Nos últimos dias
ocorreu no 5 dias mais uma polémica um tanto ou quanto paradigmática de
sectores da esquerda portuguesa. A propósito de um concurso de
blogues, o Renato Teixeira apelou ao voto naquele blog recorrendo a um vitral
com Marx, Engels, Lenine e… Trotsky. Não vou comentar a figura do Trotsky que
aparte a sua criatividade nos primeiros anos do século XX (vd. primeira versão
da revolução permanente) e da épica "História da Revolução Russa", não me inspira
propriamente admiração ou simpatia. Aliás, para quem se interessa sobre
as concepções que Trotsky praticou nos primeiros anos da Revolução soviética e
em que as experiências de militarização do trabalho foram só um aspecto entre
outros basta ler a obra “Terrorismo e comunismo”, em especial o capítulo
intitulado “Problemas da organização do trabalho”.
Mas o que me
interessa realmente comentar e identificar são três aspectos de como a esquerda
nacionalista e trauliteira aborda as questões políticas, o património das
várias correntes e a materialidade dos processos sociais e políticos. E, a este título, as respostas na caixa de comentários são cristalinas sobre o que realmente motiva os stalinistas na sua actuação quotidiana.
1) Em primeiro lugar,
toda a discussão que a esmagadora maioria dos comentadores levou a cabo é
puramente iconoclasta. Isto é, a
discussão política é substituída pelos insultos e pelo valor facial da imagem
de um qualquer “renegado” que tanto podiam ser figuras tão diferentes como o Trotsky, o Malatesta ou o
Makhno. Basta aparecer a “fuça” de uma qualquer persona non grata para que as
campainhas de Pavlov toquem… Uma discussão de café sobre futebol consegue ser mais racional e sensata.
2) Por outro lado, a
abordagem às figuras históricas e aos processos políticos do passado (e do
presente) é claramente sectária e
fanática. Quando os comentadores se atiram enraivecidamente só porque se colocou a imagem de alguém que não cabe na curta caderneta de cromos
dos sectários isso só demonstra uma atitude de cega guarda ao seu Graal. Como comecei
por apontar acima, nem se trata aqui do Trotsky, mas dos urros proferidos pelos
que orgasticamente rejubilam com assassinatos e perseguições. Se esta gente estivesse no poder ficaríamos a saber qual o destino da esquerda anti-burocrática.
3) O cruzamento da
abordagem iconoclasta com a sectária resulta numa ausência de reflexão sobre o que realmente foi a economia e a
política da URSS e das experiências socialistas. Para os stalinistas a análise
histórica confunde-se com a geopolítica e com a glorificação da liderança
suprema de Stáline. Como a riqueza foi produzida, apropriada e distribuída ou como
funcionaram os mecanismos de tomada de decisões políticas, nada disso lhes
interessa. Como nada lhes interessa que as experiências no Leste se alicerçaram
na repressão das iniciativas democráticas e de controlo da produção pelos
trabalhadores.
O irracionalismo chega para preencher os buraquinhos daqueles
cerebrozinhos de queijo.
19 comentários:
Olá João e demais leitores aqui desse excelente espaço de debate e reflexão,
O pior, facilmente identificado na leitura dos comentários, é perceber que Stalin é absolvido de vez - já que "venceu Hitler" (Brecht, e suas perguntas de um operário que lê, acabou de sofrer um infarto).
E o pior, 2, é o seguinte: não que seja desnecessário discutirmos as experiências históricos - com seus balanços, limites e rupturas nunca realizadas -, mas é sintomático que apenas um post histórico sobre os tais "guardiões do Graal" ganhe tanta gritaria e manifestação.
Os artigos do Passa Palavra sobre a crise atual de Portugal e da UE acabam gerando muito menos discussão e argumentação racional - se bem que a racionalidade, como vemos nesses e em outros comentários, parece ter saído de cena. Se vem por aí onde e em que época estão voltadas as atenções da esquerda portuguesa.
Existe uma boa razão nacional estratégica em termos eleitorais para quem está na oposição para não se gostar de Trotsky.
Aquilo que foi a mais fundamental contribuição do trotskismo em termos ideológicos, a ideia de que o socialismo só é viável a nível mundial e que todas as formas nacionais de socialismo estão viradas para o fracasso implica uma enorme consequência táctica (consequência esta que, aliás, os trotzkistas nunca adoptaram pelo que ela implicava em termos de passividade nas lutas especificamente nacionais): a de que só a luta pela exportação da revolução no mudo inteiro era válida e que todas as lutas nacionais eram inúteis.
Ora, convenhamos que um programa eleitoral que se limitasse a dizer às pessoas que a única alternativa à situação em Portugal é lutar pela revolução mundial teria uma adesão ridícula.
Diga-se de passagem que a Igreja Católica se encontra face ao mesmo problema. Se se ler as mais recentes obras do Papa Bento XVI em que ele fala da globalização é manifesto que ele também tem uma abordagem "trotkista" (não sobre o socialismo enquanto doutrina ideológica obviamente, mas sobre a dignidade da pessoa humana que se expressa na defesa dos direitos socio-economicos das pessoas - direito ao trabalho, direito a um trabalho justamente remunerado, direito à saúde e à educação, etc. - que segundo ele só podem ter uma solução em termos de regulação mundial). Ora a Igreja Católica em termos nacionais continua numa luta estritamente nacional pela defesa destes direitos.
Maximilien Rubel defende Trotski contra a radicalização das perspectivas proto-capitalistas do campesinato durante a NEP, no periodo do pós-Guerra Civil russa, 1918/20, e que permitiu o lançamento, crescente e faseado, da supremacia burocrática sanguinária de Estaline,a partir de 1924. As nuances e subtileza das famosas análises de Rubel, em especail as insertas em " Marx Critico do Marxismo", não andam muito longe das teses incontornáveis de Castoriadis, Pannkoek e Mattich sobre a génese da sociedade burocrática bolchevique. " Se a nova dualidade entre os Sovietes e o partido foi rapidamente resolvida a favor do partido,se a própria classe operária ajudou activamente a favor dessa evolução, se os seus melhores militantes, os seus filhos mais devotados e mais conscientes sentiram a necessidade de apoiar a fundo e sem restrições o partido bolchevique, mesmo quando este se manifestava em oposição aos protestos da vontade da classe, é porque a classe operária no seu conjunto, de todas as maneiras a sua vanguarda, concebia ainda o problema da sua direcção histórica de uma maneira que, por ter sido necessária nessa altura, não deixava de ser falsa ", sublinha Castoriadis, in " S. Burocrática 1". Prefiro mil vezes o lenino-trotsquismo de Renato Teixeira & Cia ao zizequismo esdrúxulo e infeliz de C.Vidal. Salut! Niet
Caríssimo Niet,
não se trata nunca de pessoas, mas das teses políticas. Nesse aspecto, não creio nada que o Trotsky pós-1917 seja propriamente muito distinto do leninismo extremo personificado nas lideranças pós-revolucionárias. O que me interessou criticar foi sobretudo o delírio enraivecido dos comentadores que só por verem a figura do Trotsky (e poderia ser o Trotsky como podiam ser outras figuras) se desatam a glorificar o Mercader e todas as atitudes de fuzilamento, endeusamento do stalinismo, etc. Para aquela gente nem lhes interessa saber como funcionou a organização do Estado e da economia soviética com o Stáline. O que lhes interessa é manter tudo isso intocável à crítica e glorificar os actos directamente criminosos dos dirigentes soviéticos de então. E assim se transforma a luta política num conjunto de operações de liquidações humanas e políticas dos opositores.
Caro JVA: Percebo,sem sombra de pecado, as suas reticências sobre o papel(eis)de Trotski,claro.Eu apontei objectivamente a defesa iniciática tracada pelo Leon Bronstein da degenesrecência da Revolucao Russa, que Castoriadis, Pannekoek e um pouco Mattick sempre expressaram, e que Rubel subscreveu. O resto sao tiros de pólvora seca, como deve concordar.Já houve tentativas celeradas de fazer de Trotski um traidor multifacetado no 5 Dias, como sabe. tentei lutar contra isso. E a tarefa é gigantesca, meu caro. Salut! Niet
Enciclopédico Niet, ninguém melhor do que tu deveria saber que Castoriadis desde a ruptura com o PCI, e já, em menor medida antes, foi infatigável nas críticas do trotsquismo e do próprio Trotsky. É verdade que considerava haver excelentes análises sociológicas nas páginas de Lev Davidovitch e que tinha a sua História da Revolução Russa por uma obra-prima no seu género. Mas sublinhou uma e outra vez que Trotsky, a par de Lenine e no mesmo plnao que ele, desempenhou o papel de arquitecto privilegiado do regime dito por antífrase soviético, que se consolidaria na Rússia após a guerra civil. Do mesmo modo, não se cansou de denunciar o papel de "fracção da burocracia no exílio" da IV Internacional e das suas diversas tendências. Insistiu igualmente na insuficiência ou carácter contraditório da concepção da burocracia formulada por Trotsky, vincando que, incapaz de reavaliar o seu próprio papel histórico no passado, ele próprio se condenava a uma espécie de "duplipensar" sobre a questão. Tudo isto te é decerto familiar. E não precisas de o pôr entre parênteses para criticares os métodos de discussão e de luta política que animam os estalinistas frequentadores e grandes animadores das caixas de comentários do 5dias - secundados, acrescento eu, pelo silêncio de outros… Mas sobre este último ponto, nada tenho a objectar-te - ou só que chamar "zizekiano" a um fascista é, sem dúvida, demasiado lisonjeiro para o fascista, ao mesmo tempo que injusto para Zizek.
Saúde e bom vento
miguel(sp)
Só uma nota muito breve meus caros Niet e Miguel. Esse tal ficou ofendido diz infatigavelmente que não gosta da democracia. Sintomático o silêncio que esse indivíduo protagoniza relativamente a uma democracia dos oprimidos... Certamente para que novos amos surjam e ele faça parte do grupo...
Caros MS. Pereira e JV Aguiar: A guerra é medonha,diria Artaud. Têem carradas de razão. Eu até penso mais nas razões de Voline sobre Outubro 1917...E o que se seguiu... A tentar perceber, claro. A ver vamos! Salut.Niet
João Valente Aguiar,
Acho que é a primeira vez que concordo inteiramente com um post seu.
Mas não consigo deixar de me lembrar que foi também você que escreveu (e eu sei que isto é lateral em relação ao tema do post), em tempos, que os Processos de Moscovo "se destinaram a depurar o Estado e o PCUS de terroristas e indivíduos ligados aos serviços secretos alemães e japoneses". Eu percebo que isto não seja necessariamente contraditório com a crítica que agora faz à "glorificação da liderança suprema de Stáline", mas não deixa de me surpreender.
Sérgio Pinto,
boa parte dos textos recentes do João incluem uma análise dos dispositivos de através dos quais a lógica hierárquica do regime capitalista, e dos seus métodos estatais e/ou "empresariais" de governo, a todo o momento se esforça por recuperar a revolta e o mal-estar que o seu próprio funcionamento suscita. Essa componente dos textos do João são a melhor resposta à questão que V. levanta em termos que, pessoalmente, considero, no mínimo, despropositados.
Com efeito, nunca é tarde para quem comece por ser levado a aderir a uma organização estalinista, atraído pelos objectivos que esta proclama, mas se dá depois conta de que o regime interno e as formas de luta política praticados por essa organização serem a melhor maneira de prevenir esses mesmos objectivos, nunca é tarde, dizia eu, para que quem toma consciência desta contradição rompa com a organização estalinista em causa e passe a combatê-la, pelas mesmas razões, mas aprofundadas e criticamente reflectidas, que motivaram a sua militância inicial. Tal é o que tem feito com invejáveis honestidade e coragem o João, que, de resto, começou por não esconder as rupturas que operou. Assim, outros seguissem - para maior bem deles e nosso - o seu exemplo.
msp
Neste país e fora dele, à excepção de uma minoria, a esquerda anticapitalista constituiu-se a partir de rupturas com o leninismo. Nada no meu percurso é inovador nesse aspecto. E felizmente mais rupturas acontecerão no futuro relativamente ao lastro leninista, hierárquico e burocrático. Bem mais importante seria perceber porque a maioria dos indivíduos se mantêm numa vida inteira de crença cega na redenção stalinista e como os mecanismos de subjugação e de hetero-organização do leninismo conseguem perpetuar-se e surgir mesmo noutras organizações políticas. O resto é paisagem e só serve para picardias de quinta categoria.
Miguel Serras Pereira,
Curioso parece-me ser a reacção de considerar "despropositada" uma expressão de surpresa face a declarações anteriores do mesmo autor (que não foram feitas propriamente na Idade da Pedra). Evidentemente, nunca é tarde para mudar de ideias e é óptimo que qualquer pessoa tenha a capacidade de se auto-questionar, seja em relação a que tema for, mas isso não estava em discussão.
Eu não vi/li nenhum texto do João Valente Aguiar em que ele renegasse opiniões anteriormente veiculadas (o que, obviamente, não quer dizer que ele não o tenha feito - apenas quer dizer que eu não leio tudo o que ele escreve), pelo que a surpresa (à falta de melhor palavra) me parece natural. E sim, pode dizer que os textos recentes dele evidenciam uma mudança, mas isso pressupõe um conhecimento relativamente profundo de posições e percursos anteriores, de que eu não disponho em relação a ele.
No fundo, é uma pergunta. Mas, a avaliar pela sua reacção, parece que questionar (sem qualquer segunda intenção) aparentes mudanças dos autores do blogue é "despropositado", o que não deixa de ser engraçado.
João Valente Aguiar,
De acordo com o que diz neste último comentário, excepto com o facto de você considerar que o meu comentário é uma picardia - como refiro acima (e no comentário anterior), não é o caso.
Sérgio Pinto,
se o interpretei mal e não havia insinuação desagradável em relação ao João no seu primeiro comentário, peço desculpa. Mas tenha presente que nos últimos meses, antes da integração do João no Vias, as suas ideias e a sua pessoa, as suas posições e o seu bom nome, foram atacados em termos muitas vezes infames nas caixas de comentários de múltiplos posts que ele publicou no 5dias. Assim, o que me pareceu ser um tom mais agressivo da sua parte terá sido, como creio que V. diz, efeito de um reflexo defensivo que enviesou a minha leitura das suas palavras. Só lhe posso dizer que fico muito satisfeito por ser assim e que espero que esta minha explicação, por seu turno, o satisfaça.
msp
Sérgio Pinto,
escrevi literalmente dezenas e dezenas de páginas sobre o assunto no último ano (no 5 dias, no Passa Palavra, inéditos, artigos no prelo, etc.). Então o meu questionar das tretas da saída do euro e do nacionalismo do PCP numa série de muitos e muitos artigos é o quê?? Ainda por cima quando a isso veio sempre explicitamente uma crítica ao leninismo e às organizações que se reivindicam dessa corrente?? Não sei onde está a dúvida...
Por outro lado, as pessoas falam do que lhes aparenta reflectir na cabecinha. Publiquei há mais de dois anos um livro com 300 páginas totalmente inserido na dinâmica da exploração económica (aspecto que a ser desenvolvido só poderia vir romper absolutamente com o nacionalismo do PCP) e na dinâmica do proletariado agrícola alentejano com o centro na sua auto-organização (e onde as organizações partidárias surgem como actores secundários). E já tinha escrito artigos sobre a importância de se romper com o economicismo (marxismo das forças produtivas), visível na necessidade de não se confundir uma crise económica com uma crise de dominação, um aspecto que depois tomei consciência como absolutamente incompatível com o leninismo vigente.
E a muito breve trecho será publicado um longo capítulo de livro que contribuí para uma obra sobre ideologias políticas em que abordo a fundo os problemas do leninismo.
E por aqui me fico. Até porque não tenho de andar a justificar algo que nem sequer é tema do post. Lá porque a maioria das pessoas só escrevam e pensem em profundidade nos anos bissextos, isso não quer dizer que os outros actuem da mesma forma. Confundir os outros com as nossas próprias perspectivas e vícios é meio caminho andado para a estagnação intelectual, algo tão apreciado na esquerda não-libertária.
Uma outra nota só para terminar. Acho extraordinário que quem rompe com o leninismo e com os esquemas tradicionais da esquerda mais institucional (social-democrata, etc.) é visto de uma maneira bizarra, mas os que, por exemplo, há uns anos viam no marxismo heterodoxo do Debord um bom caminho de reflexão e que entretanto aderiram ao estalinismo mais bruto e anti-democrático já parece pouco importar... Como se diz no futebol, dualidade de critérios...
Miguel Serras Pereira,
Apenas para confirmar que não havia qualquer intenção desagradável (e as minhas desculpas se isso não ficou claro).
João Valente Aguiar,
Desculpe, falha minha. Para dizer a verdade, a minha surpresa não é de agora, mas provavelmente advém do facto de não ser muito comum ver alguém a mudar tão significativamente de posição (note que isto é um elogio, e sem qualquer ironia) num espaço de tempo relativamente curto.
Depois, é o que eu tinha referido: com alguma ginástica mental, talvez até fosse possível (pelo menos internamente) que as posições anteriores (evidenciadas pelo excerto que referi no comentário anterior) não fossem necessariamente contraditórias com as actuais.
Eu percebo que, do seu ponto de vista, a minha surpresa possa parecer absurda, dado que (obviamente) para si o processo é interno e eu sou apenas um "observador" externo (e intermitente).
Enfim, tudo isto era apenas uma observação lateral e uma curiosidade minha, e claro que você não tem de se justificar. Em todo o caso, obrigado pela resposta. E, confesso, acho que estarei sempre bastante mais próximo deste 'novo' João Valente Aguiar do que do 'antigo'.
Ao leitor Rocha,
comentários insultuosos e com calúnias não são publicados neste espaço (vd. ponto 3). Certamente estará mal habituado de outras andanças.
Se não sabe argumentar ou se está incapacitado de tal não temos culpa disso.
Já cá faltavam as atitudes à Raquel Varela.
Um post vazio como resposta a uma pseudo-polémica vazia e cheio de comentários vazios. E diz que eu não sei argumentar. Mas tu sabes censurar.
Não publico insultos e difamações. Isso está mais do que explícito na caixa de comentários daqui do "Vias".
Sobre o post. Parece-me que ele resume mto bem o que os stalinistas fazem perante quem consideram inimigo. Em vez de analisarem as teses políticas de alguém preferem sempre o insulto, a glorificação do assassínio e debater "cromos".
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