Menos “vistoso” e mais empático que o seu homólogo norte-americano (o importante e odiado Frank Carlucci), o primeiro embaixador da URSS em Portugal, aqui tendo permanecido entre 1974 e 1982, o sofisticado Arnold Kalinin, não teve, decerto, uma influência menor que Carlucci nos assuntos políticos e diplomáticos pós-revolucionários em Portugal. A tanto a “guerra fria” obrigava naqueles tempos cruciais em rota de aproximação à expansão africana que antecedeu a putrefacção soviética prévia do clímax de 1989-91. Em Lisboa, Kalinin, contando com a amizade de platina enfeitada com diamantes de Cunhal e do PCP para com o PCUS e a URSS, conduziu, com bonomia, eficiência e discrição, não só a gestão geoestratégica da revolução portuguesa como o largo campo de influência que a descolonização portuguesa abria à influência da URSS em África e de que o PCP e o MFA foram peões importantes na intermediação de influências nos tabuleiros políticos e bélicos das antigas colónias portuguesas. Naturalmente, e contrariamente com o que se passava com o seu “colega” Carlucci (a quem se assacavam os aspectos odientos de ser o representante do imperialismo e um chefe de operações da CIA, apoiando a contra-revolução), a URSS e a diplomacia de Kalinin contavam a seu favor com o manancial de simpatia num país que entrara - teoricamente - numa fase revolucionária anti-imperialista e socialista. O resultado desta importante diferença de afectividade dos sentimentos comuns para com os representantes dos dois pólos das superpotências competidoras da “guerra fria”, introduziu um importante efeito diferenciado de registo para memória futura: uma notoriedade largamente sublinhada e documentada para os papéis conexos de Carlucci e a CIA, parecendo que Kalinin não foi um influentíssimo embaixador e a malta do KGB não andou por aqui.
Graças a José Milhazes, chego à notícia do falecimento recente de Arnold Kalinin (que, depois de terminar a sua missão em Portugal em 1982, exerceu como embaixador em Angola - !!! - e acabou a sua carreira em Cuba, país onde Kalinin estava colocado quando foi nomeado para Lisboa). Pela influência que exerceu, mesmo que os seus planos maiores tenham fracassado e, quanto ao envolvimento africano, tenham até ajudado a empurrar a URSS para a falência, Kalinin não merecia que o seu desaparecimento fosse acompanhado de um tão ensurdecedor silêncio na “opinião portuguesa”. No mínimo, por justiça de apreciação, nem toda a fama devia ir direitinha para o seu “colega de superpotência” já que, quanto a proveitos, está para saber em que sala de troféus deve repousar a taça.
(publicado também aqui)
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