16/02/21
12/02/21
Há dinheiro para pagar às pessoas que estão impedidas de trabalhar?
Claro que há.
Para perceber isso melhor, vamos por partes; temos basicamente 3 sectores económicos:
a) sectores que não necessitam de grande contacto interpessoal presencial, e que continuaram a trabalhar
b) sectores que foram considerados essenciais, e que continuaram a trabalhar
c) sectores que fecharam
O sectores a) e b) na prática são iguais, portanto não os vou distinguir mais ao longo do post; a grande questão aqui é o que fazer às pessoas dos sectores c).
Entre os defensores da "abertura" são frequente argumentos como "ir comer ao restaurante é uma despesa essencial - para quem trabalha no restaurante" ou "podiamos fazer ginástica em casa, mas os preparadores fisicos dos ginásios também precisam de viver"; um contra-argumento imediato que aparentemente poderia ser feito era dizer que as pessoas que iriam comer ao restaurante podem sempre de vez em quando mandar para o NIB do restaurante uma transferênca bancária no valor da refeição que iriam fazer, os clientes dos ginásios continuar a pagar as mensalidades, etc, etc. e em termos de distribuição do rendimento ficaria tudo na mesma - os trabalhadores dos sectores a)+b) deixavam de comprar produtos c), mas continuavam a mandar aos trabalhadores dos sectores c) o mesmo dinheiro que antes gastavam lá.
Claro que ninguém ou quase ninguém vai voluntariamente fazer isso - mas há dinheiro para se fazer isso: afinal, as pessoas dos sectores a)+b) estão provavelmente a poupar muito dinheiro, já que deixaram de fazer despesas nos sectores c) (e duvido muito que tenha havido grande redirecionamento de despesas para outros sectores) - como o aumento da poupança dos sectores a)+b) seria possível compensar parte da quebra do rendimento dos sectores c) (não toda - as receitas dos sectores "c" incluíam não apenas as despesas dos sectores "a+b" em produtos "c", mas também os "c" a comprarem coisas a outros "c" - mas grande parte). Agora, se as pessoas dos sectores "a+b" não contribuírem voluntariamente para sustentar as dos sectores "c", que medidas se podem tomar?
- lançar um imposto extraordinário aos "a+b" para financiar os "c" (como os "a+b" têm menos despesas do que tinham, teriam dinheiro para pagar esse imposto)
- o estado endividar-se para pagar o tal subsídio aos "c" (como os "a+b" aumentaram a sua poupança, em principio haverá dinheiro disponível nos mercados de crédito para financiar esse deficit)
- o BCE imprimir dinheiro para pagar o tal subsídio aos "c" (como muita gente está a acumular dinheiro sem o gastar, essa impressão de dinheiro - se fosse em valor correspondente ao aumento da poupança - não iria causar inflação)
[Note-se que no fundo, todas estas variantes seriam a mesma transferência de dinheiro que no caso da família que todos os sábados ordenasse uma transferência bancária de 80 euros para o seu restaurante de peixe grelhado favorito, apenas feita por meios coercivos e generalizados]
Outra questão seria como identificar as pessoas "c", que perderam rendimentos devido ao fecho da economia (o que inclui não apenas as que ficaram sem emprego mas também - e essas são mais dificeis de identificar - as que deixaram de arranjar emprego por causa da pandemia e/ou da quarentena) - mas na prática o melhor seria continuar com a natureza do que se tem feito (alargamento dos subsídios de desemprego, lay-offs, subsidios às empresas que pararam), mas com a dose reforçada (em termos de dinheiro e abrangência).
[Post publicado no Vento Sueste; podem comentar lá]
07/02/21
"Myanmar" e "birmaneses"
Tenho estado a pensar - durante quanto tempo o mundo vai continuar a chamar ao país "Myanmar" e aos seus habitantes "birmaneses" (e a usar "birmanês" como adjetivo para "referente a Myanmar")?
Bem, por outro lado, também é que se passa com os Paises Baixos e os "holandeses", e de certa maneira também com os Estados Unidos e os "americanos" (e, regressando à antiga Índia britânica, nem sei bem que nome se dá coloquialmente as habitantes do Sri Lanka ou do Bangladesh).
03/02/21
UmPartidoUmLíderUmDestino
Parece que agora é a hashtag das publicações do Chega no Facebook.
Slogans em formato "Um... , um..., um Líder" (com variações na ordem nas palavras) caem sempre bem.
[Post publicado no Vento Sueste; podem comentar lá]
27/01/21
De onde vieram os votos de Ventura? (mais um contributo para a questão a juntar aos outros 536)
26/01/21
O que os media não disseram em 85, 87, 91, etc, etc.
"Temos que perceber porque é que grande parte dos alentejanos votou desta maneira"
21/01/21
06/01/21
16/12/20
A verdadeira história da formiga e da cigarra
03/12/20
Covid-falcões, covid-pombas e os "falsos positivos"
Uma coisa que tenho notado é que, comparado com o início da pandemia, parece ter havido uma quase total inversão de posições entre covid-falcões* e covid-pombas* sobre a questão dos eventuais "falsos positivos".
Ao principio, eram os covid-pombas que diziam que as estatisticas estavam a ser distorcidas por não se estar a contar com os assintomáticos (e com as pessoas com sintomas leves) e por isso a taxa de mortalidade parecia muito maior do que era efetivamente; inicialmente o grande exemplo dos covid-pombas era o Diamond Princess, onde o facto de se te testado toda a gente permitia, segundo eles, ter uma ideia da verdadeira taxa de mortalidade. E, sobretudo, quando se começaram a fazer testes serológicos, alguns indicando que percentagens relativamente altas da população já teriam tido covid, eram os covid-pombas a embandeirar em arco com esses estudos (de novo, dizendo que isso significava que a verdadeira taxa de mortalidade era muito menor), e eram os covid-falcões a desvalorizá-los, exatamente dizendo que uma pequena probabilidade de falsos positivos poderia afetar bastante os resultados (dando a entender que muito mais gente teria tido covid do que na realidade).
A partir de certa altura houve uma inversão, e passaram a ser os covid-pombas a insistir na questão dos falsos positivos (a inversão não é total, porque há uma subtil diferença: parece-me que os covid-falcões insistiam mais nos falsos positivos nos testes serológicos - que supostamente vêm ser a pessoa já teve covid - enquanto os covid-pombas falam sobretudo nos falsos positivos nos testes PCR - que supostamente vêm se a pessoa tem, neste momento, covid); diga-se que, sinceramente, essa ênfase dos covid-pombas nos falsos positivos me parece um bocado irracional - a mim parece-me que, se existirem efetivamente muitos falsos positivos, isso significa que a situação é mais grave do que parece, já que
a) a taxa de mortalidade será maior do que as estatisticas dizem (já que o denominador estará inflacionado)
b) estamos mais longe da imunidade comunitária do que se julga
c) se calhar quer dizer que o ritmo de crescimento da doença é maior do que se julga (este último ponto não tenho tanta certeza, mas dá-me a ideia que, quanto menos gente estiver realmente infetada, maior será a proporção de falsos positivos entre os "diagnosticados"; um corolário disso prece-me ser que se o número de realmente infetados estiver a crescer, os falsos positivos farão o crescimento percentual dia-a-dia parecer menor do que o crescimento real)
[Atenção que estes pontos só são relevantes para quem acredita que, ainda que com muitos falsos positivos, a covid-19 existe realmente; para quem ache que a covid-19 nem sequer existe e que todos os casos são falsos positivos, estas objeções que apresento realmente não se aplicam]
Dito isto, tenho esperança que a maioria dos assintomáticos sejam verdadeiros assintomáticos e não falsos positivos, por uma razão - se fossem sobretudo falsos positivos, já teríamos tido muito mais casos de aparentes reinfeções, nas variantes "falso positivo antes - falso positivo depois", "falso positivo antes - verdadeiro positivo depois" ou "verdadeiro positivo antes - falso positivo depois"; no entanto as reinfeções parecem ser bastante raras (e normalmente são consideradas noticia de jornal, de tão raras que são); ou será que há alguma política de só em casos limite fazer testes a ex-infetados (o que faria haver menos supostas "reinfeções")?
*para quem não perceba bem esta terminologia, com "covid-falcões" refiro-me ao que os covid-pombas normalmente chamam "covideiros", e com "covid-pombas" refiro-me ao que os covid-falcões normalmente chamam "covidiotas"
[Post publicado no Vento Sueste; podem comentar lá]
04/11/20
As votações de ontem nos EUA
É possível que estejamos a assistir aos últimos dias ou horas do regime constitucional nos EUA; mas tirando isso, vamos lá ver os resultados das tais votações de ontem:
- Arizona Proposition 207, Marijuana Legalization Initiative
- ainda decorre a contagem - California Proposition 17, Voting Rights Restoration for Persons on Parole Amendment - aprovada
- Colorado Proposition 114, Gray Wolf Reintroduction Initiative - ainda decorre a contagem
- Florida Amendment 2, $15 Minimum Wage Initiative - ainda decorre a contagem
- Massachusetts Question 1, "Right to Repair Law" Vehicle Data Access Requirement Initiative - aprovada
- Mississippi Ballot Measure 1, Initiative 65 and Alternative 65A, Medical Marijuana Amendment
- aprovadas - Montana I-190, Marijuana Legalization Initiative - ainda decorre a contagem
- New Jersey Public Question 1, Marijuana Legalization Amendment - aprovada
- Oregon Measure 109, Psilocybin Mushroom Services Program Initiative - aprovada
- Puerto Rico Statehood Referendum - ainda decorre a contagem
- South Dakota Constitutional Amendment A, Marijuana Legalization Initiative - ainda decorre a contagem
- South Dakota Initiated Measure 26, Medical Marijuana Initiative - aprovada
Todas as "ainda decorre a contagem" parecem estar no caminho para serem aprovadas,
03/11/20
As votações de hoje nos EUA
Como os leitores deste blogue já estão fartos de saber, nos dias das eleições norte-americana, há sempre uma porção de referendos. Para hoje temos, entre outros:
- Arizona Proposition 207, Marijuana Legalization Initiative
- California Proposition 17, Voting Rights Restoration for Persons on Parole Amendment (para as pessoas em liberdade condicional terem direito a voto)
- Colorado Proposition 114, Gray Wolf Reintroduction Initiative (para reintroduzir o lobo no estado do Colorado)
- Florida Amendment 2, $15 Minimum Wage Initiative (para subir o salário mínimo)
- Massachusetts Question 1, "Right to Repair Law" Vehicle Data Access Requirement Initiative (para os fabricantes de automóveis terem que ter um sistema informática que aberto, que possa ser acessado por oficinas de reparação não afiliadas com a marca)
- Mississippi Ballot Measure 1, Initiative 65 and Alternative 65A, Medical Marijuana Amendment
- Montana I-190, Marijuana Legalization Initiative
- New Jersey Public Question 1, Marijuana Legalization Amendment
- Oregon Measure 109, Psilocybin Mushroom Services Program Initiative (para legalizar o uso de psilocibina, um alucinogenico derivado de cogumelos)
- Puerto Rico Statehood Referendum (en-ésimo referendo sobre se Porto Rico deve pedir para ser um estado)
- South Dakota Constitutional Amendment A, Marijuana Legalization Initiative
- South Dakota Initiated Measure 26, Medical Marijuana Initiative
01/11/20
"Os valores da República"
Entretanto, em França, está na forja uma lei dizendo que "as liberdades académicas são exercidas em conformidade com os valores da República".
28/10/20
O Rendimento Básico Incondicional: o problema das experiências-piloto
É frequente os defensores do RBI falarem muito das experiências-piloto, seja para sugerir que sejam feitas para ver se resulta, seja usando o exemplo das já realizadas para argumentar que o RBI funciona.
20/10/20
Os filmes/séries policiais na "bússola política"
Algo que me ocorreu, ainda pensando nisto.
O "Inspetor Harry" na direita autoritária não tem grande dúvida, acho.
O "Zé Gato" na esquerda autoritária admito que já seja mais forçado, mas é o melhor que arranjei - muitos episódios (e a música do genérico) têm o tom "os criminosos escapam porque são ricos e influentes e mexem cordelinhos para a polícia não lhes poder tocar", que será a mensagem que se espera de um filme policial de esquerda autoritária (enquanto a direita autoritária preferirá "os criminosos escapam por culpa dos advogados, desses leis fofinhas que fizeram e dos jornalistas que estão sempre contra a polícia"); fala também muito da pobreza e da forma como esta leva ao crime, o que reforça a parte do "esquerda"; admito que a parte do "autoritário" é discutivel - se por um lado tem a mensagem de "os bandidos safam-se sempre" e o protagonista frequentemente entra em modo "policia durão", por outro nalguns episódios os seus inimigos são grupos de "vigilantes" ou polícias que perseguem e chantageam ex-reclusos (mas por aí também o "Inspector Harry" safava-se...). Provavelmente é difícil fazer um policial "esquerda autoritária" puro: não é muito fácil conciliar as ideias "é preciso mão pesada" e "as injustiças sociais do capitalismo contribuem para o crime"; bem, é a ideia do slogan blairista "duro com o crime e com as causas do crime", mas acho difícil usar isso como inspiração artística (demasiado complexo e com demasiada nuance). Uma alternativa seriam filmes a mostrar o antigo bloco de leste a ser infestado por criminosos em consequência do fim do comunismo (eu nunca vi o "Inferno Vermelho", mas tenho a ideia que parte do enredo gira à volta da ideia que a perstroika estaria a causar criminalidade galopante na URSS - talvez este servisse como exemplo?).
"Os Anjos de Charlie" na direita libertária porque uma ideia-base da série (a começar pela narrativa do genérico) parece ser de que pessoas de grupos historicamente discriminados (como mulheres) terão mais hipóteses no mercado livre do que no setor público; e o perfil de "Charlie" (rico e com um estilo de vida libertino) também encaixa bem aí (mesmo a sua natureza de "jiggle show" parece-me algo que a direita libertária verá melhor que qualquer dos outros três quadrantes). Para reforçar a componente "libertária", junte-se alguns episódios do tipo (pegando num género bastante popular nos anos 70...) "as detetives infiltram-se em prisões para mulheres em que as reclusas são mal-tratadas pela administração". E tenho a ideia que num episódio uma das detetives até diz algo como "o Charlie não nos vai despedir porque teria que pagar mais a quem nos fosse substituir", o que parece o Gary Becker a falar da discriminação.
[Eu já tinha começado a escrever este post quando vi um episódio em que as detetives foram ajudar um xerife de uma pequena cidade que tinha sido proibido de se aproximar de um suspeito porque o tinha agredido, ou coisa assim (não cheguei a perceber bem); isso era apresentado como um erro de que o xerife estava sinceramente arrependido, mas mesmo assim pensei se não poria em causa as credenciais "libertárias" da série; mas logo num episódio pouco depois desse "os maus" eram policias que plantavam provas para incriminar suspeitos e as detetives tiveram grandes dúvidas de consciência se deveriam denunciar alguém aparentemente envolvido em crimes sem vítima, portanto mantive a qualificação]
"Jogo de Audazes" na esquerda libertária - um grupo de vigaristas, que são contratados por pessoas que foram vigarizadas ou prejudicadas por indivíduos ricos e poderosos para os vigarizar a eles; e ainda por cima no episódio final o golpe é roubar informação secreta sobre os banqueiros responsáveis pela crise de 2008. Fundamentalmente, uma série no modelo "bons fora-da-lei que defendem os fracos contra os ricos e poderosos"; com o bónus da maior parte da série passar-se em Portland, Oregon (uma espécie de capital "antifa"?) e pelo menos alguns dos heróis parecerem-me ter um típico estilo de vida hipster.
"Rookie" - eu pus no centro, mas onde eu o associo mesmo é aquele centro-esquerda casal Clinton-Joe Biden-Kamala Harris, ao mesmo tempo culturalmente "progressista" e pró-"lei e ordem" - os bons são o departamento da polícia, mas dizendo explicitamente que a polícia é "diversa" (com muitas mulheres e minorias étnicas, e nalguns episódios refere-se mesmo o contraste entre esta nova polícia e os defeitos da velha polícia quase só de homens brancos) e por vezes até é dito que as testemunhas, mesmo que sejam imigrantes ilegais, não têm que ter medo de falar com a polícia porque é uma cidade-santuário e portanto não correm o risco de ser deportadas. E o episódio em que o personagem principal mata um suspeito é exemplar - ele é suspenso enquanto dura a investigação, os colegas comportam-se de maneira totalmente profissional com ele durante o inquérito (nem com grandes solidariedades nem grandes condenações) e no fim o inquérito concluiu que ele teve razão em disparar, acaba a suspensão e continua a sua carreira - é mensagem é claramente "a polícia moderna de Los Angeles tem um protocolo adequado e rigoroso para estas situações - nem se toleram abusos por parte dos agentes, nem os impedimos de fazer o seu trabalho"; compare-se com o típico filme/série de direita autoritária (em que o agente que teve que disparar seria apresentando como uma vítima dos advogados, da imprensa e/ou de agitadores, e os responsáveis da investigação interna apareceriam como uns cobardes que iriam, só por razões políticas, dizer que o polícia era culpado ) ou de esquerda libertária (em que os policias iriam aparecer como uma quadrilha, a se protegerem uns aos outros e até a adulterarem provas para safar o colega). E atendendo que é uma série recente (começou em 2018), aposto que estes fios narrativos não estão lá por acaso, e que a ideia é mesmo fazer uma série com polícias como heróis mas que não surja como "trumpista".
A dada altura, e pegando na ligação "Jogo de Audazes"-Portland, ocorreu-me se também não haveria uma ligação natural entre Los Angeles tanto com a "direita libertária" de "Os Anjos de Charlie" como com o "centro-esquerda" de "Rookie", na medida em que penso que é uma cidade culturalmente progressista (tipicamente californiana), mas sem o radicalismo político associado a São Francisco ou Berkeley. Mas depois lembrei-me que os filmes do inspetor Harry passam-se em São Francisco (e não, p.ex., no Texas...) portanto este determinismo geográfico não fará grande sentido, acontecendo simplesmente grande parte do audiovisual dos EUA ser produzido na costa Oeste.
Mas, mesmo assim, continua a parecer-me um sitio como a Califórnia dos anos 70 (que votou tanto em Reagan e na proposta 13 como em Jerry Brown para governador e ainda com muitos ecos da contra-cultura e da "New Age") era mesmo o local ideal para produzir uma série como "Os Anjos de Charlie".
19/10/20
MAS vence eleições bolivianas
16/10/20
Os heróis das séries policiais - polícias ou detetives privados?
Bem, pelo que eu me lembro, mesmo nos anos 70/80 a maior parte das séries policias eram tendo a polícia ou algo parecido como heróis ("Columbo", "Força de Intervenção", "Automan" - embora aí fosse um polícia largamente agindo à margem da organização, e que acho que nem tinha autorização para investigar - "Balada de Hill Street", "Miami Vice", "Os Profissionais", "Dempsey e Makepeace", "Crónica do Crime" e os nossos "Zé Gato" e "Uma Cidade como a Nossa"); mas também havia muitas à volta de detetives privados, como "Os Anjos de Charlie", "Devlin Connection", "Crime, Disse Ela", "Wolf", os "clássicos" ("Sherlock Holmes", "Poirot", os telefilmes do Perry Mason) ou os muito peculiares "Modelo e Detetive" e "Duarte e Cª".
Hoje em dia as séries policiais parecem andar todas à volta de polícias profissionais ("CSI", "NCIS", "Rookie", "Comissário Montalbano") ou então a variante (que já me parece um género em sim mesmo) "homem civil um bocado excêntrico ajuda mulher-polícia nas suas investigação, frequentemente com UST à mistura" ("Castle", "Perception", "Einstein", "Harrow", "Forever"), em que de qualquer maneira os heróis trabalham para a policia, com ou sem distintivo. A única série que me ocorre em que os heróis são algo parecido com detetives privados é "The Catch"* (em que, na minha opinião pessoal, os "maus" parece-me muito mais carismáticos que os "bons", mas enfim...).
A respeito disso, alguém comentou no meu Facebook que a "era dos detetives privados é anterior. Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Raymond Chandler. Os 70 já são um período de transição com os polícias rebeldes, Dirty Harry e Shaft à cabeça." (já agora, eu diria que o Zé Gato também tenta assumir esse papel), mas isso não afeta muito o sentido da transformação, apenas os detalhes da cronologia (mas já põe em causa a teoria da ligação ao Vietname).
Ou seja, nessa área não parece haver grande hegemonia ideológica neoliberal (a menos que sigamos a, aparentemente contra-intuitiva, teoria do Mises segundo a qual a glorificação do detetive privado face à polícia oficial seria resultado da mentalidade anticapitalista).
O ponto original da discussão no Twitter, ocorrida no auge das grandes manifestações de maio/junho nos EUA contra o racismo e a brutalidade policial, era que as séries televisivas atuais, ao porem os policias "oficiais" (em vez de detetives privados) como heróis, contribuíam para que o público não contestasse abusos de autoridade feitos pela polícia (e começou com alguém a sugerir que se fizesse uma série tendo defensores oficiosos como heróis - o mais parecido com isso é capaz de ter sido o "Perry Mason"). Mas eu suponho que isso não acontecerá muito com as séries que seguem o modelo do "whodunnit" (como "CSI" ou "Castle"), em que ao longo do episódio vão surgindo suspeitos que tudo indica que são os culpados e minutos depois descobre-se que são inocentes e o suspeito principal passa a ser outro - afinal, se alguma coisa, acho que essas séries até tenderão a reforçar nos espetadores a ideia que todos devem ser considerados inocentes até prova em contrário, e a ter pouca simpatia por ideias como "dar-lhe umas chapadas para ele confessar".
* Entretanto lembrei-me também do "Sherlock", mas isso é para aí um episódio por ano...
14/10/20
O Bloco, o PCP e o orçamento
As notícias dos últimos dias parecem indicar que estão a ser mais difíceis as negociações do governo com o Bloco do que com o PCP, no que diz respeito ao orçamento; ainda é demasiado prematuro para se poder concluir isso, mas mesmo que assim seja, também não me parece surpreendente - mas muita gente parece estar surpreendida com isso (veja-se, p.ex. este artigo no ZAP: "No meio deste impasse, o PCP admite todos os cenários, manifestando uma postura mais aberta a um sim e um discurso bem menos bélico do que o do Bloco, ao contrário do que seria de esperar").
Por qualquer razão (décadas de propaganda da Guerra Fria?), parece-se ter criado a "sabedoria convencional" de que o PCP é sectário, radical, etc.
Mas olhe-se para o historial das alianças de esquerda envolvendo os Comunistas - tanto na Frente Popular espanhola (leia-se Orwell, p.ex.) como na Unidade Popular chilena, eram os respetivos PCs que representavam o papel de "adultos da sala", e o parceiro radical normalmente era algum partido de "esquerda alternativa" (num nicho similar ao que o BE hoje ocupa em Portugal), como o POUM em Espanha ou o Movimento de Ação Popular Unitária no Chile (e não era raro mesmo sectores dos respetivos PSs ultrapassarem os Comunistas pela esquerda; p.ex., em França com o comunista Thorez em 1936 a dizer "é preciso saber acabar uma greve" e do outro o então socialiste Maurice Pivert a dizer que "tudo é possivel aos audaciosos").
Ou seja, não me parece haver nenhuma razão para "ser de esperar" que um acordo seja mais fácil com o BE de que com o PCP.
06/10/20
Somos e fomos todos fascistas? (1)
A mim parece-me que ele está simplesmente usando "fascismo" quase como uma palavra genérica para dirigismo estatal (ou pelo menos, para dirigismo estatal mantendo a propriedade privada dos meios de produção), o que, a ser assim, se calhar tornaria "fascistas" a maioria das sociedades existentes nos últimos milhares de anos, com um hiato no século XIX e princípios do XX (bem, excluindo, a ter existido, o "modo de produção asiático", já que aí o estado também era suposto ser o proprietário das terras; mas o chamado "MPA" provavelmente nunca foi mais do que a mesma coisa que o feudalismo europeu visto por um prisma "orientalista").
Um aparte (que não tem diretamente a ver com o texto de Ricardo Das de Sousa, mas acho que acaba por ter indiretamente): porque é que, quando se fala de Mussolini, cita-se muito mais vezes o "tudo no estado, nada contra o estado, nada fora do estado" do que o "abaixo o estado em todas as suas formas e encarnações: o estado de ontem, o de hoje e o de amanhã; o estado burguês e o estado socialista" ou "Nós somos liberais em economia mas não somos liberais em política"? Se se dizer que é porque a primeira (de 1925) é posterior à segunda (de 1920) ou à terceira (de 1921), isso não impede muita gente de ir buscar coisas ainda mais antigas (como o programa dos "Fascios" de 1918 ou a sua militância socialista até 1915) para fazer a exegese do fascismo....
O texto de Ricardo Dias de Sousa parece conter duas teses: a primeira é de que a planificação europeia no pós-guerra teria sido, na sua essência, "fascista"; a segunda é que no final dos anos 60 terá aparecido um novo tipo de marxistas, e que na sua rejeição do marxismo ortodoxo e do establishment do pós-guerra, acabar por, à sua maneira, ser também "fascistas".
Somos e fomos todos fascistas? (4)
Se comparada com as versões mais extremas da "nova esquerda", o fascismo tem algumas semelhanças na parte de um certo anti-materialismo (os esquerdistas dizem que são contra o "consumismo" e não contra o "materialismo", mas isso é em parte semântica) - uns em nome das virtudes heróicas e militares, outros em nome do trabalho criativo e da auto-expressão (parece muito diferente - ou talvez o oposto, para quem esteja habituado a filmes com o argumento "o pai quer que o filho vá para os fuzileiros, mas ele quer seguir Belas-Artes" - mas ambas as atitudes têm em comum a ideia de que a atividade humana deve ser motivada por algo "superior" a ganhar dinheiro e de recusa da supostamente monótona vida "burguesa"), mas a oposição é ainda maior no que diz respeito a questões de respeito pela autoridade ou por hierarquias (que a nova esquerda tendia a rejeitar ainda mais do que os democratas do pós-guerra), ou do pessimismo histórico dos fascistas (que tendem a ver a civilização sempre à beira do colapso e a necessitar de ser salva por heróis) versus o utopismo da nova esquerda (dada a acreditar que a sociedade sem qualquer espécie de opressão ou frustração está ao virar da esquina).
Agora, eu há muito tempo que ando a pensar numa teoria (em parte uma versão alterada e aprofundada do "gráfico de Pournelle"), que um dia hei de pôr num post, dum esquema bi-dimensional, sendo uma dimensão romantismo vs. iluminismo (sim, sim, esta oposição é muito contestável), e a outra coletivismo vs, individualismo (outra oposição muito contestável...), havendo uma grande tendência para alianças na diagonal (iluminismo-coletivismo e romantismo-individualismo de um lado, romantismo-coletivismo e iluminismo-individualismo do outro); neste esquema, o fascismo é uma variante de romantismo coletivista, o estado social de iluminismo coletivista e a "nova esquerda" já entra um bocado no romantismo individualista (o liberalismo fica no iluminismo individualista). E por isso quem for especificamente à procura, consegue encontrar semelhança do fascismo tanto com o estado social-democrata como com a "nova esquerda".
Somos e fomos todos fascistas? (3.4)
Somos e fomos todos fascistas? (3.3)
Não eram conscientes que ao rejeitar o modelo soviético, abraçavam o socialismo fascista.No contexto, fico sem perceber muito bem se ele se está a referir explicitamente aos grupos terroristas que refere atrás, ou à "nova esquerda" em geral. Se se está a referir aos primeiros, eu confesso que alguns nem percebo muito bem se, em termos de modelo de sociedade, tinham alguma diferença face ao modelo soviético. Mas, se se está referir à "nova esquerda" em geral, nomeadamente à que rompeu mais coerentemente com o modelo soviético, também não me parece que tivessem muito a ver com o "socialismo fascista".
Somos e fomos todos fascistas? (3.2)
Surgem na Europa vários grupos terroristas de esquerda como as Brigate Rosse em Itália, o Baader-Meinhof na Alemanha, o Provisional IRA na Irlanda, ou a ETA em Espanha. A componente nacionalista nestes grupos é evidente.
Somos e fomos todos fascistas? (3.1)
Para começar, vou pegar num ponto que até não tem exatamente a ver com a questão do "fascismo", mas é uma questão que até me interessa particularmente:
A partir de finais da década de 60, os intelectuais marxistas a Ocidente, confrontados com a falência definitiva do modelo soviético em Praga, deixaram de se interessar tanto pelos escritos da madurez do autor – o Marx materialista – para redescobrir os escritos da juventude – o Marx idealista, o Marx hegeliano, romântico, alemão.
Somos e fomos todos fascistas? (2.5)
"yuo are like a little baby, watch this" pic.twitter.com/41vsyJfkRC— schizotrad (@racistmarx) July 19, 2019
Somos e fomos todos fascistas? (2.4)
As diferenças eram tão ténues, que o paradigma do Estado do Bem-Estar, o modelo austro-escandinavo, foi implementado na Escandinávia por sociais-democratas e na Áustria por democratas-cristãos. Ambos com mais esqueletos fascistas na administração do que gostariam de admitir.
Somos e fomos todos fascistas? (2.3)
Somos e fomos todos fascistas? (2.2)
No entanto, há uma diferença fundamental, que nalguns aspetos até inverte o significado real de processos que formalmente parecem similares: o autoritarismo fascista, com a arbitragem obrigatória (ou algo muito parecido com isso) e a proibição das greves (não digo que isso por vezes também não acontecesse nalguns casos da Europa do pós-guerra, mas numa versão muito mais branda). E porque isso muda tudo? Porque um sistema de concertação social com direito à greve e em que sindicatos e associações patronais têm longas negociações até chegar a um acordo muito provavelmente dá mais poder ao "trabalho" do que teria num mercado livre; em compensação, num sistema em que as greves estão proibidas, e em que as negociações entre sindicatos e patrões funcionam mais na base de cada parte apresentar as suas exigências, e se não chegarem rapidamente a acordo, o representante do estado decide como vai ser, até pode dar à parte patronal mais poder que num mercado livre (se conseguirem que o estado se ponha do lado deles - mas há vários aspetos do sistema fascista que, por mais acima das classes digam que sejam, os acabam por levar mais para o lado do "capital" do que do "trabalho") - para um exemplo de como a política laboral da Alemanha nazi desequilibrou as relações laborais a favor do capital, ver o post de "pseudoerasmus" Nazi political economy.
Somos e fomos todos fascistas? (2.1)
"Quando a velha ordem democrática liberal foi restabelecida, o liberalismo já estava morto. Os americanos insistiram em eleições e a Igreja Católica aceitou o repto, patrocinando os partidos democratas-cristãos. Os partidos políticos, esses, organizaram-se em torno de velhos liberais, como Adenauer, Churchill, Blum, ou De Gaspieri. Eram homens nascidos noutro século, insuspeitos de simpatias fascistas, mas que lideravam hordas de jovens planificadores sem grande empatia pelo liberalismo dos seus maiores. A democracia salvou as aparências. Era o grande atestado de não-fascismo dos novos regimes. As opções políticas com chances de vitória nas urnas eram, essencialmente, duas: sociais-democratas à esquerda e democratas-cristãos à direita. Curiosamente, os resultados eleitorais seguiram, grosso modo, as velhas linhas divisórias do Tratado de Vestfália: os democratas-cristãos venceram nos países católicos e os sociais-democratas nos protestantes. Ambos, esquerda e direita, protestantes e católicos, brandindo os tais programas de planificação centralizada a que o eleitorado se acostumou antes da guerra. As diferenças eram tão ténues, que o paradigma do Estado do Bem-Estar, o modelo austro-escandinavo, foi implementado na Escandinávia por sociais-democratas e na Áustria por democratas-cristãos. Ambos com mais esqueletos fascistas na administração do que gostariam de admitir." (...)
"A partir da década de 80, quando finalmente [os socialistas]começaram a ganhar, decidiram, também eles, refugiar-se no intervencionismo fascista: Miterrand, Craxi, González, Soares e Papandreou, de quem se esperavam revoluções quando eleitos, rapidamente meteram o socialismo na gaveta. Os partidos socialistas converteram-se na primeira barreira contra o comunismo na Europa Ocidental. A amnésia de uns europeus que preferiam olhar para o futuro fez o resto. No processo, as pessoas foram convenientemente esquecendo que o fascismo era o Estado intervencionista."
"Na vertente económica, a principal diferença entre as duas planificações socialistas, a fascista e a comunista, era a obsessão comunista com quotas de produção. [negrito meu - M.M.] Os fascistas perceberam o fracasso soviético. Criaram grandes empresas públicas, mas grande parte da economia era gerida indirectamente, através de agências de supervisão e intervenção. Depois da guerra, o ímpeto planificador e intervencionista ganhou alento, embora com diferentes matizes: a França, mais influenciada por socialistas e comunistas, nacionalizou as principais indústrias, a Alemanha deixou a produção essencialmente em mãos privadas e o Reino Unido, que chegou tarde à febre planificadora através do governo trabalhista, foi o que mais se aproximou da planificação soviética. Como consequência, ali, o racionamento durou até meados da década de 50 para muitos bens essenciais."
04/10/20
Representações
Mas parece que isso já não vale para outros agregados que não os geográficos.
29/09/20
Como se calcula a mortalidade da gripe
Programa Nacional de Vigilância da Gripe Relatório da época 2018/2019 (páginas 63-65, PDF):
Durante a época de gripe 2018/2019 o nú- mero de óbitos por todas as causas esteve acima do esperado entre a semana 02/2019 e a semana 7/2019 (Figura 27 e Figura 28) 40. Aplicando um método de regressão cíclica foram construídas linhas de base que correspondem à mortalidade esperada sem o efeito de fatores externos e que permitem estimar os excessos de mortalidade por todas as causas pela diferença entre a mortalidade observada e a linha de base. Este cálculo foi efetuado para a população geral e estratificado por sexo, grupo etário e região de saúde. No total, estimou-se um excesso de 2.844 (IC95%: 2.229 a 3.459) óbitos em relação ao esperado, o que corresponde a uma taxa de 28 óbitos por cada 100.000 habitantes e a um excesso relativo à linha de base de 19 % (IC95%: 17 a 22 %). O excesso de mortalidade atingiu o seu valor máximo na semana 4 de 2019 (excesso relativo de 25 %).
(...)
Durante o período de excesso de mortalidade ocorreram dois eventos que podem explicar este aumento do risco de morrer. Nomeadamente, a epidemia de gripe sazonal cujo período epidémico decorreu entre as semanas 01/2019 e 09/2019, com um pico na semana 03/2019, e períodos com temperaturas mínimas abaixo do normal nos meses de janeiro e fevereiro de 2019 (Figura 30). Para estimar a mortalidade atribuível à epidemia de gripe e às temperaturas extremas, aplicou-se um modelo de regressão de Poisson de forma a modelar a taxa de mortalidade observada em função do índice Goldstein (taxa de incidência de síndrome gripal multiplicada pela percentagem de casos de síndrome gripal positivos para o vírus da gripe) e das temperaturas extremas, ajustada para a tendência e sazonalidade (Figura 31). Esta metodologia foi desenvolvida no grupo de trabalho FluMOMO 41 do projeto Europeu EuroMOMO 42.
Com base nesta abordagem, e considerando um histórico desde a semana 40/2013 até à semana 20/2019, estimaram-se 3.331 (IC95% 3.115 a 3.552) óbitos atribuíveis à gripe e 397 óbitos (IC95% 315 a 489) atribuíveis às temperaturas extremas.
26/09/20
Trump quer sabotar as eleições? Duvido muito.
Atendendo que toda a carreira de Trump, desde pelo menos os anos 80, tem assentando no primado da imagem sobre o conteúdo (hum, será que acidentalmente acabei também por descrever os anos 80 no geral?), eu suspeito que o grande desejo dele não é tanto permanecer na presidência, mas poder dizer (e ter muita gente a acreditar) que é o presidente, e todas essas conversas dele a pôr em causa o processo eleitoral se destinam, não a preparar o terreno para um "autogolpe", mas a preparar o terreno para, se perder, poder passar 4 anos a apresentar-se aos seus convidados em Mar-a-Lago como "o verdadeiro Presidente dos EUA", vítima das conspirações do "deep state" (em vez de ser um "looser" que não conseguiu a reeleição). Até imagino facilmente daqui a uns anos uma gravação dele dizendo "When you’re the President - the real President-, they let you do it. You can do anything. Grab ’em by by the pussy. You can do anything."
O problema aqui é se parte da base Republicana (incluindo as milícias armadas e grande parte do corpo policial) leva o show dele a sério e tenta por sua iniciativa um "contragolpe" contra os "golpistas" no poder.
Já agora, ver este post de Noah Smith no Twitter e respetiva thread, onde ele sugere um cenário parecido (e muita gente acha que é mesmo o cenário mais provável).
16/09/20
"OK, Boomer"
É que desde para aí uns dois anos, parecia ter havido uma inversão quase total dos estereótipos ideológicos tradicionalmente associados à geração "boomer".
Isto é, de há uns tempos para cá, surgiu a ideia que os "boomers" seriam uma geração particularmente conservadora (exemplo) - quando eu passei toda a minha juventude a ouvir falar que a "geração de 60" (a geração de Gloria Bunker e Michael Stivic, e também a de Steven e Elyse Keaton) era A GERAÇÃO PROGRESSISTA por excelência, não apenas mais progressista que as anteriores (o que é normal) mas até que as posteriores (era esse o ponto da série "Quem sai aos seus..." - o contraponto entre a progressista "geração de 60" e a conservadora "geração de 80").
Já agora, cá em Portugal eu passei a minha adolescência com as escolas secundárias dominadas pela JSD, e na primeira campanha eleitoral que dei nota, o liceu estava a abarrotar de autocolantes "P'rá Frente Portugal" - embora em Portugal houvesse a peculiaridade que a geração "progressista" não era tanto a dos nosso pais, mas sim mas sim um misto de tios mais novos, primos afastados mais velhos e professores no principio de carreira (o pessoal na casa dos 30 anos, que tinha sido jovem nos nossos "anos 60" - 1974 e 1975; pelo menos uma prima afastada minha, então com 30 e tal anos, consta que ex-simpatante do PRP e típica "progressista nos costumes", era fã de uma série que havia na altura que era "Os Trintões" e dizia que representava bem a geração dela; essa série era por vezes descrita como o contraponto a "Quem sai aos seus...").
Sinais da mitificação da "geraçao de 60": ainda me lembro de há muitos anos (para aí em 1990) ter lido um artigo (penso que do João Martins Pereira, o já falecido ex-marido da Fátima Bonifácio... - ou será que mesmo isto é um exemplo da mudança do que se espera dum boomer?) que algures dizia "todos as pessoas entre os 30 e os 60 anos tendem a descrever-se como da geração de 60, grande abrigo anti-sismico mais seguro que as de 50 e de 70"; e alguém se lembra de por volta de 1973 ter surgido (com o impacto que teve) algum filme similar a "Os amigos de Alex", mas a evocar os anos 50? (o mais parecido seria o American Graffiti, mas muito longe - nem que seja porque o período que evoca é já o principio dos anos 60).
Isto talvez seja uma especificidade da chamada "Geração X", mas nós crescemos a ouvir associar a geração de 60 à geração dos contestatários e dos progressistas (sempre que havia um protesto de estudantes nos anos 80, alguém falava em "regresso aos anos 60?"), pelo que agora me dá alguma dissonância cognitiva a conversa do "OK Boomer"; por outro lado, també é verdade que "boomer" não é sinónimo de "geração de 60" - se adotarmos a definição de "nascido entre 1946 e 1964", isso incluirá também muitos dos então tão atacados yuppies dos anos 80 (mesmo o Alex P. Keaton era suposto, in-universe, ter nascido em 1965, logo só não seria um boomer por um ano).
Nota 1: suspeito que nestas coisa de conservadorsmo versus progressismo por gerações, há também
uma grande mistura entre a função e a derivada, ou talvez até a segunda derivada...
Nota 2: tenho também uma ainda maior desconfiança face ao conceito de "geração X" (tenho também um post nos rascunhos sobre isso), que em Portugal abrangeria tanto a geração "Prá Frente Portugal" como a "geração rasca", largamente opostas; eu suspeito que há uma diferença marcada entre as pessoas da minha idade ou mais velhas (a típica geração de 80), e as mais novas que eu (a "geração rasca", e também a do grunge e, em Portugal, do rap).
08/09/20
Palavras com e sem género
Porque é que as pessoas que mais se esforçam por arranjar palavras ou expressões sem género (ver a questão do "Cartão de Cidadão" e "Cartão de Cidadania"), o que não é fácil numa língua latina, são normalmente também as que querem pôr género numa das única palavras portuguesas sem género?
06/09/20
Cidadania e Desenvolvimento - Ano 2030
Também o Observador e o Expresso publicam vários artigos de opinião sobre o caso, marcando a importância de um chão comum de valores para a manutenção de uma sociedade livre e democrática, e como isso está a ser ameaçado pelo multiculturalismo relativista e pela balcanização identitária (como escreve um dos articulistas do Expresso "são estas situações, que toda a gente conhece mas a imprensa dita de referência e os bem-pensantes do Bairro Alto fingem ignorar, que levam as pessoas comuns, que cumprem as regras mas veem-se abandonadas pelo sistema, a votarem no Ergue-te").
Em contraponto, um investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em entrevista à RTP, apresenta a sua visão de que a filosofia estruturante da disciplina deriva de um paradigma iluminista-mecanicista, que apresenta como factos objetivos fenómenos e mundividências que só existem realmente numa perspetiva de intersubjetividades e de construções identitárias mediatizadas culturalmente, e que como tal é problemática, porque essa ideia de que é possível definir uma verdade objetiva independente das subjetividades e representações sociais é intrinsecamente ocidentalocentrica e (mesmo que alguns conteúdos até possam parecer "feministas") masculinocentrica; assim, considera que seria boa ideia suspender a cadeira (ou pelo menos todos os seus efeitos na avaliação) e repensá-la numa perspetivas de tornar a escola numa multi-escolas, genuinamente aberta aos várias saberes e culturas. No dia seguinte, aparece um post no Blasfémias divulgando todas as ligações entre o investigador e o Bloco de Esquerda.
Entretanto, um grupo de jovens de uma comuna ao pé da Almirante Reis divulgam (tanto por panfletos como por um texto viral na net) um manifesto apelando ao fim da escola ("A forma-valor começa na forma-escola"); do outro lado do espectro político e social, uma feminista de direita ex-NeverTrumper anuncia no Twitter que vai participar num novo projeto, junto com os seus antigos colegas de blogues do principio do século.
04/09/20
Drama e horror nas aulas de Cidadania
Se a Helena Matos soubesse o exercício que o nosso professor de economia nos mandou fazer no 10º ano (perguntar às nossas mães quantas horas por semana gastavam na lida da casa e depois multiplicar pelo salário/hora de uma mulher a dias para ver quanto dava)…
Já agora, diga-se que eu tenho realmente grandes dúvidas face ao principio geral da obrigatoriedade de assistir a aulas, seja de que disciplina forem (eu tenho alguma simpatia pelo modelo Summerhill), mas quando há uns anos se falou em acabar com os chumbos por faltas isso deu uma enorme polémica e tiveram que voltar atrás.
01/09/20
As aulas de Cidadania e Desenvolvimento
22/08/20
"Trabalho comunitário" versus "emprego garantido"
Para quem não sabe, o "job guarantee" consiste em o estado disponibilizar empregos a quem os queira, o que significa que ninguém ficaria involuntariamente desempregado, e por outro lado alguém que estivesse descontente com o seu emprego no sector privado teria sempre a hipótese de ir para um desses "empregos garantidos", o que aumentaria o poder negocial dos trabalhadores face aos patrões.
A grande diferença, claro, é o valor da remuneração - um subsidio mínimo na proposta de "trabalho comunitário", e um salário provavelmente ao nível do salário mínimo no "emprego garantido", mas mesmo isso talvez não seja assim tão líquido: imagino facilmente um governo de direita a baixar os salários e/ou agravar as condições de trabalho dos "empregos garantidos" para os tornar em algo parecido com o "trabalho comunitário"; e também imagino muito facilmente um governo de esquerda a equiparar o subsidio do trabalho comunitário ao salário de uma profissão equivalente na admnistração pública, com o argumento "trabalho igual, salário igual" (diga-se que também imagino um governo de esquerda a chegar ao poder e a integrar extraordinariamente essas pessoas na função pública, talvez naquelas vagas a "extinguir quando vagar").
Ainda sobre o "emprego garantido" (e sem concordar com tudo o que ele diz), recomendo esta perspetiva crítica de Scott Alexender, Basic Income, Not Basic Jobs: Against Hijacking Utopia.