Assim de repente, e a propósito desta discussão, parece-me que os argumentos de Vítor Dias caem um pouco ao lado. É que os funcionários do partidão dividem-se, como bem sabe o Vítor, em duas categorias fundamentais.
Uns são «revolucionários profissionais», ou seja, assumem e combinam tarefas políticas com tarefas logísticas, fazem parte dos órgãos de direcção e compõe a maioria dos seus organismos executivos, onde são tomadas as decisões mais relevantes.
Outros assumem sobretudo tarefas logísticas e administrativas, participando naturalmente na actividade do partido, mas em condições semelhantes aos restantes militantes. Naturalmente que muitos destes funcionários também integram comissões concelhias ou de freguesia, por vezes têm as suas células próprias (como acontece no Vitória, ou na equipa que coordena a implantação da Festa), mas o seu papel na vida interna do partido é muito menos determinante.
Dar por isso, como exemplo da necessidade de funcionários, os telefonemas a atender ou os panfletos a imprimir é absolutamente deslocado no caso do PCP. Até porque isso também um clube de brigde ou um grupo excursionista podem ter. O que distingue o PCP dos outros partidos é precisamente a categoria dos «revolucionários profissionais», algo completamente diferente, teorizado por Lenine nas condições do combate clandestino na Rússia e sintetizado em «Que fazer?».
Dito isto, o que me parece realmente insustentável no caso do PCP é apresentar estas pessoas, que são funcionárias há 30 anos, como se ainda fossem eletricistas, torneiros mecânicos ou afinadores de máquinas. Aquilo a que se chama a «regra de ouro» - ou seja, a composição maioritariamente operária dos organismos de direcção - é uma perfeita ficção, uma vez que nessa contabilidade entram também pessoas que trabalham há anos como dirigentes partidários e perderam há muito a ligação aos seus antigos locais de trabalho. O que poderia servir como uma garantia contra a burocratização do partido - uma maioria de dirigentes que sente quotidianamente a experiência da exploração e está intimamente ligada à condição operária - vê-se completamente distorcida e transformada numa farsa. Ainda me lembro de um membro da comissão política da JCP, funcionário desde a sua adolescência (uma excelente pessoa aliás), ser apresentado como pescador de marisco. De resto, todos os funcionários licenciados que carecem de experiência profissional anterior (e estes são cada vez mais numerosos, como bem o sabe Vítor Dias) são apresentados como «intelectuais» o que também não deixa de ser um pouco caricato (note-se bem, nada me move especificamente contra a categoria de «intelectual», mas digamos que ela não é propriamente explícita no que toca à descrição de uma ocupação profissional).
A indignação do Vítor parece-me por isso um pouco deslocada. Se Francisco Lopes é muitas vezes apresentado como funcionário do partido há 30 e tal anos, isso acontece sobretudo porque o PCP nos garante que ele é eletricista.
Finalmente, quanto às palavras fortes do Vítor a propósito do post do João, há que dizer que a deriva estalinista do PCP - que tem vindo a desculpabilizar, branquear e/ou relativizar (quando não mesmo glorificar) os aspectos mais odiosos e nojentos da experiência soviética nas páginas do seu jornal - deixa os seus militantes em má posição para falarem sobre este tema.
Como não tenho ideia de alguma vez ter lido ou visto Vítor Dias a demarcar-se dos incontáveis «vómitos biliosos» que a imprensa do PCP lançou sobre o vasto conjunto de militantes que decidiu suspender a sua actividade partidária na sequência do XVI Congresso, percebo mal esta súbita exigência. Mais ainda gostaria de o relembrar que ele permaneceu silencioso perante a avalanche de calúnias que se abateu sobre pessoas que deram o melhor das suas vidas ao serviço do partido, muitas ainda antes do 25 de Abril. Fica-lhe por isso mal e um pouco deslocada esta indignação sonsa.
Como não tenho ideia de alguma vez ter lido ou visto Vítor Dias a demarcar-se dos incontáveis «vómitos biliosos» que a imprensa do PCP lançou sobre o vasto conjunto de militantes que decidiu suspender a sua actividade partidária na sequência do XVI Congresso, percebo mal esta súbita exigência. Mais ainda gostaria de o relembrar que ele permaneceu silencioso perante a avalanche de calúnias que se abateu sobre pessoas que deram o melhor das suas vidas ao serviço do partido, muitas ainda antes do 25 de Abril. Fica-lhe por isso mal e um pouco deslocada esta indignação sonsa.
6 comentários:
O «post» do Ricardo Noronha não passa de um conjunto de inaninidades em que se misturam puras deturpações com informações até desactualizadas. Assim, e só por exemplo:
1.Afirmar, como faz R.N. que eu dei como « exemplo da necessidade de funcionários, os telefonemas a atender ou os panfletos a imprimir»
é uma propositada amputação do que eu escrevi. Eu falei de «escrever» comunicados e falei do «estudo de problemas políticos, económicos, sociais e de orgamização» e noutro sítio falei de dar eficácia e coerência à intervenção política.
2.É completamente falso que o PCP apresente os seus funcionários SENDO electricistas etc., etc. Toda a gente já devia saber que na documentação do PCP isso quer dizer ou se reporta à anterior profissão ou origem social do militante em causa.
3. Parece que o Ricardo Noronha,em pleno 2011, ainda não percebeu que identificar-se alguém como intelectual não quer dizer que faz parte da chamada «inteligentzia» nacional mas sim que realiza ou realizou um trabalho de natureza predominantemente intelectual.
4. Pelos vistos, o Ricardo Noronha ainda está no tempo da «regra de ouro» e não deu por ela ter acabado para aí há 20 anos, vigorando agora o principio de uma maioria de operários e empregados no Comité Central (e só aí).
5. Se Ricardo Noronha quer recuperar «insultos » e lembrar camaradas com uma vida dedicada ao Partido, só lhe quero dizer que cada um se lembrará dos que terá sofrido e, dito isto, só lhe pergunto se quer receber um recorte do Público com a forma como um desses então camaradas qualificou o processo disciplinar de que foi alvo (poupo-lhe aqui publicamente os pormenores e o nome da pessoa).
parece que estou a ouvir um eco, eco, eco, eco...
bem,
1-olhando para a forma como o capitalismo tomou conta deste país depois dos anos 70, estamos conversados quanto à eficácia da acção política dos dirigentes-especialistas do PCP... e da coerência é melhor nem falar (soares, anyone?)
2-eu sou um desatento, desinteressado e preguiçoso abstencionista mas juro que achava que o Jerónimo era mesmo operário há num-sei-quantos-anos. afinal é tudo mentira? e o pai natal ser vermelho, também é? não me digam mais nada...
3-sem muito para dizer neste ponto excepto que não me parece que o RN tenha concluído nada do que o VD inferiu ah... e acrescentar que um idiota também é alguém que realiza um trabalho predominantemente intelectual
4-seja em que comité for, esclareça-me VD, por favor(até rimou): maioria de operários ou de militantes que anteriormente desempenhavam funções como operários?
5-raios, até estava a ficar entesoado. porque tinha que parar logo na parte em que a conversa ia descer de nível tanto quanto aumentar de interesse?
6- O VD parece frequentemente que está no dentista: abre a boca mas (sobre a questão de fundo) não diz nada
Sobre insultos e calúnias a militantes com vida dedicada ao PCP o Ricardo Noronha que não fale muito. Muita gente se lembra do que ele disse de quem. Digamos, para ficarmos por aqui, que não foram coisas propriamente simpáticas nem meigas. Pois não, Ricardo Noronha?
Só mais isto: o RN garantia a quem quer que encontrava que o PCP em 2005 já não existiria.
Um bocadinho de vergonha, pois. O mesmo em relação ao Professor Neves.
Por aqui nos ficamos.
Miguel Borges
Sabemos que acertámos no alvo quando o Vítor escreve coisas como «inanidades».
Se o papel dos funcionários é escrever os textos dos panfletos, calculo que reste aos militantes a tarefa de os distribuir. O que não deixa de ilustrar precisamente uma crítica ao modelo leninista de organização, a saber, a divisão social do trabalho no seu interior e o papel subordinado reservado aos militantes.
O resto do seu comentário não faz qualquer sentido e chega a ser embaraçoso que você diga algo como «É completamente falso que o PCP apresente os seus funcionários SENDO electricistas». É completamente falso que isso seja completamente falso. Vou-lhe dar o exemplo mais obviamente ululante: http://www.pcp.pt/comite-central-do-pcp
Parece que o Vítor também não entendeu que quando um jovem funcionário da JCP se torna funcionário do PCP, sem ter tido qualquer ocupação profissional que não essa, chamar-lhe «intelectual» visa apenas ocultar esse facto e todas as consequências políticas que dele podem resultar.
A regra de ouro conta para a composição do comité central, mas o facto relevante aqui é que ela se vê distorcida a partir do momento em que os funcionários «de origem operária» entram na contabilidade. Qual é a parte disto que não é clara?
Finalmente, você já foi desafiado a pronunciar-se sobre o vergonhoso processo disciplinar que levou à expulsão de Edgar Correia, cuja conclusão estava já decidida antes de ele poder apresentar a sua defesa. Foi desafiado e guardou sobre o assunto um silêncio mais do que comprometedor. Repito o desafio. O que acha você de um processo disciplinar feito ao arrepio dos direitos e deveres consagrados nos estatutos do PCP?
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