06/01/11
Além do fato pendurado no cabide
por
João Tunes
Zé Neves, muito bem mas por aí está a espuma, digamos estatutária, da questão. Porque há mais, muito mais e mais fundo. De vez em quando lembro disso um poucochinho (tratei-o num texto que blogo-publiquei há quase sete anos e que remete para as brumas dos gloriosos tempos de 75) e quando isso acontece sinto um arrepio ao ver aqueles olhos pequeninos do Chico Lopes disparando com o brilho dirigente próprio do centralismo com que se tempera o aço. É que o mal de Chico Lopes, e outros, não é serem ou terem sido funcionários, veteranos ou noviços, é cheirarem a Gulag.
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8 comentários:
É sempre chato quando tentamos lavar a roupa e o cheiro anti-comunista não sai.
João, não acho que o problema do gulag seja pura e simplesmente um problema de um partido comunista. é o problema de um partido comunista tornado estado. e neste sentido pode ser equiparado ao problema do holocausto e ao problema do colonialismo europeu e seus campos de concentaração.
eu partilho várias das tuas críticas à experiência comunista no século XX. mas, pelo que acima disse, não creio que a questão seja apenas a deriva estalinista (embora também e de modo que deve continuar a ser discutido e denunciado) e também a deriva, se quiseres, social-democrata ou centrista (que não tomo como incompatível com a deriva estalinsita). Para mim, caricaturando um debate historiográfico e político, entre a estratégia de classe contra classe e a estratégia de frente popular há mais coisas em comum do que gostaríamos.
mas sobre isto escreverei com mais tempo noutra ocasião.
abç
Zé Neves,
Sei que divergimos quanto à existência (ou não) de uma identidade estalinista no PCP e que permanece como sua marca de água. Há mais gente, por exemplo Carlos Brito, que nega o estalinismo em Cunhal e no PCP. Esse debate será interessante mas julgo que não cabe aqui, no aperto de uma caixa de comentários.
Quanto à "marca gulag" ser um problema de "partido comunista tornado estado", igualmente divergimos. Os carrascos e os assassinos políticos não ne fazem na noite da tomada de poder, no momento revolucionário. Olhando para os dirigentes do Leste, encontrarás gente que foi "heróica" antes do poder e basolutamente desinteressada, abnegada e modesta (Ceauscescu, Honneker, foram-no, para só referir chefes proeminentes). Tem de haver, e há, aspectos fundamentais do marxismo-leninismo que, em nome da revolução e da sua defesa, é capaz de matar, prender, torturar, exilar, condenar à escravidão, retirar todos os direitos humanos e cívicos. Na entrevista da RTP 1 com Judite de Sousa, perguntado sobre Cuba, Francisco Lopes defendeu aquela ditadura e manifestou-se solidário com ela, incluindo o espezinhamento dos direitos políticos, sociais e sindicais, bem como a prática de "sindicalismo estatal" que, inclusivé, participa na selecção dos trabalhadores a despedir (empurrar para a iniciativa privada...). Com este apego de Lopes aos métodos da ditadura cubana qual a dúvida em entender como inevitável que aqui, em situações de mudança política e social, ele repeteria a receita reprtessiva que foi e é praticada em todos os locais onde o comunismo alcançou o poder?
Abraço.
Caro João,
como dizes, é difícil encaixar aqui esta discussão. No entanto, duas ou três observações.
Estou de um modo geral de acordo com o que dizes do "marxismo-leninismo" como ideologia e prática orgânica - o que, embora eu não seja marxista, não devemos tornar extensivo ao marxismo (e foram, de resto, marxistas, sindicalistas revolucionários, anarquistas, alguns dos primeiros a compreendê-lo: a compreender que havia na lógica e nas concepções orgânicas de um partido de tipo bolchevique, tal como este se definiu sobretudo nos tempos imediatamente seguintes à Guerra Civil qualquer coisa que transformava o partido-Estado no viveiro e embrião de uma nova camada dirigente de vocação totalitária e radicalmente antidemocrática).
Mas importa distinguir uma realidade mais complexa no "movimento comunista", sobretudo nos casos em que não conduziu à tomada do poder pelo partido. Já citei várias vezes aqui, em caixas de comentários, este texto de Castoriadis, que, em meu entender, sintetiza bem a questão e nos sugere certas coisas que devemos ter sempre presentes ao lidar com ela em condições como as presentes. Aqui fica, uma vez mais:
" [o PC] está condenado a dizer uma coisa e a fazer o contrário: fala de democracia e instaura a tirania, proclama a igualdade e realiza a desigualdade, invoca a ciência e a verdade e pratica a mentira e o absurdo. É por isso que perde muito rapidamente a sua influência sobre as populações que domina. Mas é também por isso que aqueles que aderem ao comunismo, pelo menos antes da sua chegada ao poder (…) [e]stão possuídos por uma 'ilusão revolucionária', acreditam de um modo geral que o Partido Comunista visa realmente instaurar uma sociedade democrática e igualitária. É por isso que um comunista que descobre a monstruosidade do 'comunismo realizado' pode soçobrar psiquicamente, ou tornar-se social-democrata, oiu manter um projecto de transformação social radical desembaraçado do mmessianismo marxista-bolchevique. Um fascista ou um nazi não pode descobrir, nas suas crenças anteriores, nada que o incite a mudá-las" (C. Castoriadis, Uma Sociedade à Deriva. Entrevistas e Debates, 1974-1997, Lisboa, 90 Graus, 2006, p. 300).
De momento, é tudo. Ou melhor, falta o costumeiro "aquele abraço"
miguel (sp)
Miguel (SP),
Falei de marxismo-leninismo e não de marxismo. O marxismo está isento desta crítica pois nem sequer Marx foi marxista (nem o podia ser, tantas são as diferenças no percurso criativo do seu pensamento). O marxismo-leninismo foi uma criação de Estaline e não passa de uma cartilha dogmática (enquanto doutrina partidária) que escolhe, fixa e aproveita os nacos de Marx, Engels e Lenine que interessaram ao estalinismo para cristalizar um modelo de partido em assalto golpista ao poder e na conservação deste após vitória no assalto.
Abraço (por sinceridade, não por ritual).
Caríssimo João,
o "costumeiro" do abraço não era nem é antónimo de sinceridade e confiança: há coisas que se escolhem de olhos abertos, que se apreciam melhor assim e que é um gosto e, de certo modo, uma arte (de viver) transformar em habituais.
A observação sobre o marxismo versus marxismo-leninismo não era uma objecção ao que escreveste, e, mais do que isso, já sabia que, sem dúvida, corresponderia ao teu pensamento. Mas, nestas caixas, a gente escreve em público e tem de levar isso em conta. Daí que a tenha expendido.
Aquele abraço
miguel (sp)
joão,
não pretendi (mas em parte fiz) estabelecer uma separação dicotómica entre estado e movimento e bem sei que as formas de poder continuam dali para aqui.
para mim há aqui um problema complicado: vamos reponsabilizar partidos comunistas como o PCP pelo gulag? Sim. Mas então também devemos responsabilizar partidos social-democratas de todo o mundo pelo colonialismo europeu. Enfim, conto voltar a isto rapidamente.
abç
Camarada Zé,
É o PCP que se declara cúmplice dos crimes do comunismo-estado ao afirmar-se solidário com as ditaduras comunistas sobreviventes, ao lamentar o fim do sistema que gravitava em torno da URSS, ao condescender em aludir a erros e desvios, nunca admitindo ou confessando os crimes do comunismo e à sua degenerescência até gerar estados policiais. Cumplicidade que se manifestou quando o terror atingiu comunistas. Há aqui, nitidamente, uma responsabilização por camaradagem (assumida). Haverá forma de o PCP fazer a catarse que se julgaria como conveniente face aos crimes e à opressão do comunismo? O drama é que o PCP acumulou sabedoria política suficiente para saber que quando se democratizar e sacudir a herança do “comunismo real” (do passado e do presente) acelera o seu declínio e morre de rápida morte matada. Mas este “cul-de-sac” diz quase tudo sobre a coisa. Entretanto, a clique dirigente e o corpo nuclear dos funcionários (os militantes e os funcionários da copiadora e da impressora, não riscam em termos de essência partidária) constitui um “corpo de guarda” (o dos revolucionários profissionais) cuja justificação de vida, pessoal e politicamente, é a conquista do poder e depois a sua conservação a todo o custo com liquidação dos seus inimigos e adversários. Os tchekistas, os stasis, os securitates, estão lá, em sono de espera.
Colocas a questão das heranças da social-democracia. E muito bem pois aqui o lenço ficaria bem ranhoso se estes, também, se assoassem. Mas aqui, terás de reconhecer, não há um processo de saudosismo em marcha. Diferença pequena? Mas como assim?
Abraço.
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