17/06/10

Pode-se lembrar Weimar?

Alargar permanentemente, em traço uniforme, o perímetro do desenho da “direita” e da “política de direita” é caminho seguro para embotar o bico do lápis de forma gratuita ou hedonista em termos de representação conflitual. Sócrates e o governo PS cumpriram e pré-esgotaram a sua missão política. São, neste momento, apenas uma ficção útil para os privilegiados na luta de classes e um adiamento para dar tempo à maturação da “alternativa” de direita pura e consistente, brutal tout court. Actualmente, a imediata e gravíssima responsabilidade política do PS, partido que se arrasta no poder, prolongando cargos para os seus funcionários (os altos, os médios, os baixos e os micros), já não é a das políticas demissionistas e classistas que promove(u) e pratica(ou), pois já o faz agora apenas por inércia e decadência, mas sim o de servir, servilmente, de compasso de espera com ingenuidade estúpida e inútil ao patronato e à direita para aproveitarem a crise para a terraplanagem dos direitos sociais fundamentais. Cavaco, o PSD, o PP e o patronato (este recentemente acordado com a excitação enérgica própria do acordar após uma noite bem dormida), neste momento, andam apenas dedicados à tarefa fácil de churrascarem o PS nas brasas que o rating e a Comissão Barroso sopraram e sopram. E contam, naturalmente, com as preciosas ajudas do fogo à esquerda. De facto, o problema principal, neste momento, não está na direita (esta faz, inteligentemente, o que mais lhe convém) mas sim na esquerda, nesta nossa esquerda com um proverbial gosto pelo canibalismo político, sobretudo manifestado em tempo de vacas magras e quando a direita e o patronato se mostram mais arrogantes. E que demonstra que dificilmente aprenderá a lição de Weimar, os tempos do social-fascismo que levou o paranóico de bigodinho ao poder e que, quanto a Thaelman, o melhor que lhe arranjou foi um lugar de martírio e morte em Buchenwald.

Obviamente que não é fácil, vencendo hábitos, nostalgias, fixações e preconceitos fraticidas, recentrar combates e denúncias, objectivos centrais de luta ainda menos. E a preguiça dos que se habituaram a escorregar pelo plano inclinado da inércia dos lugares comuns doutrinários não ajuda. Sim, mas. Porque está na hora de um novo fôlego estratégico que acelere a inteligência política de esquerda. Temos, pela frente, uma direita brutal em espera mas pronta a destruir o que resta do Estado Social e o mais que ainda sobra de Abril. E, se existe, é essa a questão central, agora. O que exige uma contenção sectária de todos e de cada um. Que, numa primeira fase, implica passar-se da estatística (que inclui o eleitorado do PS na contabilidade da esquerda) ao acto político. E, simultaneamente, apalpar-se com realismo e consistência o físico do monstro de direita que, como um Frankenstein construído no laboratório da crise, há que combater antes que se mexa o suficiente para poder descer sobre a noite da cidade. Porque, a alternativa é, qualquer dia, descermos à rua para defendermos o Código Laboral, que há pouco denunciámos, contra as suas degradações, ou defendermos o PEC 1 contra o PEC 2 e depois o PEC 2 contra o PEC 3.

(publicado também aqui)

11 comentários:

asinus disse...

Atribuir ao "social-fascismo", isto é à esquerda à esquerda da social-democracia a responsabilidade da subida ao poder do "paranóico do bigodinho" ou é ignorância ou má fé! E de paranóico também não tinha ele nada. Confrangedor, confrangedor.

Anónimo disse...

Bom texto, sem dúvida. Pelo menos, pela coragem de exprimir publicamente um grito de " o rei vai nú". O pior é que não estamos em 1931, mas sim,cerca de 8O anos depois e a Esquerda lusa- de todos os quadrantes- tarda hoje em assumir as suas responsabilidades históricas.E a ofensiva do capitalismo energúmeno deita mãos de outros instrumentos para impôr uma dominação quase " invisível " no universo em que vivemos. Thaelmann foi manipulado tanto por Estaline como por Hitler, no meio de uma crise mundial em evolução múltipla crescente, com a revolução chinesa de 1927
torpedeada e os PC´S euro-americanos à deriva, o que se veio a traduzir na " aventura " da Guerra Civil de Espanha e na lógica
" centrista " de conciliação de classes do sistema-tipo Frentes Populares.Hoje, a social democracia faz parte do " sistema " capitalista mundial integrado,onde alterna aberta ou camufladamente com os partidos liberais e neo-liberais, na sua gestão e mutação de crises ciclicas. Niet

Miguel Serras Pereira disse...

Asinus,
parece-me indiscutível que a teoria do "social-fascismo" que caracterizava a social-democracia como "ala esquerda" e "mais perigosa" do fascismo, contribuiu, aplicada pelo KPD, para a "resistível ascensão" (como diria Brecht) de Hitler ao poder.
Eis alguns factos bem resumidos pelo João Bernardo, no Passa-Palavra (Ver o texto completo em http://passapalavra.info/?p=5364#more-5364):

"A actuação dos partidos comunistas facilitou a ascensão dos fascismos em todo o mundo, mas foi na Alemanha que teve consequências mais catastróficas. […]
"À medida que os nazis se aproximavam do poder, os dirigentes comunistas descobriram que eles representavam uma forma de capitalismo mais avançada do que a social-democracia, e por conseguinte, em nome da dialéctica marxista e das leis do progresso social, que o radicalismo nazi devia ser apoiado contra o reformismo social-democrata. Este colossal erro de estratégia decorria de um erro, não menos impressionante, na avaliação da dinâmica do capitalismo. Num discurso pronunciado em Fevereiro de 1932 perante o comité central do seu partido, Ernst Thälmann declarou: «A nossa estratégia consiste em dirigir o principal ataque contra a social-democracia, sem com isto enfraquecer a luta contra o fascismo de Hitler; é precisamente ao dirigir o principal ataque contra a social-democracia que a nossa estratégia cria as condições prévias de uma efectiva oposição ao fascismo de Hitler. [...] A aplicação prática desta estratégia na Alemanha exige que o principal ataque seja desferido contra a social-democracia. Com as suas sucursais esquerdistas, ela fornece os instrumentos mais perigosos aos inimigos da revolução. Ela constitui a principal base social da burguesia, é o factor mais activo da transformação fascista [...] e, ao mesmo tempo, enquanto “ala moderada do fascismo”, ela sabe empregar as manobras mais enganadoras e mais perigosas de maneira a atrair as massas para a ditadura da burguesia e para os seus métodos fascistas». [Mais tarde](…) os comunistas unir-se-iam aos nacionais-socialistas para combater o fascismo! Esta aproximação culminou na votação conjunta dos deputados comunistas e dos deputados nazis destinada a derrubar o governo de von Papen, na sessão parlamentar de 12 de Setembro de 1932. […] Não faltaram então, na esquerda internacionalista, vozes a prevenir que o Partido Comunista estava apenas a ajudar o nacional-socialismo, mas se os avisos de Rosa Luxemburg, de Paul Levi, de Pfemfert, de Clara Zetkin e de tantos outros haviam sido inúteis, estes foram-no também.
[…]
"Só o 7º Congresso da Internacional Comunista, em meados de 1935, inverteria esta orientação e iniciaria a fase das frentes comuns com a social-democracia. Mas para a Alemanha era tarde demais. O nacionalismo, neste caso ultranacionalismo, da III Internacional e especialmente do Partido Comunista alemão havia já liquidado a segunda maior organização comunista e destroçado completamente aquela que fora a vanguarda mais aguerrida do operariado mundial".

Saudações democráticas

msp

Pedro Viana disse...

Caro João,

Não percebo o que propõe que PCP e BE façam de diferente relativamente ao que têm feito. Concordo que é necessário "(...)novo fôlego estratégico que acelere a inteligência política de esquerda(...)", quer em termos programáticos quer na acção política. Mas não concordo com o que aparenta ser a defesa dum "cessar-fogo" perante o governo PS, centrando o "ataque" na Direita. Isso seria um suicídio político a curto-prazo, porque acima de tudo a população está farta deste governo e votará em quem dele se demarcar, seja de Direita ou de Esquerda. PCP e BE perderão votos para a Direita (e para a abstenção) se fôr perceptível um alinhamento com o governo, e entregarão a maioria absoluta de mão-beijada ao PSD. Ainda, a longo-prazo, a Esquerda em Portugal só terá hipótese de "impôr" o seu programa se aproveitar esta janela de oportunidade para destruir qualquer hipótese do PS conseguir nova maioria absoluta no futuro, obrigando-o a virar à Esquerda e a necessitar de se coligar à Esquerda para governar.

Um abraço,

Pedro

Xavier Brandão disse...

Este texto parte, todo ele, de um pressuposto errado: o PS é de esquerda(risos). Não lhe parece?

asinus disse...

Caro MSP
O bater de asas da borboleta na china, também contribui para a tempestade na Europa e tudo tem a ver com tudo...JT atribuiu a responsabilidade aos comunistas pela ascensão do "paranóico do bigodinho", o msp considera indiscutível que o social-fascismo "contribuiu" para a "resistível ascensão" de Hitler ao poder. Creio confundir-se o secundário com o essencial, numa questão desta importância histórica. Nem os historiadores alemães de direita (séria)fazem afirmações deste calibre.
Saudações socialistas
a

Miguel Serras Pereira disse...

Asinus,
por favor, vamos ver se nos entendemos. Eu disse, mantenho, que a política do Partido Comunista Alemão contribuiu para a ascensão de Hitler ao poder. Era uma política sectária, que impedia e recusava qualquer unidade de acção com os social-democratas, nomeadamente com a sua ala esquerda (à esquerda do KPD), e com as organizações e elementos da esquerda alemã não alinhados nem com a II Internacional nem com o Comintern.
Não disse - nem me parece que o João Tunes tenha dito - que o KPD tenha sido o autor da ascensão de Hitler.
Ainda menos disse que o "social-fascismo" tenha levado Hitler ao poder. O "social-fascismo" era o nome que os estalinistas atribuíam às orientações do SPD e de outras forças socialistas não estalinistas. Um pseudo-conceito sem qualquer valor que não meramente propagandístico, como outros de que se serviram na mesma altura ou anos depois - como "nazi-trotsquismo", etc., etc.
Espero que o mal-entendido esteja desfeito, Ou ainda não?

Saudações republicanas

msp

João Tunes disse...

Pedro Viana,

Sei que o meu texto é "arriscado" mas, já bastando o que basta, não me acrescente o que não disse. Eu não propus tréguas algumas relativamente ao governo e às suas medidas. Nem sequer as pratico ou praticarei. O que disse, sujeitando-me ao contraditório, é que o "perigo principal de direita" se deslocou e que isso, para desgraça nossa mas enfrentável, deve levar a uma reelaboração estratégica na esquerda que passa pela "recuperação político" do eleitorado de esquerda que vota PS. Em vez da fixação anti-PS (metendo-o todo no mesmo saco) e do "quanto pior. melhor". Naturalmente, esta perspectiva não casa com a obsessão em "destruir qualquer hipótese do PS conseguir nova maioria absoluta no futuro", até porque, em condições normais, as legislativas não são as próximas eleições. Antes, há as presidenciais e Manuel Alegre é um dos candidatos.

asinus disse...

Caro MSP,
Nessa perspectiva a política do KPD contribuiu tanto para a ascensão de Hitler ao poder como a do SPD (recorde só a actuação do Ministro do Interior social-democrata na brutal repressão às greves e manifestações de trabalhadores em Berlim, com dezenas de mortos...). Portanto, a principal responsabilidade e contributo para a ascensão de Hitler não foi nem o KPD, nem o SPD. JT escreveu "os tempos do social-fascismo que levou o paranóico de bigodinho ao poder". Nem um nem outro afirmam que o "KPD foi o autor da ascensão de Hitler", (também era só o que faltava!), mas das afirmações que fazem é a conclusão que se poderia tirar. Congratulo-me com o desfazer do "mal-entendido". Num assunto desta dimensão histórica não me parece que devam ser feitas afirmações com esta leviandade.
Saudações socialistas

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Asinus,
ainda bem que, pelo menos no fundamental, o mal-entendido está desfeito.
Quanto ao resto, localizar a ascensão de Hitler nos tempos que assistiram à directiva que fazia do "social-fascismo" o "inimigo principal", não é inexacto. É verdade que o SPD, sobretudo no imediato pós-guerra, incorreu em alianças tácticas monstruosas e contribuiu activamente para abrir caminho ao pior, como se que tivesse de renegar tudo o que evocasse uma democracia socialista para se opor ao "bolchevismo". E há muitos outros aspectos da questão em que aqui não podemos entrar. No entanto, como no Passa Palavra o texto do João Bernardo - insuspeito de simpatias social-democratas - documenta abundantemente, a "teoria" e a prática política que erigiram o "social-fascismo" em inimigo principal foram um factor que pesou muito fortemente na não-resistência a Hitler, como, mais tarde, a política espanhola de Estaline e, depois, o Pacto de Não-Agressão, assinado por Ribbentrop e Molotov, lhe fscilitou as coisas, subordinando o combate anti-fascista internacional aos interesses de potência da URSS.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Caro MS Pereira: A tua imaculada honestidade teórica( e política) impele-te para um tipo de análise de pensamento histórico e político hiper-abrangente e super-pedagógico na tentativa de "clarificar " um processo histórico extremamente delicado e cmplexo nas suas mediações nacionais, europeias e mundiais. O que pode, helàs, suscitar efeitos perversos de análise ou interpretação...Nada de mal virá para o mundo, no entanto, por causa desse handicap.O que se opode reportar com a seriedade de um P.Broué, é que o terrível sindroma com o epiteto de " social-fascismo" ergue-se no cruzamento múltiplo,contraditório e diabólico da crise estratégica larvar instalada no PC alemão pela Internacional Comunista, a partir de 1929; sobretudo,por impacto da X assembleia plenária da I.C. onde Manouilski é eleito presidente e, como homem-de-mão de Estaline, frisa no seu relatório que a " social-democracia se tornará fascista e suplantará a burguesia na iniciativa da repressão contra a classe operária ".E, a par da " domesticação " da velha guarda spartakista, a fracção estalinista a soldo de Moscovo incensa Thäelmann e os seus dois " ajudantes ",Remelle e Neuman, que irão prostar-se de joelhos perante Hitler, a par e passo...até finais
de 1932, assistindo-se, paralelamente, ao esmagamento de um embrião de um novo " KPD", criado por dois antigos dirigentes saneados do partido pelos emissários do Kremlin. Trotski avisa múltiplas vezes do exílio: " Thäelmann deveria ter dito: tratar os sociais-democratas de fascistas é,evidentemente, uma estupidez que, a cada instante, nos auto-paraliza e nos impede de encontrar um caminho em direcção aos operários sociais-democratas. Renunciar a essa estupidez, era a melhor coisa que poderiamos fazer ". Salut et égalité. Niet