, mostrou que, num período de 21 anos, as explorações orgânicas eram só 20% menos produtivas do que as convencionais. Considerando mais de 200 estudos da América do Norte e da Europa, Per Pinstrup Andersen (professor em Cornell e galardoado com o World Food Prize) e alguns colegas chegaram recentemente à conclusão de que o rendimento da produção orgânica é de cerca de 80% do da produção convencional. E muitos estudos mostram uma diferença menor ainda». Nada poderia ser mais comprometedor do que esta argumentação, porque é hilariante ler que a agricultura orgânica é somente 20% menos produtiva do que a convencional. Em economia, percentagens destas ditam a vida ou a morte de instituições e sociedades. Se a agroecologia se convertesse em todo o mundo no sistema de cultivo predominante, ocasionando esta queda de produção por hectare, suscitaria uma catástrofe alimentar sem precedentes, não só directamente, pela diminuição do volume de alimentos, mas também indirectamente, pela enorme subida que provocaria no preço dos bens agrícolas, o que os colocaria fora do alcance de uma grande parte da população.»
(...)
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Nazis reúnem para preparar a ressurreição de uma espécie extinta |
Basta a forma como os ecologistas colocam a questão da modificação genética dos alimentos para lhes denunciar o obscurantismo, porque tanto os vegetais como os animais que hoje comemos não são naturais. Resultam de um multimilenar processo de domesticação, que implicou modificações genéticas, com a desvantagem de terem sido muito mais lentas e terem levado a um maior número de resultados inconvenientes, que tiveram de ser abandonados. Num artigo, García Olmedo observou a este respeito que um dos erros da palavra natural «consiste em designar variedades cultivadas tradicionais, que deixaram de ser naturais precisamente durante a domesticação, processo pelo qual foram eliminadas as características essenciais para sobreviver na natureza em troca da aquisição das propriedades que as tornavam adequadas para o cultivo». E este autor, engenheiro agrónomo especializado em engenharia genética, professor catedrático na Universidade Politécnica de Madrid e membro da Real Academia de Ingeniería espanhola, chamou a atenção para o facto de que «nenhuma das espécies cultivadas foi natural porque nenhuma foi ou é capaz de viver por si própria em vida livre e todas dependem da mão humana para ter êxito na sucessão dos seus ciclos biológicos». Mas para os ecologistas o laboratório é a sede do Mal, e os alimentos geneticamente modificados resultantes da associação da ciência com a indústria são classificados como nocivos, enquanto os alimentos modificados por uma domesticação que não foi menos artificial do que qualquer outra técnica humana são classificados como… naturais.
O problema fundamental, porém, não consiste em saber se as classificações são certas ou erradas, mas se os alimentos orgânicos são ou não mais nutritivos e melhores para a saúde. «É uma falácia que natural implique necessariamente mais segurança do que artificial», escreveu Mark Lynas no seu site. «Em 2009, um importante estudo realizado para a Food Standards Agency do Reino Unido [departamento governamental responsável pela protecção da saúde pública] concluiu que o orgânico não trazia vantagens nutricionais nem de saúde». E Lynas evocou o caso de bactérias que passam do estrume animal para a planta e o alimento. Com efeito, um estudo publicado em 2004 por Avik Mukherjee et al., da Universidade do Minnesota, citado por García Olmedo no artigo já referido, detectou a presença de coliformes fecais em 9,7% das frutas e verduras oriundas de explorações agroecológicas, mas apenas em 1,6% das oriundas do outro tipo de agricultura. E García Olmedo acrescentou uma inquietante lista de doenças e mortes provocadas pelo uso de matérias fecais como adubo. Mas os ecologistas abstêm-se de chamar a istoagrotóxicos. Pelo menos os Khmers Vermelhos limitaram-se a decretar a recolha da urina, mas não do resto.
Quanto ao aspecto nutritivo, o Dr. Patrick Moore, que durante nove anos foi presidente da Greenpeace Canadá e durante sete anos foi director da Greenpeace International, declarou numa entrevista, em 16 de Fevereiro de 2012, que a modificação genética de plantas foi uma das descobertas científicas mais relevantes da história e explicou os motivos medicinais que levam o arroz geneticamente modificado a ser mais eficiente sob o ponto de vista da alimentação e da saúde. Além do arroz, o Dr. Moore deu outros exemplos de como os alimentos geneticamente modificados podem ter componentes importantes para a saúde».
Ontem, hoje e sempre, o caminho faz-se além fronteiras (II)
por
Zé Nuno Matos
A
Assembleia Geral do IDC-Europa, reunida a 18 de Setembro de 2013, em
Larnaca, em Chipre, depois de ouvir os nossos camaradas portugueses
sobre a situação no seu país, constata que:
- Não houve desenvolvimentos positivos desde a reunião dos Sindicatos (IDC-E e ETF) de 1 de Fevereiro de 2013, em Bruxelas.
- Constatamos que o campo de aplicação da nova lei votada pelo parlamento reduz o âmbito de intervenção da profissão, reduzindo de forma inaceitável o número de empregos dos trabalhadores portuários.
- Constatamos que os estivadores profissionais, qualificados e registados são descartados e até dispensados a favor de mão-de-obra de baixo custo e sem formação.
- Constatamos que os empregadores do porto de Lisboa impedem qualquer negociação de um novo texto convencional.
- E nós constatamos que o IDC-E, sempre atento e aberto a discussão, depois de diversas cartas enviadas ao governo e ao ministério da tutela (Economia), nunca recebeu qualquer resposta nem propostas de encontro.
- Todas as organizações presentes nesta Assembleia Geral estão prontas para reagir fortemente para que cessem estes comportamentos inaceitáveis.
Consequentemente, a Assembleia Geral
decidiu avançar com acções que afectem o trafego com origem ou em
direccão a Portugal. Um “Steering Commitee” / Uma Comissão de Trabalho
será constituída muito rapidamente irá reunir no inicio do mês de
Outubro em Algeciras e esta encarregada/o de elaborar uma estratégia e
para elaborar as acções a altura dos ataques sofridos pelos nossos
camaradas portuários.
A Assembleia Geral do IDC-E
19/09/13
Quando os patrões deixam de pagar salários
por
Ricardo Noronha
Deve ser isto a crise. Direitos que são considerados privilégios e privilégios que são considerados direitos. A polícia que dispara e espanca e persegue e é chamada para garantir que a violação da lei decorre com toda a tranquilidade. Trabalhadores assalariados que trabalham sem receber o seu salário. Livrarias geridas por pessoas que nunca leram um livro.A revolta que paira no ar revela uma gigantesca insatisfação relativamente às formas de vida oferecidas pelo capitalismo, tanto nas suas variedades mais sofisticadas e sedutoras como naquelas outras, mais prosaicas e familiares, assinaladas pela precariedade, pelo desemprego de massas, pela pobreza, pelo tédio, pelo sofrimento, pela opressão. Identificámos nessa revolta uma possibilidade que contém diversas possibilidades: a de uma separação, secessão, subtracção relativamente a esse modo de produção e a essa técnica de governo, a elaboração em comum de novas formas de vida baseadas na cooperação e na partilha, a constituição de uma potência, de uma força material, uma máquina de guerra capaz de subtrair espaços, instrumentos, corpos e saberes ao Império, traçando uma linha de fuga orientada pelos nossos desejos.In Sobre a passagem de alguns milhares de pessoas por um breve período de tempo
Nada o ilustra como o caso da Bulhosa Livreiros – Sociedade Comércio Livreiro S.A., que despede quem denuncia os salários em atraso dos seus trabalhadores e contrata estagiários e reformados para os substituir. Desde o início de 2013 que o calote se agravou, estando neste momento por pagar vários meses de salário e largas centenas de euros em dívidas a pequenos editores. As Edições Antipáticas (uma editora sem fins lucrativos) pertencem a este segundo grupo, sendo-lhes devidos há mais de 16 meses os valores referentes à venda de 50 livros (mais de 400€), que a Bulhosa se recusa pagar invocando os mais variados pretextos. As Edições Antipáticas iniciaram a sua actividade em 2005 e reinvestem as suas receitas em novas edições, tendo publicado desde então seis livros e vários opúsculos, na sua quase totalidade textos inéditos em português, que podem ser encontrados em diferentes livrarias de Lisboa e Porto e gratuitamente na Internet (edicoesantipaticas.tumblr.com).
Não seremos certamente a única editora a quem a Bulhosa deve dinheiro e a quem os seus administradores tentaram enganar e ludibriar, mas teremos porventura sido os primeiros a quem se esgotou a paciência. Dirigimo-nos à livraria de Campo de Ourique no passado mês de Junho, com o objectivo de fazer a Bulhosa pagar o que deve. Conhecedores do processo de luta na empresa, procurámos nos trabalhadores ali presentes a cumplicidade de quem partilha uma situação comum. Foi explicado por que motivo se estava ali, o que se estava disposto a fazer e a quem se apontavam responsabilidades. Não faltaram motivos para nos entendermos sobre o que estava em questão, mas a resolução do problema não estava nas suas mãos.
Foram duas horas bem passadas até à hora de fecho, com a livraria estancada e direito a visita de algumas chefias – que acabaram por se deslocar à loja após terem garantido ser impossível deslocar-se à loja – bem como um longo telefonema do administrador Pedro Gil Mata, a partir do Porto. Todos (menos os dois trabalhadores de loja) se esforçaram por nos garantir que estava tudo bem e que a vida é feita de mal entendidos. O escândalo terminou com a entrada em cena de três agentes da PSP chamados pela Bulhosa para garantir o fecho da loja. Um dos agentes, após a lógica violenta das declarações mútuas, acabou por perguntar: “Mas por que não pagam o que devem a estes senhores?”
O que tem valido às Bulhosas de todo o tipo e aos passarões que as gerem é que as nossas ideias, as nossas melhores e mais ambiciosas ideias, tardam em sair do papel. De que nos vale o pensamento político traduzido e editado em livros bonitos e baratos (discutidos publicamente e disponibilizados na Internet) quando o que nos falta é um lança-chamas para incendiar as Bulhosas todas deste mundo ou um helicóptero para perseguir a administração e suas contas bancárias? A nossa força será tanto maior se associada à dos trabalhadores que têm salários em atraso e dos pequenos editores que têm dinheiro a haver. Hoje somos editores a quem não pagam, amanhã seremos trabalhadores que não recebem o seu salário e nos dias seguintes todo e qualquer um que se confronte com quem nos rouba a vida e o futuro. O que está em dívida é mais do que o dinheiro e a Bulhosa irá pagar.
Para começar, propomos ocupar a Bulhosa Entrecampos para um debate público no dia 27 de Setembro, pelas 18h00. Convidamos todos e todas para uma conversa com o título “A propriedade é um roubo…” onde todas as participações são bem-vindas.
Limitamo-nos a lançar algumas questões enquanto ponto de partida: Como fazer para que os patrões paguem o que devem? Como recuperar aquilo que é nosso? Como enfrentar essa pequena parte da sociedade que se organizou para explorar todos os outros? Como devolver às lutas e enfrentamentos com o poder político e económico uma efectividade que nos permita contra-atacar? Como impedir o triunfo dos porcos?
Lançamos os dados e vamos a jogo. Até já.
Marshall Berman (1940-2013), marxismo e "politics of feeling"
por
Diogo Duarte
Mais do que por livros, teorias ou abstracções, parte importante do meu crescimento político fez-se por afectos. Por experiências sensíveis. Parece estranho dizer isto assim mas não tem nada de esotérico e até se explica, provavelmente, por factores de classe social que agora não interessa explorar. Cresci rodeado de pessoas sem qualquer tipo de actividade política (de acordo com os sentidos mais convencionais de “actividade política”): não eram militantes de nada, não embandeiravam causa nenhuma, não reflectiam abertamente sobre esse domínio a que usualmente chamamos Política (com “P” maiúsculo) e que magicamente se separou e autonomizou da realidade social. Eram vidas feitas de quotidiano, preenchidas pelas rotinas e coisas banais do dia-a-dia, como serão, talvez, as vidas da maioria das pessoas. E, no entanto, procuravam viver intensamente esse dia-a-dia de acordo com o que consideravam estar correcto (algo muito mais raro do que parece à primeira vista). Mas, para saltar os pormenores, o que interessa sublinhar é que o mundo que aprendi com essas pessoas que me deram a mão nos meus primeiros passos foi diferente do(s) mundo(s) que encontrei quando comecei a caminhar sozinho. E o embate foi forte, senti-o intensamente, com choque. O título de uma música de uma banda rock sueca traduz a experiência: "capitalism stole my virginity". Foi aí que começaram a chegar os livros e as teorias. Procurei-os, e continuo a procurá-los, para me darem respostas ao que não percebo. Foi com eles que os afectos começaram a encontrar-se com uma consciência política.
Talvez por tudo isto, já na universidade, os autores que mais me fascinaram foram aqueles que vieram cá abaixo, procurar as pessoas, e deixaram os sentimentos entrar nas suas obras e militância política. De E. P. Thompson a James C. Scott, e apesar de tudo o que deles me possa separar, é isso que me atrai continuamente no que escreveram. Parafraseando Thompson, agradam-me as obras que tentam resgatar essas pessoas anónimas não só da condescendência da posterioridade como, acrescento eu, também da do presente. Marshall Berman, recém-falecido, não sendo para mim uma referência (até porque dos seus livros só li All That is Solid Melts into Air), também o fez. Não partilho do seu optimismo, nem me revejo totalmente nesse seu livro (apesar do gosto com que o li), mas agrada-me a sua “politics of feeling”. Uma política de contacto sensível – visceral – com o mundo. Algo próximo (para dar dois exemplos de figuras que também partiram recentemente) a Urbano Tavares Rodrigues quando afirmava ser “comunista por amor”, ou a Manuel António Pina quando alertava para a “enorme e perigosa carência de infância” na nossa sociedade ou, ainda, quando invocava a poesia contra a economia e contra “tempos de indigência e (…) usura” como estes.
Quem sabe tudo isto não seja mais do que um subterfúgio frágil para fugir à solidão da abstracção que Berman via em Perry Anderson, na sua forma de ver e teorizar sobre o mundo, como lhe disse em resposta à recensão crítica que este escreveu a All That Is Solid Melts Into Air. Mas nem por isso deixo de achar importante ler estes autores.
Neste texto, David Marcus fala de Marshall Berman, do seu marxismo e da sua “politics of feeling” e recorda a resposta de Berman a Perry Anderson.
No Guardian, Owen Hatherley escreveu sobre como Berman “reclamou a modernidade para os marxistas”:
Outros textos de homenagem podem ser encontrados aqui, no site da Dissent Magazine, revista de que Berman era um dos editores, ou aqui, no site da Verso Books (onde também há um link para a recensão de Berman ao Manifesto Comunista).
Pavlos Fyssas não defendia a Nação
por
Pedro Viana
Quando, na Grécia, se multiplicam os ataques assassinos do movimento fascista Aurora Dourada a militantes de Esquerda, cuja assassinato de Pavlos Fyssas, com ligações ao Syriza, e a emboscada a membros do KKE, são os exemplos mais recentes, aqui há quem se afirme de Esquerda e escreva um texto de opinião a enaltecer o conceito de Nação, para o qual o Miguel Serras Pereira já chamou a atenção. Não sei se o Jorge Bateira o fez por lapso, porque acredita em tal conceito, ou porque acha que a utilização deste tipo de linguagem torna mais apelativo o que defende perante a audiência a que pretende chegar. O que sei é que quando nos encontramos a defender uma mesma política concreta que quem connosco pouco tem em comum em termos de princípios políticos, é essencial utilizar conceitos que desde logo tornem claras essas diferenças para quem nos ouvir. O modo como pensamos depende de modo fundamental da estrutura e conteúdo (conceitos) da linguagem em que nos expressamos, que retiramos do caldo cultural em que estamos inseridos. Se não nos esforçarmos por incluir no noso discurso conceitos que encapsulam os princípios políticos da Esquerda, ou pior, utilizarmos deliberadamente, seja porque razão for, conceitos intimamente ligados a princípios políticos da Direita (como é o caso do conceito exclusivista e diferenciador de Nação), até podemos conseguir no curto prazo maior apoio para certas políticas concretas. Mas acabaremos por nos ver numa situação subalterna a médio-longo prazo em termos culturais. Os princípios políticos da Esquerda passarão a ser então incompreensíveis para a generalidade das pessoas a um nível tão fundamental, que muito dificilmente se tornará possível implementar políticas que com eles estejam de acordo.
Jorge Bateira sustenta que só a via cubana pode evitar que Portugal seja uma nova Cuba. Heinrich Heine refuta-o antecipadamente e sustenta o contrário…
por
Miguel Serras Pereira
Sob um título intrepidamente inspirado, "A Permanência no Euro É o Suicídio da Nação", Jorge Bateira explica:
(…) do ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt, Portugal ainda pode ser um caso de sucesso. Apenas precisa de colocar na Constituição o Tratado Orçamental para impedir políticas orçamentais contracíclicas, reconverter o Estado social num pobre Estado para pobres, destruir a classe média e os mecanismos de ascensão social que a mantêm, reduzir ainda mais 30% aos salários do sector privado (excluindo gestores e administradores), fazer da emigração uma válvula de escape das tensões sociais e, sobretudo, impregnar a sociedade portuguesa de uma sensação difusa, misto de culpabilidade e inevitabilidade. Quando tivermos chegado aí, a economia entrará numa estagnação duradoura, alternando pequenas recessões com períodos de crescimento sem criação de emprego. Portugal será então um país simpático e (ainda mais) barato para os reformados da Europa rica. Não terá dinheiro para manter as infra-estruturas públicas em todo o país, mas cuidará das zonas de acolhimento dos turistas, como se faz em Cuba.
Tem visos de verdade, é inegável. E mais teria ainda se, em vez do "ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt", Bateira tivesse escrito "do ponto de vista da oligarquia europeia, bem como, em particular, do ponto de vista do governo português e dos partidos do arco da governação, PSD, PS e CDS-PP". Porque não o faz, então? A resposta é simples, se o fizesse, arruinaria a sua própria tese, segundo a qual o "ponto de vista" e as opções sociais e políticas que descreve resultam de uma imposição do estrangeiro, de uma violação da soberania portuguesa e da indpendência nacional, pelo que, sendo contrárias aos interesses dos portugueses, mas proveitosas para os outros povos, só a via cubana da saída do euro (negociada a bem com o inimigo, para que a cereja não falte em cima do bolo) pode evitar a Portugal o isolamento e a deriva isolacionista que decorreriam da sua transformação numa nova Cuba.
Vale a pena lembrar a propósito de tudo isto o que Heinrich Heine escrevia, a meados do século XIX, de um ponto de vista antagónico, a que Hannah Arendt chamaria o ponto de vista do pária, e que, a meu ver, ainda hoje basta para arrumar o essencial da questão:
Neste diário farei todo o possível por dar a conhecer aos franceses a vida intelectual dos alemães: tal é actualmente o dever da minha vida: talvez eu tenha a missão pacífica de aproximar os povos. É isso que os aristocratas temem acima de tudo. A destruição dos preconceitos nacionais, a erradicação do espírito patriótico de vistas curtas, eis o que os priva dos seus melhores meios de opressão. (H. Heine, Lutèce, "Préface", p. IX, Michel Lévy frères, éditeurs, 1855)
É que Heine sabia, e di-lo aqui a seu modo, que o culto da independência nacional engendra a dominação imperialista e a desigualdade entre os povos, como sabia também, tendo-o escrirto com todas as letras, que onde se começa por queimar os livros se acaba por queimar os homens.
(…) do ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt, Portugal ainda pode ser um caso de sucesso. Apenas precisa de colocar na Constituição o Tratado Orçamental para impedir políticas orçamentais contracíclicas, reconverter o Estado social num pobre Estado para pobres, destruir a classe média e os mecanismos de ascensão social que a mantêm, reduzir ainda mais 30% aos salários do sector privado (excluindo gestores e administradores), fazer da emigração uma válvula de escape das tensões sociais e, sobretudo, impregnar a sociedade portuguesa de uma sensação difusa, misto de culpabilidade e inevitabilidade. Quando tivermos chegado aí, a economia entrará numa estagnação duradoura, alternando pequenas recessões com períodos de crescimento sem criação de emprego. Portugal será então um país simpático e (ainda mais) barato para os reformados da Europa rica. Não terá dinheiro para manter as infra-estruturas públicas em todo o país, mas cuidará das zonas de acolhimento dos turistas, como se faz em Cuba.
Tem visos de verdade, é inegável. E mais teria ainda se, em vez do "ponto de vista do eixo Berlim-Frankfurt", Bateira tivesse escrito "do ponto de vista da oligarquia europeia, bem como, em particular, do ponto de vista do governo português e dos partidos do arco da governação, PSD, PS e CDS-PP". Porque não o faz, então? A resposta é simples, se o fizesse, arruinaria a sua própria tese, segundo a qual o "ponto de vista" e as opções sociais e políticas que descreve resultam de uma imposição do estrangeiro, de uma violação da soberania portuguesa e da indpendência nacional, pelo que, sendo contrárias aos interesses dos portugueses, mas proveitosas para os outros povos, só a via cubana da saída do euro (negociada a bem com o inimigo, para que a cereja não falte em cima do bolo) pode evitar a Portugal o isolamento e a deriva isolacionista que decorreriam da sua transformação numa nova Cuba.
Vale a pena lembrar a propósito de tudo isto o que Heinrich Heine escrevia, a meados do século XIX, de um ponto de vista antagónico, a que Hannah Arendt chamaria o ponto de vista do pária, e que, a meu ver, ainda hoje basta para arrumar o essencial da questão:
Neste diário farei todo o possível por dar a conhecer aos franceses a vida intelectual dos alemães: tal é actualmente o dever da minha vida: talvez eu tenha a missão pacífica de aproximar os povos. É isso que os aristocratas temem acima de tudo. A destruição dos preconceitos nacionais, a erradicação do espírito patriótico de vistas curtas, eis o que os priva dos seus melhores meios de opressão. (H. Heine, Lutèce, "Préface", p. IX, Michel Lévy frères, éditeurs, 1855)
É que Heine sabia, e di-lo aqui a seu modo, que o culto da independência nacional engendra a dominação imperialista e a desigualdade entre os povos, como sabia também, tendo-o escrirto com todas as letras, que onde se começa por queimar os livros se acaba por queimar os homens.
18/09/13
Uma nota dissonante
por
Ricardo Noronha
Como nem só de ecologia e etc, deixo-vos o convite para o debate que vai decorrer pelas 18h de hoje e que inclui o Viriato Soromenho Marques, o Daniel Oliveira, o João Rodrigues e este que vos escreve, a propósito do livro recentemente lançado pelo Le Monde diplomatique e pelas Edições 70.
Deixo-vos um excerto do meu texto nesse livro, que retoma muitas das questões já abordadas noutro texto que escrevi para o Passa Palavra. Apareçam.
A osmose através da qual se confundem os interesses dos trabalhadores com os dos seus patrões é uma figura cheia de estilo mas com muito pouca substância, bastando constatar as mil e uma formas de controlo e coacção que se multiplicam no interior dos locais de trabalho para saber que a «nossa economia» é nossa apenas na medida em que não reivindiquemos mais do que o direito a nela sermos explorados. Trata-se certamente de um dispositivo engenhoso para banalizar a exploração e fazer do capitalismo a ordem natural das coisas, aspergindo-o de patriotismo para lhe poder chamar «nacional» e dessa forma esconjurar o antagonismo que o faz funcionar. Parece por isso oportuno introduzir uma nota dissonante na partitura e sugerir a hipótese de existir mais política do que a que cabe no Estado-nação, recorrendo a termos tão antiquados e irrazoáveis como «internacionalismo» e «classe» para responder noutros termos à questão que o Le Monde diplomatique oportunamente avança. A operação que aqui se propõe passa por deslocar a perspectiva, do plano nacional e institucional em que se vêm declinando as «alternativas» à austeridade, para o plano conflitual e saturado de contradições em que a economia política efectivamente opera e os interesses se dividem, segundo as linhas traçadas pela propriedade privada e pela acumulação do capital.
João Viegas: "Sobre uma querela teológica a propósito de ecologia política"
por
Miguel Serras Pereira
O nosso amigo João Viegas, que há pouco tempo, invocando a sua agenda sobrecarregada (que não outras razões), declinou o convite formal do Vias no sentido de integrar a sua tripulação, talvez brevemente esteja disposto a reconsiderar a nossa proposta. É, pelo menos, o que sugere este segundo texto, que nos envia dois ou três dias depois de publicar aqui o seu primeiro post. Mas, para já, passemos-lhe a palavra sobre a questão ecológica, e consideremos a sua intervenção sobre o debate que sobre o tema prossegue entre nós.
Acompanhei com interesse a recente troca de posts sobre ecologia política aqui no Vias de Facto e julgo ver neste debate uma excelente oportunidade de lembrar as sábias palavras do Miguel Serras Pereira num post recente : “A palavra justa e a atenção à palavra, bem como, já agora, uma certa "paciência do conceito", são uma condição da democracia e uma via necessária, ainda que não suficiente, da democratização.”
Com efeito, julgo poder adiantar que 94,7 % (sensivelmente) das questões debatidas derivam de estarmos a falar de conceitos mal definidos. A começar pelos conceitos de “ecologia” e de “pensamento ecológico”, que Ricardo Noronha identifica com “uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e o meio ambiente”. Isto é um bocado como se disséssemos que o marxismo se pode definir como “uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e os meios de produção”. Ou seja, não é totalmente inexacto, mas não adianta muita coisa e julgo que não permite de maneira nenhuma resolver a dificuldade.
No fundo, as críticas dirigidas aos ecologistas centram-se numa visão caricatural e um pouco injusta : eles são acusados de sacralizar a “Natureza” e de, com isso, perfilharem, mais ou menos conscientemente, teses reacionárias. Isso parece-me injusto porque a preocupação do respeito da Natureza (muito haveria a dizer sobre esse conceito de um ponto de vista filosófico) não tem nada de intrinscemanete incompatível com as ideias de progresso, ou de progresso social, ou de libertação progressiva do homem em relação às suas condições de existência. A Natureza ocupa no pensamento ecológico um lugar sensivelmente idêntico ao da Realidade no pensamento marxista. Num caso como no outro, estamos perante preocupações que respondem a esta velha frase de Séneca, uma das minhas preferidas : “non potest artifex mutare materiam”.
O que me parece é que, nessa discussão, que no fundo não passa de uma querela de prioridades, deixamos de ver em que é que as duas filosofias se assemelham. Ora aí é que está o essencial, pelo menos a meu ver. A ecologia política, tal e qual como o marxismo, nasce de uma análise crítica de uma forma de alienação, e do projecto político de nos libertarmos dela. Enquanto o marxismo critica a alienação económica dos trabalhadores no sistema capitalista, a ecologia política critica a alienação dos mesmos trabalhadores na sociedade tecnológica. Acontece mesmo que a esmagadora maioria dos ecologistas, que vêm da esquerda, criticam a sociedade tecnológica na medida em que ela reforça ainda mais a alienação dos trabalhadores nas sociedades capitalistas...
Portanto incompatibilidade radical não me parece que haja. Antes pelo contrário, o que vejo é uma profunda convergência.
Dito isto, tem realmente sentido o debate sobre as prioridades ? Será razoável esperar que os problemas ecológicos se venham a resolver automaticamente numa sociedade que tenha sabido solucionar de forma justa o antagonismo de classes ? Talvez... Mas convenhamos que se não fosse a ecologia política, é pouco provável que nos tivéssemos libertado (um pouco) dos excessos contraproducentes da cilização do reino automóvel... E, já agora, convenhamos também que, em nome da luta contra o capitalismo, se cometeram excessos que conduziram a formas bastante preocupantes de alienação, ecológica e não só.
Resta o mais convincente dos argumentos que li contra a ecologia política : há iluminados e mesmo loucos perigosos que se reclamam da ecologia política... Seja. Não os há também que se reclamam do marxismo ?
Abraços a todos
João Viegas
17/09/13
«Assim se ganha dinheiro !», ou uma breve ilustração da economia capitalista moderna.
por
Jorge Valadas
Num documento do Fundo Monetário
Internacional (citado numa edição recente de Le Monde Diplomatique) pode ler-se que, aproximadamente 93% dos
ganhos do «crescimento» observados nos Estados Unidos durante a recente tímida retoma
económica foram distribuídos pelos 1% dos mais ricos. Os tais 1% popularizados
pelo movimento Occupy Wall Street, confirmando
a tendência segundo a qual, quanto mais «crescimento» há, mais a pobreza alastra
e mais a riqueza se concentra. O empobrecimento de massa das sociedades, a
acentuada baixa dos custos de trabalho são, para a classe capitalista, os parâmetros
essenciais no processo actual. Não obstante, os resultados obtidos não parecem
ser suficientes para restabelecer a rentabilidade necessária e o investimento
produtivo estagna ou continua a baixar, entrando assim a economia capitalista
num processo prolongado de morte lenta, durante o qual as forças capitalistas,
tais abutres, desmembram e partilham os melhores restos do doente.
De facto, o que dá hoje pelo nome de «retoma» mais não é que a retoma
da especulação e da concentração financeira. E o sistema de produção continua a
não dar sinais que permitam perspectivar um novo ciclo dinâmico de acumulação e
de expansão da produção. Se o «crescimento» não se traduz num alargamento da
base de produção, se os lucros gigantescos não se reinvestem em novo capital
produtivo, então é o sistema que está a minar a sua própria essência capitalista.
Os frágeis sinais que os funcionários da propaganda avançam como prova da
iminente retoma são rezas de padre destinadas a animar o cortejo dos pobres. Um
exemplo ridículo desta propaganda foi dado, o mês passado, em França, quando
uns observadores mais zelosos das estatísticas revelaram que os 0,2% de
«crescimento» do PIB anunciado com música e foguetório correspondia ao aumento
do consumo da energia durante os primeiros meses de uma Primavera fria a
chuvosa, que tinha obrigado os cidadãos a ligar os aquecedores domésticos.
Assim vai a mentira da economia, assim vão os seus economistas.
Alguém conhece ou ouviu falar de uma empresa chamada Hipoges ? Criada em Madrid, por um
tal Juan Vizcaíno, formado na famigerada Lehman Brothers, esta mercearia especializa-se
na «gestão de activos tóxicos». Nada a ver com Fukushima! Trata-se de negócios
de abutres, justamente. Os negócios da crise, a compra de tudo o que esta à
venda ao desbarato, palácios e edifícios do Estado e municípios, parques naturais,
bens públicos, alojamentos expropriados ou ocupados por quem, de repente, não
pode pagar alugueres ou créditos. Pois não é que o senhor Vizcaíno acaba de
abrir uma sucursal em Lisboa, onde os activos tóxicos também abundam e os políticos
são complacentes com estas negociatas? Estamos a falar de um mundo de gente
fria, sem sentimentos, motivada pela possibilidade de «fazer dinheiro» com a miséria
do mundo. Esta excelente reportagem do El
Pais, dá-nos a conhecer esta bicharada, agentes do capitalismo predador
contemporâneo. Como diz um deles com cinismo, «Assim se ganha dinheiro!». Ou
melhor, a crise é a boa oportunidade. Chama-se a isto em português «estar
entregue aos bichos»!
¿Quién compra España?
España está en venta. Y, al contrario que hace unos meses, comienzan a aparecer compradores. Decenas de fondos de inversión, principalmente estadounidenses, se han lanzado este verano a adquirir pisos, empresas inmobiliarias, deuda de compañías... Hay fondos buitre, pero también otros que buscan inversiones a medio plazo. Un ejecutivo del sector explica con crudeza —y bajo la condición del anonimato— qué ocurre: “Hace dos años España era radiactiva, y el ladrillo aún más. De golpe ha pasado a ser la gran esperanza. Es así de ridículo”.
El 7 de febrero de 2012, cuando aún se dudaba sobre el euro, Jaime Bergel inauguraba la oficina del fondo de inversión estadounidense HIG Capital en Madrid. Está en un bonito edificio con vistas al Parque del Retiro, de techos altos y suelo de madera. Allí, Bergel explica por qué HIG, que maneja 13.000 millones de dólares en activos, ve una oportunidad en España. “Intuimos lo que está sucediendo ahora, cuando todo el mundo busca oportunidades en nuestro país”, explica este ejecutivo. Tiene la barba muy corta, el pelo blanco levemente rizado y lleva traje oscuro de cuyo bolsillo sobresale mínimamente un pañuelo blanco. En la sede trabajan diez personas. Bergel no es un recién llegado. Antes fue alto ejecutivo de Merrill Lynch y de Goldman Sachs. HIG se llevó el pasado 6 de agosto la llamada operación Toro, la primera gran venta de viviendas de la Sareb, el Banco Malo, la entidad en la que el Estado ha arrumbado la escoria de la burbuja inmobiliaria. El fondo compró por 50 millones el 50% de un millar de viviendas. El resto se lo queda la Sareb. Son pisos baratos en las afueras de las ciudades en Andalucía, Valencia, Madrid, Murcia y Canarias de un futuro incierto. Pero HIG cree que hay negocio. Como muchos otros. La gestión de la ruina puede ser lucrativa.A lógica ecológica
por
Ricardo Noronha
Não era minha intenção retomar a minha participação neste blog com um texto sobre ecologia, mas confeso que o post do Diogo me deixou ligeiramente desconcertado. Não pretendo sair em defesa dos textos do João Bernardo, que passa muito bem sem ela, mas como já tive oportunidade debater noutras paragens o assunto com o Diogo, aproveito o embalo.
Evidentemente que as variações no campo do pensamento ecologista são virtualmente infinitas e que, a essa luz, toda e qualquer generalização se apresenta precipitada e potencialmente abusiva. Mas trata-se aqui de identificar um núcleo de assunções e pressupostos comum à maioria das posições expressas nesse campo e não de as apresentar a todas na sua singularidade. Parece-me incontornável que esse núcleo existe e que corresponde, grosso modo, ao retrato que dele faz o João Bernardo.
«Ecologista» não quer aqui dizer «vagamente preocupado com o impacto do modo de produção capitalista no planeta» ou «ligeiramente consciente de que o lixo que produzimos é cada vez maior e importa fazer qualquer coisa a esse respeito». Penso que este debate só tem a ganhar com a assunção de que falamos em «ecologia» quando nos referimos a uma concepção do mundo assente na centralidade da interacção entre os seres humanos e o meio ambiente, enquanto critério para aferir e interpretar as relações sociais entre esses seres humanos. As conclusões a que se pode chegar a partir dessa concepção são inúmeras e variadas, as posições possíveis diversas, mas o que está aqui em causa é a centralidade e é precisamente isso que se procura refutar na crítica da ecologia (sem aspas).
Não vou enfastiar o leitor com exemplos concretos de discursos que partem dessa centralidade para conclusões tendencialmente reacionárias, como a de que devemos «reduzir o consumo», ou ligeiramente obscurantistas, como a de que «atingimos o limite da Terra consumindo recursos numa velocidade 50% maior do que a sua capacidade de se recompor». Tão pouco pretendo sugerir que por vezes emerge de preocupações ambientais perfeitamente estimáveis uma certa tendência para sacralizar árvores ou animais ou a natureza nos seu conjunto.
Chamo apenas a atenção para o facto de uma perspectiva de classe, que tenha em conta as desigualdades que fazem mover o capitalismo, se ver quase sempre ausente e sempre menosprezada em semelhantes raciocínios. Quem é o «nós» que deve reduzir o consumo e que é responsável pela ultrapassagem do suposto limite das capacidades do planeta? Evidentemente, todos e todas... O que poderia ser mais conveniente para quem conduz os seus negócios do que esta diluição das responsabilidades pelo conjunto da humanidade?
Chamo apenas a atenção para o facto de uma perspectiva de classe, que tenha em conta as desigualdades que fazem mover o capitalismo, se ver quase sempre ausente e sempre menosprezada em semelhantes raciocínios. Quem é o «nós» que deve reduzir o consumo e que é responsável pela ultrapassagem do suposto limite das capacidades do planeta? Evidentemente, todos e todas... O que poderia ser mais conveniente para quem conduz os seus negócios do que esta diluição das responsabilidades pelo conjunto da humanidade?
E vale a pena sublinhar que mesmo lutas justas em si mesmas, como é o caso do combate ao monopólio das sementes pelas grandes empresas do agro-negócio, se vêm frequentemente canalizadas para formas de «resistência» duvidosas, como é o caso aqui:
Não podemos deixar que a indústria química e biotecnológica assuma os meios de produção de alimentos como está a tentar fazer. Eles não estão interessados em fornecer um benefício para o mercado. Eles estão interessados apenas em controlar o mercado. Resiste à tirania da comida cultivando o teu próprio jardim, guardando sementes vivas na terra, ou pelo menos, apoiando o teu agricultor orgânico local.
Ou como se aponta para um capitalismo verde enquanto horizonte privilegiado da acção política, aqui:
Individualmente podemos pressionar nossos governantes a adotarem posturas que fortaleçam a sustentabilidade em seus processos produtivos e também calcular como nosso estilo de vida impacta negativamente a capacidade da oferta de serviços ambientais pelos ecossistemas.
Ou como se projecta um futuro em forma de harmonia e simplicidade voluntária:
Vida Verde é um Encontro exclusivamente dedicado à partilha de práticas ecológicas, em que uma das finalidades é informar, sensibilizar e proporcionar a todos os participantes os conhecimentos e a sabedoria para viver uma vida mais Simples, Natural e Sustentável, que esteja em harmonia com a Natureza e com as pessoas. [...] Acreditamos que para a construção e desenvolvimento de uma comunidade verdadeiramente sustentável, devem ser prioridades a adopção e implementação de critérios e práticas que respeitem o Planeta, a Humanidade, os Animais não-humanos e a Mãe Natureza como um todo.
O que interessa não é tanto partilharmos umas gargalhadas a propósito das formulações mais ou menos místicas e extravagantes relacionadas com o tema, mas interrogarmo-nos se não existirá algo que o atravessa, que está no seu âmago e não corresponde a uma caricatura ou a um momento infeliz, que explique a multiplicação de afirmações deste género.
Porque é que palavras como «soberania», «desenvolvimento», «sustentabilidade», «regeneração» ou «equilíbrio» surgem com semelhante facilidade nesse contexto? Porque é que se pretende, com tanta insistência, «criar paradigmas de pensamento sócio-culturais biocêntricos em oposição ao especicismo e antropocentrismo», ao ponto de fazer disso um dos projectos em destaque numa das mais activas organizações ambientalistas em Portugal? E porque é que haveríamos de ir em busca de um «ecologismo» outro para criticar e polemizar, se aquele que se exprime de forma mais visível e prática, aqui mesmo paredes meias connosco, corresponde precisamente à descrição que serviu de ponto de partida para tudo isto? Não corresponderia semelhante exercício, esse sim, a uma «selectividade arbitária»?
Ambientalismo e tecnologia
por
Miguel Madeira
A respeito da questão sobre se o ambientalismo/ecologismo/o-que-lhe-queiramos-chamar é contra a tecnologia e acredita em recursos fixos, eu até diria que nas suas variantes mais contemporâneas, muito ambientalismo (sobretudo quando está incorporado em projectos politicos de "centro-esquerda") até é bastante entusiasta da tecnologia e da capacidade da economia crescer sem estar limitada pela quantidade de recursos existentes.
Veja-se que em muitos dos debates recentes sobre limitações à poluição, combate ao aquecimento global, etc, são os anti-ambientalistas a dizer "a redução das emissões de CO2 vai levar ao suicídio económico!" e os ambientalistas (ou pelo menos alguns) que dizer "não vai nada - a partir do momento em que se limite a emissão de CO2, tal vai incentivar o desenvolvimento de formas alternativas de produção de energia e o crescimento económico a longo prazo pouco ou nada vai ser afectado; vai acontecer o que sempre aconteceu: a escassez de um produto vai levar ao aparecimento de tecnologias que não usam - ou não usam tanto - esse produto".
Um exemplo pode ser este post de Paul Krugman, Anti-green economics, onde este ataca as teses dos criticos da redução da poluição:
Pessoalmente, a solução que eu mais me inclino para os problemas ambientais é mesmo a dos impostos/quotas transacionáveis, mas depois usando as receitas desses impostos ou dos leilões de adjuducação de quotas para financiar um "rendimento universal garantido" distribuído igualitariamente por toda a gente.
Veja-se que em muitos dos debates recentes sobre limitações à poluição, combate ao aquecimento global, etc, são os anti-ambientalistas a dizer "a redução das emissões de CO2 vai levar ao suicídio económico!" e os ambientalistas (ou pelo menos alguns) que dizer "não vai nada - a partir do momento em que se limite a emissão de CO2, tal vai incentivar o desenvolvimento de formas alternativas de produção de energia e o crescimento económico a longo prazo pouco ou nada vai ser afectado; vai acontecer o que sempre aconteceu: a escassez de um produto vai levar ao aparecimento de tecnologias que não usam - ou não usam tanto - esse produto".
Um exemplo pode ser este post de Paul Krugman, Anti-green economics, onde este ataca as teses dos criticos da redução da poluição:
[A] strange thing about the climate change debate. Opponents of a policy change generally believe that market economies are wonderful things, able to adapt to just about anything — anything, that is, except a government policy that puts a price on greenhouse gas emissions. Limits on the world supply of oil, land, water — no problem. Limits on the amount of CO2 we can emit — total disaster.Já agora, no contexto da ciência económica dominante (aqui "dominante" não pretende ser nem uma crítica nem um elogio, apenas uma constatação de facto) a questão da protecção ao ambiente até costuma ser vista, não numa perspectiva de critica à tecnologia ou de haver limites finitos ao crescimento da economia (nesse ponto Malthus e Ricardo já passaram de moda), mas de ser simplesmente uma "falha de mercado" derivada de não se pagar um preço pela poluição ou pelo utilização de muitos recursos naturais, o que fará com que o mecanismo económico clássico de controlo da escassez (produto escasso > preços altos > busca de soluções alternativas) não funcione, levando à utilização excessiva dos recursos (poluir acima da capacidade de "reciclagem" natural, caçar mais do que o possivel para as populações recuperarem, etc.). Assim, para essa visão, basta criar, ainda que artificialmente, esses "preços", lançando impostos sobre a poluição ou criando quotas transcionáveis de emissão de gases poluentes (ou de apanha de peixe) para o problema estar resolvida. Eu diria que, para essa variante de ambientalismo, a crítica da Raquel Varela (de que seria um aliado da mercantilização) até me parece mais adequada do que me parece ser a do João Bernardo.
Funny how that is.
Pessoalmente, a solução que eu mais me inclino para os problemas ambientais é mesmo a dos impostos/quotas transacionáveis, mas depois usando as receitas desses impostos ou dos leilões de adjuducação de quotas para financiar um "rendimento universal garantido" distribuído igualitariamente por toda a gente.
16/09/13
Mistificações pouco ecológicas: a propósito dos textos "contra a ecologia" de João Bernardo
por
Diogo Duarte
A “ecologia” tem sido o objecto central de alguns textos de João Bernardo (JB) no Passa Palavra (só para linkar os mais importantes: 1, 2, 3, 4, 5, 6 - estes últimos três duma série ainda incompleta de 8 artigos). Muitas das suas críticas contribuem para uma reflexão necessária. Desde logo, ao apontar ideias e crenças associadas a certas expressões do pensamento ecológico que não só encerram potenciais consequências políticas perigosas, como são resultado de um pensamento acrítico, confortável no seu facciosismo, que recorre a generalizações, mistificações e deturpações de forma muitas vezes negligente. A importância do exercício de JB deve-se, também, à popularidade do tema. Preocupações ecológicas encontram lugar em praticamente todas as agendas e programas políticos, independentemente das diferenças políticas que os separam e indiferentes a clivagens sociais e identitárias. Essa popularidade ajuda a que muitos dos seus usos públicos sejam no mínimo superficiais, adoptando e reproduzindo chavões e ideias que sem qualquer tipo de problematização ou sustentação encontram a sua legitimação nessa popularidade. O exercício de JB é, além disto, importante porque procura deslocar o foco da análise da natureza e da depredação dos recursos naturais per se para o contexto e para as estruturas de produção e exploração que estão a montante dessas questões.
Mas há vários problemas no exercício de JB que deitam por terra praticamente todo o seu esforço. Para além da caricatura distorcida e pobre que apresenta da ecologia (daí ter colocado ecologia entre aspas na primeira linha do texto), incorre nos mesmos erros, deturpações e exageros em que incorrem muitos dos ecologistas a quem aponta o dedo. Toda a crítica de JB seria muito mais profícua se em vez de se dirigir ao que entende por “ecologia” visasse antes os tipos de argumentação e as formas de pensamento em que se sustentam algumas das ideias ecologistas, até porque estão longe de ser exclusivas de um só tema. O problema não é a ecologia em si. O acriticismo, a condescendência, o essencialismo, o autoritarismo e, em alguns casos, o obscurantismo e a mistificação podem ser encontrados com frequência nos debates que acontecem entre a esquerda. Lamentavelmente, pelo respeito que tenha pela obra de JB, estes textos, ao revelarem algumas dessas tendências, são um exemplo disso mesmo.
Mas há vários problemas no exercício de JB que deitam por terra praticamente todo o seu esforço. Para além da caricatura distorcida e pobre que apresenta da ecologia (daí ter colocado ecologia entre aspas na primeira linha do texto), incorre nos mesmos erros, deturpações e exageros em que incorrem muitos dos ecologistas a quem aponta o dedo. Toda a crítica de JB seria muito mais profícua se em vez de se dirigir ao que entende por “ecologia” visasse antes os tipos de argumentação e as formas de pensamento em que se sustentam algumas das ideias ecologistas, até porque estão longe de ser exclusivas de um só tema. O problema não é a ecologia em si. O acriticismo, a condescendência, o essencialismo, o autoritarismo e, em alguns casos, o obscurantismo e a mistificação podem ser encontrados com frequência nos debates que acontecem entre a esquerda. Lamentavelmente, pelo respeito que tenha pela obra de JB, estes textos, ao revelarem algumas dessas tendências, são um exemplo disso mesmo.
Ontem, hoje e sempre, o caminho faz-se além fronteiras
por
Zé Nuno Matos
Gabinete do Primeiro Ministro, Governo de Portugal
Rua da Imprensa à Estrela, 4
1200-888 LISBOA
À atenção de:
Dr. Pedro Passos Coelho, Primeiro Ministro
Dr. António Pires de Lima, Ministro da Economia
Caros Senhores,
Rua da Imprensa à Estrela, 4
1200-888 LISBOA
À atenção de:
Dr. Pedro Passos Coelho, Primeiro Ministro
Dr. António Pires de Lima, Ministro da Economia
Caros Senhores,
Estou a escrever para vos chamar a atenção para a nova legislação
Portuguesa de trabalho portuário. Para nosso desapontamento, a nova
legislação retalha históricos postos de trabalho dos estivadores,
aniquila o efectivo direito dos estivadores a carteira profissional e a
anterior obrigação da sua posse, dissemina a precariedade e pressiona
para salários de miséria.
Em resumo, tenta demolir a segurança do emprego e as condições de
trabalho dos estivadores em largo detrimento das condições de segurança e
da qualidade do trabalho, benefícios sociais e organização sindical,
com o único objectivo de servir os poderosos interesses do capital, sob a
pressão da Troika, por forma a destruir a qualidade de vida dos
Estivadores Portugueses.
Posteriormente, os empregadores Portugueses de movimentação de cargas
portuárias começaram a aproveitar-se desta reforma portuária
legislativa viciada e iniciaram a violação continuada da legislação e do
contrato colectivo de trabalho e acordos conexos. As empresas começaram
a despedir dezenas de estivadores experientes e indispensáveis e
tentaram substituí-los por trabalhadores ilegais subcontratados ao mesmo
tempo que criavam um ambiente de quase escravidão nos portos com um
número enorme de horas de trabalho impostas e o cancelamento dos
períodos de férias garantidos enquanto livremente fecham pools e abrem
outras empresas alternativas.
Numa reunião realizada em Liverpool no dia 30 de Julho, todos os
membros do IDC-E alcançaram a unânime conclusão de que não tolerariam
mais estes ataques ferozes aos seus irmãos e irmãs Portugueses. Todos os
membros do IDC-E decidiram então fazer um último apelo ao governo
Português e aos empresários de movimentação de cargas portuárias por
forma a abrir um fórum de real discussão efectiva e global com o
objectivo de parar e inverter este inaceitável assalto social e
profissional aos direitos dos estivadores Portugueses.
Esperamos realmente que tenham a capacidade de tomar as medidas
necessárias, por toda a preocupação e raiva que atinge os estivadores do
IDC, esperando que tudo seja feito para alcançar um acordo comum.
Queremos informar-vos que, se tal não for o caso, todos os membros do
IDC-E irão realizar uma Assembleia da Zona Europeia nos dias 18 e 19 de
Setembro em Chipre, e vão decidir sobre acções industriais específicas
em que se possam comprometer. Estas acções irão seguramente ter impacto
sobre os lucros dos empresários portuários, em particular, e sobre a
frágil e sensível economia Portuguesa, em geral, a menos que o governo
desempenhe o seu papel ao reforçar os direitos dos Estivadores
Portugueses e termine com estes ataques inaceitáveis contra as regras de
trabalho portuário e a essencial dignidade da profissão dos
estivadores.
Enviaremos também informação completa sobre este assunto a todos os
estivadores em cada porto à volta do mundo que mantenha relações
comerciais com Portugal. Durante mais de um ano tentámos informar-vos
constantemente sobre estes problemas e hoje consideramos que a nossa
paciência atingiu os seus limites.
Sinceramente
O coordenador IDC-E (International Dockworkers Council - Europe),
A. TETARD
15/09/13
Um post de João Viegas: Reflexões em forma de homenagem na morte de Tiennot Grumbach (1939-2013)
por
Miguel Serras Pereira
A 17 de Agosto de 2013 morreu o grande advogado Tiennot Grumbach, antigo presidente do Sindicato dos Advogados de França, antigo Bastonário de Versalhes, defensor incansável de trabalhadores e sindicalistas, que se tornara num dos causídicos mais respeitados e temidos em França, nomeadamente por parte dos grandes gabinetes de advogacia de negócios especializados na defesa das entidades patronais.
Tiennot foi um esquerdista militante (muito activo em Maio de 68) antes de enveredar pela toga, o que sempre assumiu claramente como a continuação da luta pelos seus ideais de justiça social, combatendo sempre em prol dos direitos do trabalho contra os abusos do capital. Fê-lo com garra, com discernimento, com imaginação, e com uma exigência e um sentido de abnegação que poucos conseguiam acompanhar até ao fim. Embora não tivesse estudado direito na universidade (era economista de formação), soube transformar-se numa referência em direito do trabalho. Com engenho, soube descobrir e aproveitar recursos menos evidentes das regras de processo de trabalho, revelando-se um mestre na arte de encontrar formas de dar plena aplicação a regras protectoras que, muitas vezes, mercê da desigualdade de meios, ficavam letra morta sem beneficiarem aos trabalhadores. Por isso tornou-se também uma personalidade altamente respeitada nos meios académicos.
Mas o engenho, a imaginação, o rigor teórico, nutriam-se acima de tudo da sinceridade do seu engagement e da compreensão de que o ministério do jurista não se esgota na técnica. Antes pelo contrário, apenas atinge a plenitude do seu sentido (e do seu valor) quando serve objectivamente uma ideia firme e coerente de Justiça Social. Tiennot tinha uma maravilhosa imagem para definir os momentos privilegiados em que, numa sala de audiência, a voz do advogado deixa de recitar de forma monótona um discurso esperado por todos e, subitamente, eleva-se propondo uma visão nova, soando “como cristal”.
Tiennot formou gerações de juristas de esquerda que, hoje em dia, lutam todos os dias nos Conseils de Prud’hommes para restabelecer um bocadinho de equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho. Fazem-no numa época em que a ideologia capitalista triumfante polui a esmagadora maioria dos cérebros, porque aprenderam com ele que nunca se deve baixar os braços e que, nos períodos de retrocesso social, “il faut savoir écouter pousser le blé”.
Tiennot era sobrinho de Pierre Mendès-France e prestou juramento na toga do tio, por quem tinha uma imensa admiração – que consta ter sido correspondida por um enorme carinho (talvez uma das razões que fizeram com que Mendès-France se mostrasse tão atento aos jovens do Maio de 68).
A todos nós, Tiennot soube mostrar que o direito não deve ser considerado como um logro armado pelos dominantes, mas antes como um formidável instrumento de conquista da igualdade efectiva. Para isso, em vez de nos envergonharmos de sermos clérigos, temos pelo contrário que procurar sê-lo até ao fim, numa luta incansável pela efectividade da regra jurídica. Desconfiar do direito – que nasce da igualdade – é um erro teórico e um erro prático. É falso que, hoje ou ontem, os privilegiados se acomodem perfeitamente com o direito como ele é. Os privilegiados acomodam-se antes com o facto de o direito não passar do papel, o que é muito diferente.
14/09/13
O mito do policiamento de proximidade
por
Zé Nuno Matos
Uma das ideias que vejo
diversas vezes repetida nos programas autárquicos de esquerda é o do
policiamento de proximidade. A sua defesa tende a surgir como alternativa,
embora não se possa estabelecer uma relação antagónica, à videovigilância ou ao
reforço do policiamento, medidas tendencialmente reivindicadas pelos partidos
do centro e da direita.
A ideia merece alguma
reflexão. Em primeiro lugar, porque o cenário da sua aplicação em alguns
bairros habitados, a título de exemplo, por uma população mais envelhecida não
nos parece difícil de imaginar (esperemos, no entanto, pela aplicação da lei
das rendas nos próximos anos). Em segundo, e por mais remota que esta
possibilidade possa parecer à primeira vista, o maior contacto entre
autoridades policiais e habitantes de um bairro não implica, necessariamente, o
mero contágio dos segundos por parte dos primeiros. O contrário também pode acontecer.
Uma das lições do processo revolucionário de 74/75 é a da fabilidade das
fronteiras que separavam as casernas militares do que acontecia ao redor.
Porém, basta ruírem as
bases da paz social para que o projeto caia completamente por terra. A pertença
a uma comunidade de bairro não se define por uma política de sorriso ou de
delicadeza. Tampouco a questão se resolve com umas visitas ocasionais a casa ou
por dois dedos de conversa no café. A pertença a uma comunidade implica uma
escolha que, por vezes, é exclusiva. Não se podem garantir as condições
necessárias ao cumprimento de uma ordem judicial de despejo e encontrar-se,
simultaneamente, «próximo da comunidade». E, numa conjuntura de austeridade que
assume proporções cada vez mais estruturais, a relação de compatibilidade entre
lei e comunidade será cada vez mais difícil de conseguir. Ou se estará com uma
ou se estará com a outra.
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