Alargar permanentemente, em traço uniforme, o perímetro do desenho da “direita” e da “política de direita” é caminho seguro para embotar o bico do lápis de forma gratuita ou hedonista em termos de representação conflitual. Sócrates e o governo PS cumpriram e pré-esgotaram a sua missão política. São, neste momento, apenas uma ficção útil para os privilegiados na luta de classes e um adiamento para dar tempo à maturação da “alternativa” de direita pura e consistente, brutal tout court. Actualmente, a imediata e gravíssima responsabilidade política do PS, partido que se arrasta no poder, prolongando cargos para os seus funcionários (os altos, os médios, os baixos e os micros), já não é a das políticas demissionistas e classistas que promove(u) e pratica(ou), pois já o faz agora apenas por inércia e decadência, mas sim o de servir, servilmente, de compasso de espera com ingenuidade estúpida e inútil ao patronato e à direita para aproveitarem a crise para a terraplanagem dos direitos sociais fundamentais. Cavaco, o PSD, o PP e o patronato (este recentemente acordado com a excitação enérgica própria do acordar após uma noite bem dormida), neste momento, andam apenas dedicados à tarefa fácil de churrascarem o PS nas brasas que o rating e a Comissão Barroso sopraram e sopram. E contam, naturalmente, com as preciosas ajudas do fogo à esquerda. De facto, o problema principal, neste momento, não está na direita (esta faz, inteligentemente, o que mais lhe convém) mas sim na esquerda, nesta nossa esquerda com um proverbial gosto pelo canibalismo político, sobretudo manifestado em tempo de vacas magras e quando a direita e o patronato se mostram mais arrogantes. E que demonstra que dificilmente aprenderá a lição de Weimar, os tempos do social-fascismo que levou o paranóico de bigodinho ao poder e que, quanto a Thaelman, o melhor que lhe arranjou foi um lugar de martírio e morte em Buchenwald.
Obviamente que não é fácil, vencendo hábitos, nostalgias, fixações e preconceitos fraticidas, recentrar combates e denúncias, objectivos centrais de luta ainda menos. E a preguiça dos que se habituaram a escorregar pelo plano inclinado da inércia dos lugares comuns doutrinários não ajuda. Sim, mas. Porque está na hora de um novo fôlego estratégico que acelere a inteligência política de esquerda. Temos, pela frente, uma direita brutal em espera mas pronta a destruir o que resta do Estado Social e o mais que ainda sobra de Abril. E, se existe, é essa a questão central, agora. O que exige uma contenção sectária de todos e de cada um. Que, numa primeira fase, implica passar-se da estatística (que inclui o eleitorado do PS na contabilidade da esquerda) ao acto político. E, simultaneamente, apalpar-se com realismo e consistência o físico do monstro de direita que, como um Frankenstein construído no laboratório da crise, há que combater antes que se mexa o suficiente para poder descer sobre a noite da cidade. Porque, a alternativa é, qualquer dia, descermos à rua para defendermos o Código Laboral, que há pouco denunciámos, contra as suas degradações, ou defendermos o PEC 1 contra o PEC 2 e depois o PEC 2 contra o PEC 3.
(publicado também aqui)
17/06/10
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11 comentários:
Atribuir ao "social-fascismo", isto é à esquerda à esquerda da social-democracia a responsabilidade da subida ao poder do "paranóico do bigodinho" ou é ignorância ou má fé! E de paranóico também não tinha ele nada. Confrangedor, confrangedor.
Bom texto, sem dúvida. Pelo menos, pela coragem de exprimir publicamente um grito de " o rei vai nú". O pior é que não estamos em 1931, mas sim,cerca de 8O anos depois e a Esquerda lusa- de todos os quadrantes- tarda hoje em assumir as suas responsabilidades históricas.E a ofensiva do capitalismo energúmeno deita mãos de outros instrumentos para impôr uma dominação quase " invisível " no universo em que vivemos. Thaelmann foi manipulado tanto por Estaline como por Hitler, no meio de uma crise mundial em evolução múltipla crescente, com a revolução chinesa de 1927
torpedeada e os PC´S euro-americanos à deriva, o que se veio a traduzir na " aventura " da Guerra Civil de Espanha e na lógica
" centrista " de conciliação de classes do sistema-tipo Frentes Populares.Hoje, a social democracia faz parte do " sistema " capitalista mundial integrado,onde alterna aberta ou camufladamente com os partidos liberais e neo-liberais, na sua gestão e mutação de crises ciclicas. Niet
Asinus,
parece-me indiscutível que a teoria do "social-fascismo" que caracterizava a social-democracia como "ala esquerda" e "mais perigosa" do fascismo, contribuiu, aplicada pelo KPD, para a "resistível ascensão" (como diria Brecht) de Hitler ao poder.
Eis alguns factos bem resumidos pelo João Bernardo, no Passa-Palavra (Ver o texto completo em http://passapalavra.info/?p=5364#more-5364):
"A actuação dos partidos comunistas facilitou a ascensão dos fascismos em todo o mundo, mas foi na Alemanha que teve consequências mais catastróficas. […]
"À medida que os nazis se aproximavam do poder, os dirigentes comunistas descobriram que eles representavam uma forma de capitalismo mais avançada do que a social-democracia, e por conseguinte, em nome da dialéctica marxista e das leis do progresso social, que o radicalismo nazi devia ser apoiado contra o reformismo social-democrata. Este colossal erro de estratégia decorria de um erro, não menos impressionante, na avaliação da dinâmica do capitalismo. Num discurso pronunciado em Fevereiro de 1932 perante o comité central do seu partido, Ernst Thälmann declarou: «A nossa estratégia consiste em dirigir o principal ataque contra a social-democracia, sem com isto enfraquecer a luta contra o fascismo de Hitler; é precisamente ao dirigir o principal ataque contra a social-democracia que a nossa estratégia cria as condições prévias de uma efectiva oposição ao fascismo de Hitler. [...] A aplicação prática desta estratégia na Alemanha exige que o principal ataque seja desferido contra a social-democracia. Com as suas sucursais esquerdistas, ela fornece os instrumentos mais perigosos aos inimigos da revolução. Ela constitui a principal base social da burguesia, é o factor mais activo da transformação fascista [...] e, ao mesmo tempo, enquanto “ala moderada do fascismo”, ela sabe empregar as manobras mais enganadoras e mais perigosas de maneira a atrair as massas para a ditadura da burguesia e para os seus métodos fascistas». [Mais tarde](…) os comunistas unir-se-iam aos nacionais-socialistas para combater o fascismo! Esta aproximação culminou na votação conjunta dos deputados comunistas e dos deputados nazis destinada a derrubar o governo de von Papen, na sessão parlamentar de 12 de Setembro de 1932. […] Não faltaram então, na esquerda internacionalista, vozes a prevenir que o Partido Comunista estava apenas a ajudar o nacional-socialismo, mas se os avisos de Rosa Luxemburg, de Paul Levi, de Pfemfert, de Clara Zetkin e de tantos outros haviam sido inúteis, estes foram-no também.
[…]
"Só o 7º Congresso da Internacional Comunista, em meados de 1935, inverteria esta orientação e iniciaria a fase das frentes comuns com a social-democracia. Mas para a Alemanha era tarde demais. O nacionalismo, neste caso ultranacionalismo, da III Internacional e especialmente do Partido Comunista alemão havia já liquidado a segunda maior organização comunista e destroçado completamente aquela que fora a vanguarda mais aguerrida do operariado mundial".
Saudações democráticas
msp
Caro João,
Não percebo o que propõe que PCP e BE façam de diferente relativamente ao que têm feito. Concordo que é necessário "(...)novo fôlego estratégico que acelere a inteligência política de esquerda(...)", quer em termos programáticos quer na acção política. Mas não concordo com o que aparenta ser a defesa dum "cessar-fogo" perante o governo PS, centrando o "ataque" na Direita. Isso seria um suicídio político a curto-prazo, porque acima de tudo a população está farta deste governo e votará em quem dele se demarcar, seja de Direita ou de Esquerda. PCP e BE perderão votos para a Direita (e para a abstenção) se fôr perceptível um alinhamento com o governo, e entregarão a maioria absoluta de mão-beijada ao PSD. Ainda, a longo-prazo, a Esquerda em Portugal só terá hipótese de "impôr" o seu programa se aproveitar esta janela de oportunidade para destruir qualquer hipótese do PS conseguir nova maioria absoluta no futuro, obrigando-o a virar à Esquerda e a necessitar de se coligar à Esquerda para governar.
Um abraço,
Pedro
Este texto parte, todo ele, de um pressuposto errado: o PS é de esquerda(risos). Não lhe parece?
Caro MSP
O bater de asas da borboleta na china, também contribui para a tempestade na Europa e tudo tem a ver com tudo...JT atribuiu a responsabilidade aos comunistas pela ascensão do "paranóico do bigodinho", o msp considera indiscutível que o social-fascismo "contribuiu" para a "resistível ascensão" de Hitler ao poder. Creio confundir-se o secundário com o essencial, numa questão desta importância histórica. Nem os historiadores alemães de direita (séria)fazem afirmações deste calibre.
Saudações socialistas
a
Asinus,
por favor, vamos ver se nos entendemos. Eu disse, mantenho, que a política do Partido Comunista Alemão contribuiu para a ascensão de Hitler ao poder. Era uma política sectária, que impedia e recusava qualquer unidade de acção com os social-democratas, nomeadamente com a sua ala esquerda (à esquerda do KPD), e com as organizações e elementos da esquerda alemã não alinhados nem com a II Internacional nem com o Comintern.
Não disse - nem me parece que o João Tunes tenha dito - que o KPD tenha sido o autor da ascensão de Hitler.
Ainda menos disse que o "social-fascismo" tenha levado Hitler ao poder. O "social-fascismo" era o nome que os estalinistas atribuíam às orientações do SPD e de outras forças socialistas não estalinistas. Um pseudo-conceito sem qualquer valor que não meramente propagandístico, como outros de que se serviram na mesma altura ou anos depois - como "nazi-trotsquismo", etc., etc.
Espero que o mal-entendido esteja desfeito, Ou ainda não?
Saudações republicanas
msp
Pedro Viana,
Sei que o meu texto é "arriscado" mas, já bastando o que basta, não me acrescente o que não disse. Eu não propus tréguas algumas relativamente ao governo e às suas medidas. Nem sequer as pratico ou praticarei. O que disse, sujeitando-me ao contraditório, é que o "perigo principal de direita" se deslocou e que isso, para desgraça nossa mas enfrentável, deve levar a uma reelaboração estratégica na esquerda que passa pela "recuperação político" do eleitorado de esquerda que vota PS. Em vez da fixação anti-PS (metendo-o todo no mesmo saco) e do "quanto pior. melhor". Naturalmente, esta perspectiva não casa com a obsessão em "destruir qualquer hipótese do PS conseguir nova maioria absoluta no futuro", até porque, em condições normais, as legislativas não são as próximas eleições. Antes, há as presidenciais e Manuel Alegre é um dos candidatos.
Caro MSP,
Nessa perspectiva a política do KPD contribuiu tanto para a ascensão de Hitler ao poder como a do SPD (recorde só a actuação do Ministro do Interior social-democrata na brutal repressão às greves e manifestações de trabalhadores em Berlim, com dezenas de mortos...). Portanto, a principal responsabilidade e contributo para a ascensão de Hitler não foi nem o KPD, nem o SPD. JT escreveu "os tempos do social-fascismo que levou o paranóico de bigodinho ao poder". Nem um nem outro afirmam que o "KPD foi o autor da ascensão de Hitler", (também era só o que faltava!), mas das afirmações que fazem é a conclusão que se poderia tirar. Congratulo-me com o desfazer do "mal-entendido". Num assunto desta dimensão histórica não me parece que devam ser feitas afirmações com esta leviandade.
Saudações socialistas
Caro Asinus,
ainda bem que, pelo menos no fundamental, o mal-entendido está desfeito.
Quanto ao resto, localizar a ascensão de Hitler nos tempos que assistiram à directiva que fazia do "social-fascismo" o "inimigo principal", não é inexacto. É verdade que o SPD, sobretudo no imediato pós-guerra, incorreu em alianças tácticas monstruosas e contribuiu activamente para abrir caminho ao pior, como se que tivesse de renegar tudo o que evocasse uma democracia socialista para se opor ao "bolchevismo". E há muitos outros aspectos da questão em que aqui não podemos entrar. No entanto, como no Passa Palavra o texto do João Bernardo - insuspeito de simpatias social-democratas - documenta abundantemente, a "teoria" e a prática política que erigiram o "social-fascismo" em inimigo principal foram um factor que pesou muito fortemente na não-resistência a Hitler, como, mais tarde, a política espanhola de Estaline e, depois, o Pacto de Não-Agressão, assinado por Ribbentrop e Molotov, lhe fscilitou as coisas, subordinando o combate anti-fascista internacional aos interesses de potência da URSS.
Saudações democráticas
msp
Caro MS Pereira: A tua imaculada honestidade teórica( e política) impele-te para um tipo de análise de pensamento histórico e político hiper-abrangente e super-pedagógico na tentativa de "clarificar " um processo histórico extremamente delicado e cmplexo nas suas mediações nacionais, europeias e mundiais. O que pode, helàs, suscitar efeitos perversos de análise ou interpretação...Nada de mal virá para o mundo, no entanto, por causa desse handicap.O que se opode reportar com a seriedade de um P.Broué, é que o terrível sindroma com o epiteto de " social-fascismo" ergue-se no cruzamento múltiplo,contraditório e diabólico da crise estratégica larvar instalada no PC alemão pela Internacional Comunista, a partir de 1929; sobretudo,por impacto da X assembleia plenária da I.C. onde Manouilski é eleito presidente e, como homem-de-mão de Estaline, frisa no seu relatório que a " social-democracia se tornará fascista e suplantará a burguesia na iniciativa da repressão contra a classe operária ".E, a par da " domesticação " da velha guarda spartakista, a fracção estalinista a soldo de Moscovo incensa Thäelmann e os seus dois " ajudantes ",Remelle e Neuman, que irão prostar-se de joelhos perante Hitler, a par e passo...até finais
de 1932, assistindo-se, paralelamente, ao esmagamento de um embrião de um novo " KPD", criado por dois antigos dirigentes saneados do partido pelos emissários do Kremlin. Trotski avisa múltiplas vezes do exílio: " Thäelmann deveria ter dito: tratar os sociais-democratas de fascistas é,evidentemente, uma estupidez que, a cada instante, nos auto-paraliza e nos impede de encontrar um caminho em direcção aos operários sociais-democratas. Renunciar a essa estupidez, era a melhor coisa que poderiamos fazer ". Salut et égalité. Niet
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