17/02/11

A Esquerda possível


O drama maior desta moção de censura e do pé de vento que ela veio levantar - para quem não derrama uma lágrima pela estabilidade e pela confiança dos mercados - é que os argumentos mais sólidos contra Cavaco (e portanto, a favor de Manuel Alegre) servem igualmente contra Passos Coelho (e portanto, a favor de Sócrates).  O orçamento não pertence menos a um do que a outro e o PEC foi aprovado por todos. Se é do mal menor que se trata, o que valeu para Alegre vale também para Sócrates. E se não é disso que se trata, então uma severa auto-crítica seria a única coisa digna a fazer por parte de quem dirige o Bloco. Que, como se sabe, não são os membros da mesa nacional.
O drama maior desta moção de censura e do pé de vento que ela veio levantar - para quem não derrama uma lágrima pela "dificuldade da Esquerda em unir-se" - é que ela revela o beco sem saída a que está condenada a perspectiva de transformar a sociedade a partir das instituições. Muita coisa mudou desde que o espaço da extrema-esquerda passou a ter representação parlamentar, mas parece incontornável que o que mudou mais foi a  própria extrema-esquerda. Seria impensável há 10 anos ouvir Francisco Louçã afirmar que "o país" devia levantar-se para combater a pobreza "em nome de Portugal".
O drama maior desta moção de censura e do pé de vento que ela veio levantar - para quem não derrama uma lágrima pela democracia interna do Bloco de Esquerda - é o facto de tudo isto ter acontecido praticamente sem resistências ou clivagens internas, com muito boa gente a assistir candidamente à conversão do seu partido (ou dos seus partidos) na ala Esquerda do capitalismo e do regime.  Se podemos falar de capitulação nos tempos mais recentes, essa foi claramente a maior de todas. Ao ponto de coisas como esta homenagem a José Carvalho  ("militante revolucionário assassinado por um bando nazi") se converterem num objecto estranho, uma memória desconfortável desse outro tempo em que se procurava estar à Esquerda do possível.
Derrubar este governo só levará à formação de um governo pior, dizem-nos. E é por isso mesmo que não se trata tanto de derrubar o governo quanto de construir as condições para deixar de ser governado. Eis o máximo realismo a que se pode aspirar nos tempos que correm. Isso ou continuar a comer este pão que sabe a merda.

6 comentários:

joão viegas disse...

Não é isso, não é nada disso, camarada.

Vamos la ver. Contrapôr o voto inutil ao voto util é a maneira mais eficaz de refoçar o voto util, seja no PS, seja no PSD...

A questão não se pode pôr nesses termos.

Esta o bloco em condições de ganhar alguma coisa se houver eleições ? Por exemplo, esta o bloco em condições de impôr ao PS uma aliança à esquerda com vista a uma maioria de governo ?

Esta o Bloco em condições de propôr uma maioria credivel aliando-se com o PC, ou com outras forças de esquerda ?

Se não esta, então estamos outra vez a falar na provavel revolução de rua, que esta ai mesmo prestes a rebentar perante os nossos olhos deslumbrados.

Acho que ha para ai dez anos, senão mais, que isso esta para acontecer ja amanhã.

Num cinema perto de si...

Ricardo Noronha disse...

A sério João? Passámos os últimos dez anos a frequentar meios muito diferentes. Eu tenho ouvido sobretudo falar de "alternativa de Esquerda" e de "modernização democrática" e de "esquerda patriotica".
Porque é que falar da necessidade de combater o actual estado de coisas com base numa plataforma anticapitalista e anti-autoritária implica colocar a questão nesses termos: "que esta ai mesmo prestes a rebentar"?
É precisamente porque não está aí mesmo prestes a rebentar que se torna necessário falar seriamente do assunto, não em dias de festa, como fazem as direcções desses partidos, mas enquanto um conjunto de problemas estratégicos reais.
Mas tem piada que tu me venhas "explicar" que a verdadeira questão é saber se "o bloco está em condições de impôr ao PS uma aliança à esquerda com vista a uma maioria de governo" quando eu escrevi precisamente no sentido oposto e considero que essa é a questão menos relevante de todas, pelo menos para quem não é funcionário nem dirigente de qualquer um desses partidos. Expressões como "maioria credível" deviam ser enviadas para o caixote de lixo da história.

joão viegas disse...

Bom, OK, chamemos-lhe um testemunho mais do que um comentario. Vocês sabem-na toda...

O que eu quis dizer, eu que sou potencial votante no Bloco e que não sou, nem tenciono ser, nem funcionario, nem apara-chico(-esperto), nem nada disso, mas que acredito que não é de todo impossivel um governo com base popular tomar medidas de esquerda, é que olho para o Bloco nessa perspectiva e, com algum realismo serôdio, não vejo bem como isso poderia suceder, pelo menos nos proximos anos, a não ser com o apoio da maioria dos eleitores de esquerda, o que não pode excluir completamente os eleitores do PS, pois não ?

Quanto ao resto, eu so espero que vocês estejam certos, porque eu também, porque não dizê-lo :

Je l'attends, je l'attends, je l'atteeeends

L'attendrai-je encore longtemps ?
Que suis-je sans elle,
Un agonisant
Aaaah je l'attends, je l'attends je l'attends,
L'attendrai-je encore longteeeeemps

http://www.youtube.com/watch?v=Y_B1JvGKmqo

LAM disse...

Ricardo Noronha,
Não sei se bem compreendi o seu post.
O que me parece à primeira vista e, exceptuando argumentos que só os militantes desses partidos se poderão pronunciar mais objectivamente, (como questões de democracia interna e da consulta de órgãos que estatutariamente, ou não (?), competiria a tomada de algumas decisões); é que pega em dois ou três argumentos quanto a mim pouco consistentes, fruto de circunstâncias ou erros de argumentação, e sobre isso constrói conclusões que, se não me parecem erradas de todo, carecem no entanto de outra sustentabilidade.
Por exemplo, apesar de não concordar com ela, não creio que o apoio a Alegre nas presidenciais se possa pôr no mesmo patamar de qualquer sustentação do governo de Sócrates. São coisas diferentes, não só as personalidades envolvidas como principalmente a natureza de intervenção e de poder político executivo dos cargos que ocupam (um) ou se propunham ocupar (outro). Tivemos experiências anteriores em que, segundo os termos em que coloca a questão, a "esquerda era mais esquerda", e foram apoiados à presidência figuras mais à direita do que Alegre. O outro argumento é a tal tirada de Louçã sobre o combate à pobreza em "nome de Portugal" que, conhecendo-se as circunstâncias em que foi dito, no meio do barulho das luzes e do discurso de agitação, não creio que tenha o peso ideológico que lhe apõe.
Não foi por aí, por estes exemplos que dá, que "esta esquerda" é mais vacilante do que a anterior.

(que está demasiado dependente da via parlamentar, isso está, mas aí não podemos fazer comparações com a "anterior", acrescendo também que a intervenção política fora das instituições não está mais fácil.)

Ricardo Noronha disse...

Repito: os argumentos mais sólidos contra Cavaco (e portanto, a favor de Manuel Alegre) servem igualmente contra Passos Coelho (e portanto, a favor de Sócrates).
Os cargos podem ser diferentes, mas o argumento de que um quer destruir os direitos sociais ao passo que o outro fala (repito, fala) em defendê-los continua a manter-se.

LAM disse...

"os cargos podem ser diferentes" faz toda a diferença. Não creio que para umas legislativas houvesse qualquer apoio a Alegre ou qq personagem com a mesma proveniência ou historial político. Se metemos tudo no mesmo saco nunca vamos conseguir distinguir o caminhos a seguir nas diversas alturas e acabamos a falar sozinhos.