14/01/11

Os operários não têm pátria e a nossa missão é devolver-lhes a dita cuja? Olhe que não, olhe que não...

Sobre esta correcção do Nuno Ramos de Almeida e do Bruno Carvalho ao post da Diana Dionísio, parece-me que é assim: do ponto de vista teórico, não há, por certo, nenhuma contradição entre patriotismo e internacionalismo e sabemos que figuras como Álvaro Cunhal, por exemplo, dedicaram esforço e mais esforço à tentativa de articulação entre uma e outra coisa. A questão está em que nem todos falamos da mesma coisa quando falamos de internacionalismo. O meu conceito de internacionalismo está bastante mais próximo, creio, do da Diana do que o conceito do Bruno Carvalho e do Nuno (embora neste caso aguardo pelo troco...). Convém não esquecer que o internacionalismo que é patriótico não é simplesmente um patriotismo que não é nacionalista como o da direita; é também um internacionalismo que se opõe a um internacionalismo que esteja fundamentalmente radicado numa perspectiva de classe. Em parte um dos debates mais interessantes da história do comunismo em Portugal, o debate entre Cunhal e Martins Rodrigues, passou por aqui. O internacionalismo que pode ser patriótico é um internacionalismo que depende mais de um conceito de povo do que de um conceito de classe e, sendo certo que o conceito de povo não é indissociável de uma fractura classista, também é verdade que entre ambos há um antagonismo radical. Enquanto o povo tende a ser uma categoria unitária à escala da nação e sectária à escala do mundo, a classe opera, em certo sentido, de modo inverso. Sectariza (tomar partido é isto mesmo, é sectarizar) à escala da nação e afirma-se à escala do mundo, sendo por isto, a este nível, mais unitária do que o conceito de povo. Se um partido comunista do século XX abdica de fazer pontes com a social-democracia do seu país, ele pode não ser simplesmente "sectário"; poderá abdicar dessas pontes em nome da sua recusa em pactuar com partidos, correntes e classes que sustentam o colonialismo. Foi isto que o PCF não fez no final dos anos 30, no mítico período das Frentes Populares. Assim, se estivermos a falar de um internacionalismo proletário, por certo que há uma contradição entre internacionalismo e patriotismo. O que se passa com a esquerda patriótica portuguesa, de Francisco Lopes a Manuel Alegre e ressalvando aqui as inúmeras diferenças entre ambos, é que tanto no seu internacionalismo como no seu patriotismo a questão da classe é secundária em relação à questão do povo. Têm por isso cabimento, na sua estratégia e na sua retórica, classes tão diversas como o operariado e a burguesia (embora, por certo, nem toda a burguesia, sendo que o frentismo patriótico de Lopes é mais restritivo do que o de Alegre). Provavelmente, nos tempos que correm, haveria que saber começar a construir um internacionalismo de novo tipo, embora essa seja uma discussão tramada. De qualquer dos modos, nesse novo internacionalismo seria seguramente mais relevante a imagem de um proletariado tanto mais livre porque apátrida do que a de um povo herdeiro da cultura nacional do poeta alegre.

3 comentários:

Tiago Silva disse...

Não vejo contradição entre um patriotismo classista, conjugado com uma visão internacionalista do mundo. Os conceitos de pátria e patriotismo variam consoante o grupo social que as conceptualizam, e a conjugação da prática política desse conceito com a cooperação entre as classe laborais ao nível internacional é tão contraditória como tudo na política: é dialéctico. Como tal, a resposta política deve ser dialéctica. Para garantir a soberania do seu povo, a classe revolucionária deve ser patriota, na medida em que quer criar um estado forte e soberano, contanto que não deva ser chauvinista.

Face ao imperialismo, o FMI e a pactos da UE, ser patriota é uma questão premente de uma política anti-capitalista. Face à exploração da nossa potência de países semi-coloniais, defender os direitos da nossa pátria/estado burguês é reaccionário.

A pátria ou a nação é, acima de tudo, uma construção política, e mal seria dos operários se tomassem o poder, e não se juntassem em defesa da sua bandeira. Agora, se o objectivo é a construção de um estado (pátria) socialista, não cabem alianças "patrióticas" com a burguesia, classe que sempre subordina a bandeira da auto-determinação aos seus interesses de classe.

Miguel Serras Pereira disse...

Recapitule lá os seus clássicos, Tiago.

Sobe o "Estado forte" em que os trabalhadores deveriam apostar, convém lembrar que, para Marx, a força do Estado era inversamente proporcional à dos cidadãos.

Sobre a "independência nacional", os que a reclamam como progressista ou revolucionária, justificam-na precisamente pela necessidade táctica de alianças com sectores "burgueses".

Já viu?

msp

Tiago Silva disse...

Um estado socialista, a meu ver (meu, repito, longe de mim querer falar em nome do barbudo), deve ser forte. Deve controlar os sectores centrais da economia, e ter mão de ferro sobre quem a tenta subverter. O estado é uma construção, mesmo na concepção marxista, autoritária e repressiva para o mal e para o bem. Se for um estado dos trabalhadores, é para o bem, passe-se a expressão.

A independência nacional nunca será atingida plenamente com alianças com a burguesia. Se outros seguiram essa conclusão, eu não o faço. Também não me acho no direito de falar por eles.

Por último: felizmente, não tenho de justificar cada opinião minha com frases e teorias do Marx. Já viu?