O que é paradoxal na candidatura de Corbyn é que ela foi construída com base num programa que é uma sólida e coerente proposta politica de governação.
Com base no mais radical e progressista Manifesto Eleitoral dos últimos quarenta anos o Labour propõe-se governar. Governar devolvendo esperança aos cidadãos. Governar para todos e não apenas para alguns. Georges Monbiot, que um mês atrás tivera a coragem de afirmar que o destino do Labour não estava traçado, salienta agora, dois dias antes das eleições, que a principal força de Corbyn radica no carácter das suas propostas, mais do que nas denúncias que faz ou na oposição à politica dos conservadores.
A politica de habitação é um desses campos e foi, desde que assumiu a liderança do Labour, uma das bandeiras de Jeremy Corbyn.
A crise da habitação no Reino Unido é um caso de estudo que, como acontece habitualmente, tem sido pouco estudado. Tratando-se de um país em que se lidera com o Mercado no altar das decisões politicas - assistido devotamente pelo Estado na sua versão libertariana, reduzido ao mínimo dos mínimos - pensar-se-ia ter a mão invisível, que Adam Smith teorizou nos primórdios da época vitoriana, conduzido a questão da habitação à condição de um não problema.
Mas não foi assim. Com a liderança dos conservadores, depois de um período igualmente lamentável liderado pelos trabalhistas da terceira via, a questão da habitação tornou-se um dos principais problemas com que se deparam os britânicos.
Corbyn devolve ao Estado a resolução do problema que o Estado criou por omissão. Ao delegar no Mercado a resolução do problema da habitação o Estado traiu os cidadãos e negou-lhes, em centenas de milhares de casos, o direito á cidade. A deslocalização da habitação não é uma palavra vã no Reino Unido. O carácter segregado da oferta de habitação a custos controlados - a pouca que há - não é uma palavra vã no Reino Unido.
A negação do direito à cidade não é uma palavra vã.
A proposta politica para a habitação é um documento sério e um documento de uma enorme importância politica.
Em síntese o que propõe afinal o Labour?
Em primeiro lugar construir um milhão de novas casas no período de uma legislatura. Mas que casas? Que casas a que custos para que famílias?
Por ano serão construídas 100 mil novas casas a custos controlados para arrendamento social ou para famílias carenciadas.
Labour will establish a new Department for Housing to focus on tackling the crisis and to ensure housing is about homes for the many, not investment opportunities for the few. Labour’s new housing ministry will be tasked with improving the number, standards and affordability of homes.
Dar aos municipios capacidade na promoção da oferta de habitação de que as comunidades necessitam. Trata-se de retirar todas as limitações que identificam a despesa com a habitação com o nível de endividamento dos munícipios. Uma restrição que também foi aplicada em Portugal, como se sabe. Articular o planeamento com a habitação - uma ideia verdadeiramente de esquerda que a esquerda portuguesa, por ignorância, tem dificuldade em perceber - garantindo oferta de habitação para todos de uma forma integrada e devolver ao Estado os serviços que tratam do registo de propriedade e das questões cadastrais.
Defender a posse pública do solo e defender a função dos municípios como proprietários de habitação social e como senhorios. Impor o principio da manutenção do stock público de habitação acabando com a tendência para os municípios alienarem a habitação pública. Colocar um ponto final na funesta politica do "right to buy"uma herança de Thatcher reescrita de forma ainda mais agressiva por Cameron.
More council homes have been sold off under the Conservatives and only one in five have been replaced, despite long housing waiting lists. Labour will suspend the right-to-buy policy to protect affordable homes for local people, with councils only able to resume sales if they can prove they have a plan to replace homes sold like-for-like.
Construir mais, mas construir melhor, com níveis mais elevados de construção e de isolamento e com uma relação entre as áreas úteis e o número de moradores mais adequada. Construir com uma força de trabalho mais qualificada, com melhores salários na industria da construção.
Controlar o preço das rendas e das novas habitações e banir as agências que especulam com as rendas e que operam no sentido de as inflacionar. Abolir as decisões dos conservadores que acabaram com os benefícios no acesso à habitação atribuído aos adquirintes mais jovens.
Alguém será capaz de encontrar um programa politico com esta amplitude e esta clareza de princípios e de objectivos? Se encontrar pode vir aqui divulgá-lo. Eu não conheço nada assim no passado recente.
PS- apesar dos atentados, apesar da campanha ignóbil dos Tories, que visa estabelecer uma correlação entre os autores dos atentados e Corbyn, apesar da imprensa hostil, aposto na vitória de Corbyn. Apesar do crescente impacto da candidatura do velho socialista nenhuma sondagem lhe atribui a vitória.
No entanto, há uma força que emerge da proposta politica dos trabalhistas e da liderança partilhada de Corbyn que está a mobilizar os cidadãos e por cujos resultados espero no dia 8 de Junho.
Afinal, limito-me a partilhar a esperança que conquista milhões de britânicos: esperança num mundo melhor e numa melhor democracia.
ACTUALIZADO. O Daily Mail desce a um nível grotesco. O jornal dedica 13 páginas a associar Corbyn e os seus camaradas mais destacados nesta campanha aos terroristas. Terrorismo puro ou um exemplo práctico de como os tablóides ao serviço dos interesses financeiros dos seus proprietários são uma ameaça terrorista que todos os dias vitima a democracia.
Do outro lado vale a pena ler a posição tomada pelo Guardian de apoio ao voto no Labour. Apesar de o jornal não ter resistido a manifestar desde cedo a sua descrença na liderança e nas ideias de Corbyn foi justo ao tomar uma posição determinada pela análise dos factos.
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