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07/01/13

Algumas notas muito breves sobre o sistema financeiro – II

As empresas capitalistas só funcionam recorrendo ao crédito como modo de financiamento das suas actividades quotidianas. Isso sempre aconteceu neste modo de produção e muito mais do que um antagonismo entre o sector financeiro e o sector industrial existe, de fato, uma complementaridade. Claro que existem oposições e certamente rivalidades. Mas essas rivalidades também ocorrem entre empresas industriais do mesmo ramo económico ou entre o capital industrial e o comercial, etc.

A questão fundamental das teses que defendem esse pretenso antagonismo entre a finança e a produção é que a economia produtiva não cresceria fruto do garrote que a primeira colocaria sobre a segunda. Ora, a verdade é que os investimentos produtivos transnacionais necessitam de um volume maciço de capital-dinheiro que só pode ser colocado através do sistema financeiro. Na realidade o sistema financeiro existe em função da aplicação e da expansão dos negócios e dos investimentos produtivos, mobilizando a uma escala realmente transnacional enormes volumes de capital-dinheiro. Considerar que a financeirização teria impedido o crescimento da economia produtiva nas últimas décadas é esquecer que esta cresceu de um valor aproximado de 15 para quase 70 triliões [na escala longa] de dólares, isto em apenas 30 anos.

Por outro lado, na sequência de um longo artigo que estou a preparar para publicação noutro espaço, a consulta que tenho vindo a levar a cabo de material do FMI, do Banco Mundial, do BCE, do BIS (Bank for International Settlements), etc. sobre o modo como a classe dominante perspectiva os instrumentos financeiros e como ela perspectiva a relação entre finança e produção demonstra totalmente o contrário do que as teses produtivistas preconizam. Com efeito, o que os relatórios existentes e que já compilei demonstram é precisamente o inverso do que a esquerda nacionalista apregoa. Por um lado, os instrumentos financeiros são vistos como uma forma essencial de alocação de capital-dinheiro para incrementar os investimentos e, por sua vez, a produtividade do trabalho. Por outro lado, como uma forma de regulação (ou tentativa de regulação) do grau de incerteza inerente ao processo económico, daí a multiplicação de instrumentos de securitização e de cobertura dos investimentos. Ou seja, as críticas que os capitalistas fazem a instrumentos financeiros são sempre à opacidade com que se desenrolaram alguns dos negócios antes da crise e não à sua utilização e sua oportunidade. Ora, o que os economistas chefes e economistas principais de todos os organismos transnacionais de organização institucional apontam é que tem de haver uma maior regulação de instrumentos que, por si só, já são destinados a regulação financeira. E aqui há dados muito interessantes do modo como os gestores percepcionam os derivados. Onde a esquerda histérica vê neles meros objectos de especulação e de jogo de casino, os capitalistas e os gestores vêem-nos (e aplicam-nos) como instrumentos de regulação e de tentativa de controlo da incerteza relativamente às flutuações económicas.

Ora, esta parece-me ser uma ideia fundamental para desmontar as teses fantasiosas do juro como categoria pretensamente arbitrária e ditada pela "vontade e maldade" dos bancos. Pelo contrário, o mundo da finança repercute uma intenção clara de tentativa de controlo e de coordenação global (dentro de cada empresa e a nível nacional e transnacional) dos mecanismos económicos. Onde a esquerda nacionalista tem visto nos mercados financeiros um conjunto de Shyllock’s desejosos de carne e sangue da "economia produtiva", a realidade parece apontar para os instrumentos financeiros como tentativas de redução do risco económico, logo, como instrumentos complexos de aumento dos ganhos de eficiência na aplicação de investimentos produtivos. Claro que como tudo numa economia movida a crédito existe um risco associado. Senão não existiriam crises económicas... Todavia, os derivados e afins existem, pelo contrário, para controlar o risco inerente.

Em resumo, "produtos" financeiros que aparentam ser exclusivamente especulativos são, na verdade, instrumentos muito parecidos com os seguros. (Têm diferenças técnicas importantes, mas para o que nos importa penso que a parecença pode ser elucidativa). São, portanto, instrumentos que ajudam os capitalistas a regularem as oscilações dos mercados e a garantirem que os capitais aplicados em investimentos não se percam na sua totalidade, no caso de falência. Claro que esses derivados levantam problemas. Mas a questão da sua relação com a reprodução alargada do capitalismo e da sua dinâmica produtiva coloca-se novamente. Por cada dois anos de crise financeira, eles permitiram um crescimento económico de outros 30. Evidentemente à custa da exploração da força de trabalho, exploração que tem ficado completamente de lado pela esquerda nacionalista ou, igualmente pernicioso do ponto de vista político, concebida como um mero saque dos bancos sobre os “produtivos”.

Em suma, a finança interliga-se profundamente com a produção e não a obstaculiza. Ao invés é o que permite gerir o sistema capitalista de produção num plano territorial e sectorial muitíssimo mais vasto e com uma tentativa de controlo das expectativas de negócio. O que se entende regularmente por especulação é uma ninharia comparado com o papel muito mais importante de regulação global do sistema financeiro que permite a expansão da produção (e da exploração económica). Assim, o sistema financeiro existe não apenas em função da produção capitalista mas opera muito mais como tentativa de coordenação e de alocação global do que como espaço de especulação (que também o é).

Por conseguinte, a crítica da finança não pode deixar de lado a crítica às relações de trabalho no capitalismo sob pena de os críticos da agiotagem o reconstruírem em novos moldes, independentemente das cores das bandeiras ou das palavras de ordem. Quando tal remodelação do capitalismo ocorreu não se tratou de um novo governo ou de um simples ajuste das políticas económicas. O nome político dessa remodelação assente numa aliança nacionalista entre trabalhadores e sectores industrialistas das classes dominantes foi um: fascismo.

05/01/13

Algumas notas muito breves sobre o sistema financeiro – I

Um comentador (Rui Santos) colocou no meu último post uma interpelação importante a propósito do que chamou de “semelhança estrutural” entre a forma como várias correntes perspectivam a fracção ou sector do capital financeiro no conjunto da economia capitalista.

Rui Santos defende no seu comentário que não é possível (ou seria muito difícil) defender uma semelhança estrutural entre a posição que correntes nacionalistas à esquerda têm apresentado sobre o capital financeiro e a posição que as correntes mais à direita apresentam sobre o mesmo assunto. Neste assunto em específico os extremos do campo político tocam-se não porque o ditado assim o diz (até porque ditado nenhum garante seja o que for), mas porque partilham fundamentos teóricos substantivos. E o que quero dizer com isto? Em suma, o problema para a esquerda nacionalista e para a direita nacionalista na actual economia não estaria nas formas de produção do excedente económico mas na especulação financeira. Ou no que alguns têm chamado de “feudalismo financeiro”, “economia de casino” ou simplesmente “roubo”. Portanto, para os que apenas concentram esforços na crítica à finança tudo estaria bem se o dinheiro deixasse a produção em paz e se os “agiotas” fossem menos gananciosos. Portanto, de um modo muito linear, a finança seria uma coisa e a economia seria outra. Ou dito por mim de um modo menos pueril e colocando as coisas nos seus devidos termos: para os defensores da tese do antagonismo produção versus especulação o capitalismo seria óptimo se não existisse a banca a impedir o normal funcionamento da “economia real”. No fundo, tudo se passaria como se a produção de mercadorias a partir da exploração da força de trabalho fosse uma “economia natural”. Esta sim permitiria “os ganhos lícitos na criação das riquezas” ao passo que a anterior estaria impregnada de "parasitismos" e pelo "despotismo do dinheiro", conforme escreveu o mais duradouro ditador fascista europeu do século XX.

Por conseguinte, que este enunciado da valorização da economia produtiva contra o que acham que é a pura especulação seja colocado no âmbito dos judeus (caso da extrema-direita nazi) ou no âmbito do IV Reich alemão da Merkel ou da colonização dos plutocratas europeus (esquerda nacionalista), esse aspecto da personificação parece-me ser secundário para o que está aqui em discussão.
Ora, no meu entender, esta tese do pretenso antagonismo da produção relativamente à especulação é politicamente grave o suficiente para que se ache que tudo isso não teria passado de mera coincidência semântica. E nem vou sequer aprofundar os exemplos da circulação de dezenas de milhares de membros entre o Partido Comunista Alemão e as SA (como Jean-Pierre Faye documentou) ou da transferência de apoiantes e de votantes entre Partidos Comunistas e partidos neo-fascistas (França, Itália, etc.). Não se trata de identificar abusiva e mecanicamente os partidos de raiz leninista ao fascismo mas de lembrar como a partilha de teses nacionalistas (e correlativamente produtivistas e anti-especulativas) permite que temas, pessoas e propostas políticas circulem entre extremos do panorama político.
E aqui vejo-me chegado à interrogação que o Pedro Viana coloca no seu último post: «os sistemas capitalistas existem em diferentes declinações. E que estes sistemas têm sofrido, nas sociedades ditas ocidentais, uma evolução nas últimas décadas da qual resultou uma concentração de Poder nas mãos daqueles que controlam o sector financeiro». Ora, parece-me que o caríssimo Pedro continua a subdividir a esfera financeira da esfera produtiva neste ponto apesar de correctamente lembrar a existência de interesses da primeira na segunda. Todavia, não aborda a existência recíproca da indústria na finança de que os exemplos dos bancos criados directamente pelas empresas industriais ou da preponderância que grandes conglomerados de origem industrial tiveram na expansão dos mercados dos eurodólares nas décadas de 70 e 80 e na aposta crescente em actividades ditas financeiras (General Motors, Chevron, General Electric, etc.). Mas nem é tanto isto que me interessa discutir.

Na realidade, o mais relevante nesta questão suscitada pelo que escreveu o Pedro Viana tem a ver com o que é que realmente define o sistema financeiro. Mas esse será o tema do próximo post…

29/12/12

Afinal há lados opostos que se tocam... Ou de como a esquerda nacionalista anda a subscrever as teses de matriz fascista sobre o capital financeiro

Uma explicação introdutória: No post anterior coloquei uma transcrição de alguém que condena a "parasitagem" do capital financeiro sobre a produção. Em suma, a banca alimentar-se-ia da depredação da produção. Produção essa que seria benévola e inocente à qual a banca se encarregaria de parasitar e de açambarcar como se as relações económicas fossem uma projecção do furto... Sendo essa uma tese altamente difundida à esquerda, coloquei provocatoriamente a transcrição de alguém que, vindo da direita mais extrema, partilhou e difundiu exactamente as mesmas posições sobre o mesmo assunto. Inusitado o facto de a esquerda que se diz patriótica e nacional se dedicar a replicar mecanicamente as mesmas teses e as mesmas palermices do passado. Que essa partilha de teses seja assumida como natural e que, ao mesmo tempo, se esqueça a sua origem no espectro político mais fascista, isso só demonstra a gravidade do actual momento histórico. Deixo os meus caros leitores com a transcrição integral e com as referências.

Versão integral

«Actualmente a ciência da bolsa e das finanças tornou-se um jogo com valores fictícios, um mágico ilusionismo de números, com que certos meios provocam uma distorção sistemática na passagem da produção para a comercialização. Os donos da bolsa recorrem hoje à hipnose de massas, adulterando as notícias, para gerar reacções de pânico. Excitam deliberadamente todos os impulsos patológicos, e a vida económica, que era uma actividade saudável de trocas, deu lugar a uma arbitrariedade e uma decomposição generalizadas. Esta ciência financeira nem sequer é internacional; é simplesmente judaica. As perturbações económicas sofridas por todos os povos nórdicos resultam das tentativas de subordinar o seu modo de vida a estas manipulações levantinas contranatura, baseadas em instintos meramente parasitários. Se acabar por ter êxito, este processo há-de destruir completamente todas as nossas condições naturais de vida».
Referências
Alfred Rosenberg (1986) Le Mythe du XXe Siècle. Bilan des Combats Culturels et Spirituels de Notre Temps, Paris: Avalon.
Alfred Rosenberg [s. d.] The Myth of the Twentieth Century. An Evaluation of the Spiritual-Intellectual Confrontations of Our Age (http://aryanism.net/downloads/books/alfred-rosenberg/myth-of-the-twentieth-century.pdf )
A passagem citada encontra-se na pág. 113 da versão em francês e na pág. 29 da versão em inglês.

27/12/12

A finança contra a economia...

Está a ter uma grande repercussão na Alemanha a obra de um arquitecto e engenheiro estónio, em que a situação económica é analisada numa perspectiva semelhante à da maioria dos sectores patrióticos e anti-imperialistas do sul da Europa. Parece-nos que basta esta passagem para chamar a atenção, mas se os leitores estiverem interessados forneceremos o link para a obra completa.
«Actualmente a ciência da bolsa e das finanças tornou-se um jogo com valores fictícios, um mágico ilusionismo de números, com que certos meios provocam uma distorção sistemática na passagem da produção para a comercialização. Os donos da bolsa recorrem hoje à hipnose de massas, adulterando as notícias, para gerar reacções de pânico. Excitam deliberadamente todos os impulsos patológicos, e a vida económica, que era uma actividade saudável de trocas, deu lugar a uma arbitrariedade e uma decomposição generalizadas. [...] As perturbações económicas sofridas por todos os povos nórdicos resultam das tentativas de subordinar o seu modo de vida a estas manipulações [...] contranatura, baseadas em instintos meramente parasitários. Se acabar por ter êxito, este processo há-de destruir completamente todas as nossas condições naturais de vida».