24/10/10

Sonata para violinos em Dó menor

 O crescimento ambientalmente sustentável, a promoção do emprego, o investimento público, a justiça fiscal, a defesa do Estado social terão de voltar ao vocabulário político através de entendimentos eficazes entre o Bloco de Esquerda, o PCP e os socialistas que apoiam convictamente o projeto alternativo de Manuel Alegre.
Boaventura de Sousa Santos

I ♥ Banana's Republic


Não há, até agora, momento algum da viagem de Chávez a Portugal que não mereça entrar nos anais da história. El Presidente conduziu ele próprio uma carrinha Mercedes desde o Aeroporto Sá Carneiro até aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, onde chegou "a buzinar", depois de um percurso "que lhe permitiu concluir que Portugal é um país muito bonito e verde, rico em paisagens"
Ali chegado, convidou a Comissão de Trabalhadores a visitar a Venezuela, considerou o seu amigo Sócrates um homem bom e honesto, anunciou que "a Venezuela vai enviar mais petróleo", e reafirmou o seu propósito de criar uma Marinha. "Até agora, não tínhamos nem um barco de papel", referiu. Chávez mostrou-se ainda "muito interessado" na compra aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo do navio Atlântida, que tinha sido encomendado pelo governo regional dos Açores e posteriormente rejeitado.   "Disseram-me que é um barco bom, bonito e barato. Estamos muito interessados", afirmou. 
Quem disse que os submarinos eram um mau negócio? Bastará juntar-lhes uma boa buzina. Boa, bonita e barata, claro está.


Polícia de proximidade


O caso conta-se em poucas palavras:
cinco membros da JCP, quatro raparigas e um rapaz, foram detidos pela PSP quando procediam à pintura de um mural na Rotunda das Olaias, em Lisboa; levados para a esquadra, foram insultados, ameaçados e… obrigados a despirem-se.
Repito: obrigados a despirem-se.

Cravo de Abril, via 5 Dias

Veio comprar barcos ou salvar náufragos?

«Estou muito contente por estar em Portugal. Estamos à procura de oportunidades em todo o mundo e viemos aqui a pedido do meu amigo José Sócrates, um bom homem. Num momento difícil para Portugal, viemos dar-lhe as duas mãos» (Chávez, em visita a Portugal)

(publicado também aqui)

Apelo à Desobediência Civil

Depois de ler este post do Pedro Viana, este outro do Tiago Mota Saraiva e a declaração do Paulo Varela Gomes para que o Pedro e o Tiago remetem, e tendo presente a necessidade e a urgência de agir reiteradas nas conclusões dos dois textos, sugiro que, introduzindo as modificações que parecerem necessárias na sua redacção, se publique e divulgue, desencadeando assim um processo de recolha de assinaturas junto dos funcionários públicos do país, sob a forma de petição, uma declaração como a que se segue. Repito que o texto que proponho é um simples primeiro "borrão", decalcando os pontos fundamentais da declaração pessoal do Paulo Varela Gomes, conjugados em termos colectivos. Acrescento ainda que, não sendo funcionário público, não posso subscrever o documento que eventualmente venha a ser divulado - mas assumo a responsabilidade, e a disposição a reafirmá-la individual ou colectivamente, deste apelo à desobediência civil.


Ao Presidente da República Portuguesa,
ao Primeiro-Ministro e ao Governo,
à Assembleia da República


Opomo-nos às medidas de austeridade que o Estado português se prepara para tomar e, considerando que não servem para nada, exigimos a interrupção imediata do processo da sua aprovação.
O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. As oligarquias económicas e políticas sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, na qualidade de funcionários públicos, gravemente lesados pelas medidas de austeridade anunciadas e solidarizando-nos com todos os cidadão que elas irão oprimir e lesar com igual ou maior gravidade, temos a seguinte declaração a fazer:


1) o Estado deixará de poder contar connosco para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estamos doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;


2) Estamos disponíveis para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir nas nossas áreas de residência;


3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estamos prontos para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.


Manifestamos a nossa solidariedade a todos os cidadãos cujas condições de existência serão iniquamente afectadas pelas medidas do Governo, do mesmo modo que solicitamos a sua - por exemplo e no imediato, sob a forma de declarações semelhantes - em apoio desta iniciativa.

"Cumprir horário"

A respeito deste artigo sobre os funcionários públicos, é interessante a conotações negativa que tem "cumprir o horário" ou "trabalhar das nove às cinco".

Vamos lá ver - se eu for a uma livraria e comprar, digamos, "Os melhor contos de H. P. Lovecraft", o que recebo é... "Os melhores contos de H. P. Lovecraft", não os "Os melhores contos de H. P. Lovecraft" mais um livrinho qualquer que a loja me decide oferecer (a menos que seja uma promoção previamente anunciada).

Quando vou comprar uma calças, o que recebo são as calças - não as calças mais um par de peúgos.

Quando compro um saco com 1 Kg de batatas, é suposto o saco ter lá dentro... 1 Kg de batatas, não 1Kg e 300 gramas.

Se no talho pedir 600 gramas de bife, provavelmente até receberei mais do que as 600 gramas, mas pagarei o preços das 632 gramas (ou lá o que for que o talhante tenha cortado), não o das 600 gramas.

Quando comprei a minha casa, e depois de assinar o contrato, o vendedor não me disse "Ah, além do apartamento, pode ficar também com aquela garagem que tenho noutro prédio".

Ou seja, em quase todas as relações comprador/vendedor, é suposto o comprador pagar o preço combinado (nem mais nem menos) e o vendedor entregar o produto combinado (nem mais nem menos). A excepção é a relação patrão/empregado, em que, por qualquer razão, se considera que o vendedor (o empregado) deve dar sempre mais um bocadinho ao comprador (o patrão) do que o produto contratualizado (ficar sempre mais um tempo após a hora da saída; fazer algumas tarefas que não estão na descrição de funções, etc.).

Coragem

(...)enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.(...)

Paulo Varela Gomes, no suplemento P2 do jornal Público de 23 de Outubro de 2010

Coragem para dizer basta. Coragem para agir em consequência.

23/10/10

Os prémios são uma arma de quem? Da burguesia.

O Parlamento aprovou hoje um voto de saudação pelo Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, do Parlamento Europeu, atribuído ao dissidente político cubano Guillermo Fariñas. PCP e PEV votaram contra. No debate, o líder parlamentar do PCP afirmou que o Prémio Sakharov é actualmente um "instrumento político de intervenção e ingerência". (dos jornais de ontem)

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«Ditamole»

O último texto de Boaventura de Sousa Santos na revista Visão sublinha uma mudança preocupante em curso: a suspensão dos processos de decisão democrática e da racionalidade a eles inerente por meio da expansão imparável do idioma da finança e dos mercados. Apesar do tom pessimista-realista, vale a pena ler até ao final, porque as últimas palavras conservam alguma esperança quanto à construção de alternativas:

Voltando a Bauman

De Zygmunt Bauman:

- "Me resulta imposible sentir nostalgia por el comunismo. Para mí el comunismo, que en una ocasión describí como el "impaciente hermano menor del socialismo", supone la imposición de una "fórmula mágica para alcanzar el Reino de la Libertad". Por más seductora y alentadora que suene tal fórmula, en la práctica ha representado inevitablemente la sepultura de las libertades, la esclavitud, donde quiera que se haya realizado".

- "¿Nostalgia del socialismo? Podría sentirla si hubiera perdido alguna vez la confianza en la sabiduría y en la humanidad que caracterizan al socialismo (cosa que no he hecho), y si en vez de haber considerado el socialismo como una postura o como una orientación lo hubiera entendido como un determinado tipo de sociedad, de plan o de modelo particular de orden social (cosa que dejé de creer hace mucho tiempo). Para mí el socialismo supone una extrema sensibilidad hacia la desigualdad y la injusticia, la opresión y la discriminación, la humillación y la negación de la dignidad humana. De modo que adopatar una 'posición socialista' significa oponerse y ofrecer resistencia a todos esos atropellos cuando quiera y dondequiera que ocurran, cualquiera que sea la idea en nombre de la que se perpetre y quienesquiera sean sus víctimas".

- "¿Y qué decirle del capitalismo? (...) Con él ocurre lo mismo que con los sistemas de números naturales en el célebre teorema de Kurt Gödel: no puede ser simultáneamente consecuente y complejo; si es consecuente con sus propios principios, genera problemas que es incapaz de resolver; y si intenta resolverlos resulta necesariamente incoherente con sus propios presupuestos fundamentales."

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PS - Partido Subserviente


Perante o poder financeiro. Perante o poder económico, concentrado nas grandes empresas da construção, da energia, das telecomunicações, da distribuição. Perante os milhares de parasitas que o infestam, especialistas na criação de empresas e fundações, ditas públicas, onde podem auferir salários muito acima do possível na função pública. Agora, perante também a Igreja Católica. Este partido subserviente que escolheu servir os poderes de facto em Portugal não merece de todo chamar-se Socialista.

Solidariedade com os trabalhadores do Vietname

Vietnam: Labour rights advocates face prison (LabourStart):
Three Vietnamese labour rights advocates face 5-15 years imprisonment for helping organise a strike by 10,000 workers at the My Phong shoe factory in January 2010. Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh, all in their 20's, have been detained virtually incommunicado since their arrests in February. The trial is expected in late October 2010.
The "crimes" alleged by prosecutors are that Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh worked in an organised manner, distributed leaflets expressing discontent about working conditions and about the authorities, and helped workers to organise a strike. All of these activities ought to be legal, under Vietnam's own Constitution and in international instruments to which Vietnam is a signatory. The charges that they encouraged workers to destroy factory properties are without evidence and appear made-up.
Ir aqui para mandar esta mensagem às autoridades vietnamitas - "I call on the Vietnamese government to release jailed labour rights advocates Doan Huy Chuong, Nguyen Hoang Quoc Hung, and Do Thi Minh Hanh."

[Via Molly's Blog]

Os "diários da guerra" do Iraque

Wikileaks:
At 5pm EST Friday 22nd October 2010 WikiLeaks released the largest classified military leak in history. The 391,832 reports ('The Iraq War Logs'), document the war and occupation in Iraq, from 1st January 2004 to 31st December 2009 (except for the months of May 2004 and March 2009) as told by soldiers in the United States Army. Each is a 'SIGACT' or Significant Action in the war. They detail events as seen and heard by the US military troops on the ground in Iraq and are the first real glimpse into the secret history of the war that the United States government has been privy to throughout.

The reports detail 109,032 deaths in Iraq, comprised of 66,081 'civilians'; 23,984 'enemy' (those labeled as insurgents); 15,196 'host nation' (Iraqi government forces) and 3,771 'friendly' (coalition forces). The majority of the deaths (66,000, over 60%) of these are civilian deaths.That is 31 civilians dying every day during the six year period. For comparison, the 'Afghan War Diaries', previously released by WikiLeaks, covering the same period, detail the deaths of some 20,000 people. Iraq during the same period, was five times as lethal with equivallent population size.
 Os "war logs" podem ser pesquisados aqui, ou então talvez seja mais simples ler o dossier do Guardian.

Duas Propostas Exequíveis de Combate à Crise

1."Como se diz em espanhol, para dançar o tango são precisos dois. Durante muitos meses não tinha parceiro para dançar", disse o primeiro-ministro sobre o acordo com o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho.

Perante a sinceridade desta declaração, a que tive acesso graças à sempre insigne vigilância cívica da Ana Cristina Leonardo, a pergunta que se impõe é: e se os mandássemos, aos dois, dançar para a Madeira, facultando-lhes a leitura, para os intervalos, de uma edição integral dos discursos de Alberto João Jardim, depois de condecorarmos este uma última vez, concedendo-lhe, no interesse também dos bailadores, a independência de dois ou três quarteirões do Funchal, suficientemente policiados pelos serviços de ordem das comissões de moradores das áreas circunvizinhas?

2. O primeiro-ministro acrescenta que este é "um período muito difícil de governação" para todos os governos, exigindo "coragem e determinação" e quis passar uma mensagem de confiança.
"O discurso de confiança é o mais importante neste momento. O pior para os povos, para a Europa, para Portugal e Espanha é governar com medo do futuro", disse José Sócrates em Madrid, onde amanhã participa na cimeira da União Europeia e da América Latina e Caribe.


Aqui, a pergunta é: e se aliviássemos de vez as dificuldades dos governos, assumindo nós a governação, e, distribuindo equitativamente os seus encargos, puséssemos, em pé de igualdade, o conjunto dos cidadãos a governar(em-se)?

22/10/10

Os Arcanos do Império e a Banalidade do Horror

Embora o Pentágono esteja em estado de alerta e receie, ou finja recear,  pela segurança nacional e a ruptura de "segredos de Estado" —os arcana imperii cujo secretismo é essencial para que a razão de Estado não veja posta a nu a sua radical desrazão originária —, as revelações divulgadas pelo site Wikileaks parecem confirmar essencialmente, tal como as resume Le Monde, a "banalidade" que o horror quotidiano resultante da guerra e da ocupação do Iraque tem em comum com o "mal" totalitário evocado pelo ensaio seminal de Hannah Arendt a propósito de Eichmann (Eichmann em Jerusalém, Uma reportagem sobre a banalidade do mal, tradução e prefácio de António Araújo e Miguel Nogueira de Brito, Lisboa, Tenacitas, 2004 ) e cujos efeitos sobre o comportamento dos "homens comuns" contaminados pela ideologia totalitária é analisada e problematizada em dois trabalhos historiográficos exemplares de Christopher Browning, ainda (e até quando?) à espera de tradução entre nós: Ordinary Men : Reserve Police Battalion 101 and the Final Solution in Poland, New York : HarperCollins, 1992, e Nazi policy, Jewish workers, German killers, Cambridge ; New York : Cambridge University Press, 2000.
É justamente este aspecto — mais do que as intrigas palacianas entre o repugnante e o caricato e do que as "mentiras patrióticas" de Bush, Blair, Aznar, Barroso e tutti quanti — que exige de nós acção e vigilância democráticas, do mesmo modo que só elas e o seu desenvolvimento e extensão poderão vir a pôr efectivamente em causa tanto as razões imperiais do Pentágono, como o equilíbrio e a perpetuação da ordem estabelecida global que nele tem um dos seus esteios fundamentais.

Le Monde (…) a pu consulter en avant-première 400 000 rapports de l'armée américaine en Irak, rendus publics ce vendredi par le site Wikileaks, spécialisé dans la publication de documents confidentiels. Il s'agit des rapports d'incidents, rédigés par les officiers sur le terrain, qui constituent le fichier SIGACTS ("significant activity") des forces américaines de janvier 2004 à décembre 2009. Une masse de documents qui décrivent, jour à près jour, les attentats, les échanges de tirs, les fouilles de caches d'armes, les arrestations, et les violences contre les civils.
Confidentiels, les "rapports d'incidents" ne sont pas classés secret défense. Les documents publiés par Wikileaks ne contiennent pas les rapports des forces spéciales américaines, ni les mémos des services de renseignement. Des évènements majeurs des six années d'occupation couvertes par ces fichiers, comme la mort de quatre mercenaires de l'entreprise Blackwater qui a déclenché la première bataille de Fallouja, en avril 2004, n'y sont évoqués que de manière très brève et imprécise.
L'intérêt de cette masse de documents est ailleurs : les 400 000 rapports jettent un regard nouveau sur le lourd tribut que les populations civiles ont payé à la guerre. Les cadavres de milliers de femmes et d'hommes, victimes d'exécutions sommaires, ont été découverts par les soldats américains. Ces mêmes soldats ont tué au moins six cent civils en six ans aux checkpoints, ou en ouvrant le feu sur des véhicules pris pour une menace. Un nombre indéterminé, et minimisé dans les rapports, d'Irakiens ont été les victimes collatérales des frappes aériennes contre les insurgés.
Les documents montrent également que les violences de la police irakienne, régulièrement minimisées par l'état-major américain, sont une réalité quotidienne des soldats du rang, témoins directs de tortures pratiquées à grande échelle et couvertes par une partie de la hiérarchie policière. Les violences des soldats américains, notamment lors de l'arrestation des suspects, est aussi évoquée par les 400 000 fichiers. Le comportement des forces de sécurité privées, promptes à ouvrir le feu y compris pour les motifs les plus futiles, est également abondamment décrit.
Les fichiers offrent aussi, pour la première fois, un regard “de l'intérieur” sur la conduite de l'occupation et ses pratiques. Ils disent à la fois l'ennui, l'absurdité, le stress du quotidien des soldats.

Assim falou Kolakowski

Leszek Kolakowski (1927-2009), filósofo e historiador polaco, um dos mais importantes estudiosos críticos do marxismo, na sua obra maior “Main Currentes of Marxism”, 1978:

“Longe de ser o resultado do seu carácter científico, a influência que o marxismo alcançou deve-se quase inteiramente aos seus elementos proféticos, fantasistas e irracionais. O marxismo é uma doutrina de confiança cega num paraíso de satisfação universal que nos espera. Quase todas as profecias de Marx demonstraram serem falsas, mas isto não perturba a certeza espiritual dos fiéis porque essa certeza não se baseia em premissas empíricas ou presumíveis «leis históricas», mas, simplesmente, na necessidade psicológica de uma certeza. Neste sentido, o marxismo desempenha a função da religião, e a sua eficácia é de carácter religioso.”

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Tapem o título mas não deixem de ler

O Jorge Pires da Conceição recomendou (no Facebook) o romance agora editado da autoria do conhecido jornalista João Paulo Guerra (*). Rigoroso e bem narrado, a estreia de JPG no romance é, de facto, promissora. E constitui uma maneira excelente de os mais velhos retomarem a respiração dos ares dos tempos do PREC (provavelmente, apreendendo factos que desconheciam e cujos cordelinhos são admiravelmente expostos) e de os mais novos terem uma ideia menos estereotipada dos acontecimentos e incêndios daqueles tempos fundadores da democracia que temos (sobretudo quanto ao peso determinante que a contra-revolução teve nos acontecimentos políticos da altura). Pese embora a infelicidade chapada da escolha de um título absolutamente parvo, trata-se de um livro que permite um recuo profícuo nos tempos de brasa da revolução. E, também, como JPG bem recorda, da contra-revolução. E de que maneira!

(*) - “Romance de uma conspiração”, João Paulo Guerra, Edições Oficina do Livro.

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Socialismo e internet, o famoso Decreto 209

Quantos internautas, incluindo os sado-masoquistas que apreciam ditaduras (desde que elas estejam bem longe e sejam outros a aturá-las), gostariam de ser controlados assim?

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Mais Bauman

- Hasta ahora, sólo hemos presenciado la globalización negativa, es decir, la globalización de fuerzas como las finanzas, el comercio de materias primas, la información, la criminalidad, el terrorismo, las drogas y el tráfico de armas que son fuerzas que, a pesar de sus profundas diferencias, están unidas por su costumbre y su intención de “violar las fronteras”: por su resistencia, su rechazo y su inobservancia de las leyes locales, los valores, las costumbres y los intereses y por el incumplimiento de la voluntad de los “nativos”. Todavía no hemos empezado en serio la globalización positiva: la ardua lucha para diseñar, construir y poner en marcha unas verdaderas instituciones políticas y judiciales globales y con iniciativa, con el derecho y la capacidad de controlar y supervisar las actividades de todas esas fuerzas actualmente desenfrenadas y de adelantarse a las consecuencias destructivas y catastróficas de sus promesas.

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21/10/10

“A Esquerda abandonou os fracos”

Zygmunt Bauman, sociólogo polaco, ao “El Mundo”:

- La modernidad sigue siendo tan líquida como antes, incluso más que antes de la crisis actual, y por eso las identidades sólo pueden seguir siendo flexibles. Sin embargo, lo que cambió el hundimiento del crédito es el abanico de posibilidades que se abrió ante esas “identidades flexibles” y su capacidad para elegir e imponer lo que elijan. Para muchas personas el número de opciones probablemente se reducirá, la capacidad de elegir disminuirá radicalmente. Las generaciones más jóvenes que entran ahora en el mercado de trabajo se enfrentan a una fragilidad social que la mayoría de sus padres pudo evitar: los horrores del empleo a corto plazo y su debilidad, y asumir la necesidad de aceptar la degradación social y el drástico recorte de las ambiciones personales. Incluso la perspectiva de la humillación personal y el rechazo de la valía y la dignidad, esas pruebas del destino tan potencialmente dolorosas para la autoestima humana...

- Hasta la reciente crisis la visión del mundo se construía sobre el “disfrute ahora y pague más tarde”. La felicidad estaba casi totalmente basada en una mayor libertad: más opciones, más cambios, más deseos y más emoción, experiencias no probadas y sensaciones deliciosas. Todos los demás problemas se resolverían solos. Pero actualmente nuestro mundo padece claustrofobia, cada vez más repleto de competidores. La protección de lo que ya tenemos está a la orden del día, más que la persecución de lo que todavía no tenemos. La seguridad se está desplazando, despacio aunque de manera constante, hacia el lugar que hasta hace poco ocupaba la libertad: “Asegurémonos de que nadie nos quita lo que ya hemos conseguido, más que preocuparnos de conseguir más” se convierte en el lema del día. La “seguridad” se eleva a valor supremo. Los Gobiernos buscan legitimar su poder a través de la demostración de su dureza con la criminalidad, la inmigración o el terrorismo.

- Los partidos de izquierdas han abandonado en general -en el ejercicio de su gobierno, pero, cada vez más, también en sus declaraciones- la causa del más débil: de los pobres, de los humillados, de los abandonados o los discriminados. Olvidaron e incluso rechazaron abiertamente los dos principios axiomáticos en los que se basa la crítica izquierdista del statu quo: primero, que la comunidad tiene el deber de asegurar a cualquiera de sus miembros frente a un infortunio individual, y segundo, que la calidad de la sociedad debería medirse, no en función del bienestar medio de sus miembros, sino del de sus partes más débiles. En su lugar, compiten con la derecha política por allanar el camino al gobierno de los mercados y de la filosofía que fomentan con hechos y palabras, a pesar de la creciente injusticia, la desigualdad y el sufrimiento que ello conlleva. Mientras, la extrema derecha y los movimientos populistas recogen los postulados que la izquierda abandonó pretendiendo ser sus engañosos defensores, mientras desvían a la gente del verdadero origen de su desgracia.

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Cuba recebe o seu terceiro “Prémio Sakharov”

Em 2002, foi atribuído a Oswaldo Payá, um opositor que pretendia uma revisão constitucional pacífica. Em 2005, calhou às “Senhoras de Branco”, familiares de presos políticos. Este ano, o escolhido para receber o “Prémio Sakharov” (atribuído pelo Parlamento Europeu) foi Guillermo Fariñas, dissidente cubano famoso pelas greves da fome com que costuma pontuar as suas indignações face à tirania castrista. Era tempo de Cuba passar a coleccionar outro género de prémios e condecorações.

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O mal e a caramunha


Albano Nunes, altíssimo dirigente do PCP, no “Avante”:

A luta de classes existe e o contrário é que seria de surpreender. Mas porquê tanto destempero e tanto ódio vomitado contra o PCP a pretexto da opinião expressa em comunicado do Gabinete de Imprensa sobre o significado político da atribuição do Prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo? Porquê tal manobra de diversão e tão sórdida campanha de denegrimento do PCP? A explicação é evidente: pela sua intervenção no plano político e social o PCP é o grande obstáculo à política de direita, a grande força que combate o fatalismo e o conformismo.
Quanto ao motivo invocado para a campanha é bem conhecido que o PCP é um partido de uma só cara e que prefere perder votos dizendo a verdade a ganhá-los escondendo-a. E a verdade é que a atribuição deste Prémio Nobel é realmente «inseparável das pressões económicas e políticas» sobre a República Popular da China, e a opinião do PCP é a de que essa escolha não tem nada de inocente, antes se insere numa escalada de pressões contra este país que, pense-se o que se pensar sobre a sua política interna e externa, está a resolver colossais problemas de desenvolvimento económico, social e cultural e desempenha um papel crescente positivo na cena internacional.
Uma tal escalada, que só não vê quem não quer, não pode deixar de causar grande preocupação, tendo em conta o quadro de crise profunda do capitalismo, de agudização das contradições entre grandes potências, de corrida aos armamentos, de multiplicação de focos de tensão e de guerra. Se realmente se quer a Paz a tarefa é trabalhar para o desarmamento em lugar de reforçar a NATO e outros blocos militares agressivos, efectuar manobras militares nas fronteiras marítimas da China, armar Taiwan, fomentar o separatismo no Tibete e outras regiões deste imenso país multinacional. E é óbvio que não vão no sentido da Paz pressões como as que têm sido exercidas sobre a China para que escancare às multinacionais o seu mercado interno, valorize a sua moeda, aceite normas ambientais que considere incompatíveis com o seu desenvolvimento, limite as suas relações internacionais.


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A seguir, poderão decidir que os cortes nos vencimentos não se lhes aplicam...

«Supremo Tribunal Administrativo volta a fixar reforma dos juízes nos 60 anos» É bom ser juiz. Sobretudo em causa própria.

Mythos vs. Logos?

Neste post, estive quase a usar a palavra “mito” a propósito do Holocausto. A ideia era apenas aludir à dimensão de sistema conceptual e discursivo que o evento também apresenta; não negar a sua ocorrência histórica. Mas claro que a prudência recomendou outra escolha de palavras: só me faltava mesmo era passar por negacionista. No entanto, isto deixou-me a pensar: porque será que os mitos têm hoje esta má fama de entidades nascidas da fantasia, de aldrabices mais ou menos intrincadas?

Um Vídeo de Manoslambrakos: O Economista e as Políticas de Austeridade

Via Manuel Resende, chegou à minha caixa de correio este vídeo de Manoslambrakos, que me apresso a compartilhar com os leitores e camaradas de bordo do Vias de Facto.

20/10/10

Sarkozy e as liberdades fundamentais


Se, com efeito, deixando em suspenso a questão de decidir o que implica ao certo e segundo diferentes espécies de circunstâncias, a liberdade de movimentos e a de circular livremente, por oposição à fixação à terra do servo da gleba e da fixação do escravo ao lugar e à pessoa do senhor seu proprietário, são liberdades fundamentais, devemos acrescentar que a liberdade no local e exercício do trabalho, dado o peso e a importância vital do trabalho na determinação das nossas condições de existência, não é, do ponto de vista democrático, menos fundamental. Que mais não seja porque, na sua ausência, a liberdade de movimentos e de circulação se esvazia. O que faz com que, bem vistas as coisas, Sarkozy a invoca para justificar medidas que significam a sua negação — ao mesmo tempo que são os grevistas e manifestantes cuja acção tem por efeito paralisar os transportes os que, fazendo-o, defendem a mesma liberdade fundamental.

Marinha no Rio?

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Quem disse que este governo é uma cáfila de medíocres que não se distinguem em nada de nada?

Teixeira dos Santos foi escolhido, pelo Financial Times, como o pior ministro das Finanças da Europa comunitária.

Pub: ainda há coisas boas à borla...

O menino Raposo tem amigos novos

Henrique Raposo vem demonstrar de novo que não faz a menor ideia do que seja mesmo o multiculturalismo, o cosmopolitismo ou o mundo em que vivemos. Ele acha que aceitar que «um estrangeiro tem os mesmos direitos e os mesmos deveres de um nacional» é património de umas ditas «bases do direito cosmopolita» – como se alguém no seu perfeito juízo defendesse leis à medida de cada tradição particularista. Ele desconhece o que foi o assimilacionismo em França e quais os seus lindos resultados. Ele ignora que um país que ele nomeia como fonte deste mal – o Reino Unido – integra ele mesmo várias culturas e nações que tem obrigatoriamente de respeitar. O bom Raposo comunga até com um transcendente «ADN do Ocidente», conhecendo-lhe o genoma de trás para a frente. Este sábio prodigioso linka textos seus que por sua vez linkam outras obras raposianas – sem deixar de, pelo meio, inventar algo tão delicioso como os «miranetes», a propósito de uma «palavra, vá, tão gozável» (deve passar a noite a sonhar com miretes, presumo).
Nada de novo em mais uma espampanante demonstração de tontice. Giro é ver que há quem recomende a leitura de tais dislates, mesmo fora da ala psiquiátrica onde o Raposo por norma se passeia.

Noite e dois nevoeiros


Ainda hipnotizado por este livro,  resolvi há dias encenar um pequeno ciclo doméstico de cinema centrado no Holocausto. Assim, comecei por mostrar aos meus filhos mais velhos o documentário Nuit et Brouillard, de Alain Resnais. Depois, para aligeirar um pouco a pastilha, seguiu-se Escape from Sobibor, um telefilme de 87 com Rutger Hauer, objecto surpreendentemente bem fabricado.
Então, aconteceu o inesperado: dei por mim a embirrar um pouco com a obra de Resnais, Jean Cayrol e Hanns Eisler – que já vira duas ou três vezes sem engulhos. Não pela bizarra ocultação do gendarme que é mostrado junto ao campo de Pithiviers; durante mais de 40 anos, o filme foi sendo distribuído com esta cicatriz censória (podem vê-la aos 4’28” desta versão), mas a cópia que tenho em casa está conforme ao original. O meu desgosto tinha mais a ver com o silêncio que ouvia cair sobre a identidade dos prisioneiros que nos davam ali a ver a sua agonia, a sua morte – o conhecido facto de a palavra “judeu” apenas ser pronunciada uma vez.
E recordei-me da reacção de Primo Levi quando os gulags começaram a ser conhecidos no Ocidente e suscitaram a tentação do símile com os lager nazis. A «lúgubre comparação entre dois modelos de inferno» tendia a ignorar as especificidades do Holocausto – começando pela sua eficiência letal –, no que ele tem de mais central: pessoas como os judeus, os ciganos ou os homossexuais não foram eliminadas em nome do domínio de uma ideologia ou de uma religião. Os judeus, sendo considerados uma raça, não dispunham de qualquer saída: nem a abjuração, nem a confissão, nem sequer a traição. Tanto merecia morrer um agitador como uma criança. Enquanto que o gulag desejava afastar oponentes e quebrar resistências, o lager só se contentaria com o extermínio total, o mais rápido possível. Desfocar os sinais distintivos do horror dos campos quase equivale a aceitar a sua normalidade; diferir para a ambígua categoria de «deportados» os seus mártires soa a esforço para aceitar como compreensíveis tais destinos.

19/10/10

O neo-nasserismo de Helena Matos

No Blasfémias, Helena Matos dá voz a um gajo qualquer que diz que nunca houve palestinianos e que o que havia naquele território (tradicionalmente considerado parte da Síria) eram árabes, beduínos, etc., mas não "palestinianos".

Portanto a conclusão que podemos tirar é que, em 1948/49, os fundadores de Israel não expulsaram centenas de milhares de palestinianos, mas sim centenas de milhares de árabes; é falso que desde 1967 mantenham sobre sua ocupação os palestinianos dos "territórios" - na verdade, quem está ocupado pelos israelitas são os árabes dos "territórios"; e os colonatos, barreiras militares, muralhas, etc. que os israelitas constroem na margem ocidental não privam as aldeias palestinianas das suas terras, das suas reservas de água, dos caminhos e estradas que necessitam para circular... não! O que os colonatos, barreiras militares, muralhas, etc. fazem é privar as aldeias árabes das suas terras, das suas reservas de água e dos caminhos e estradas que necessitam para circular.

É uma tese com um passado histórico respeitável - sempre foi largamente a tese da Liga Árabe e dos que se opõem a qualquer "paz separada" com Israel (e por isso consideraram Sadat um traidor), já que para eles o conflito é entre Israel e a "nação árabe" no seu todo, não com qualquer "nacionalidade árabe" em particular. Dentro da OLP é a linha da Saika (que pretende, não uma Palestina independente mas um mega-estado pan-árabe dirigido pelo Baath sírio) e da Frente de Libertação Árabe (a mesma coisa, mas sob a liderança do Baath iraquiano); até certo ponto, era também a posição do Movimento Nacionalista Árabe / Frente Popular para a Libertação da Palestina, inicialmente fãs de Gamal Abdel Nasser e da "República Árabe Unida" (até à Guerra dos Seis Dias e a retirada egípcia do Iemén os terem desiludido com o regime do Cairo).

A tese de que toda aquela região sempre foi chamada de "Síria" (e, concomitantemente, que  "Israel", "Líbano" e "Jordânia" são "criações artificiais do imperialismo") também sempre foi popular entre o regime sírio, nomeadamente para justificar as suas pretensões de tutela sobre o Líbano.

Já tenho mais dificuldade em perceber alguns defensores da política israelita alinharem pelo mesmo diapasão (discutir sobre se os palestinianos são um povo em si ou apenas parte do povo árabe pode ser relevante para os conflitos internos dentro da OLP, mas não vejo em que altere muito os dados do conflito israelo-árabe/palestiniano).

Mas a deriva nasserista/baathista/pan-árabe de Helena Matos cai no erro de todos os nacionalismos que julgam que o que faz uma nação é um passado partilhado; não é - o que faz uma nação é o desejo de viver um presente e um futuro partilhado (e quando esse desejo existe, facilmente se inventa esse tal passado partilhado) - o caso mais paradigmático é mesmo o de Israel (uma nação deliberadamente criada por indivíduos que decidiram, de forma racional e voluntarista, constituir uma nova nação em vez de continuarem a pertencer às nações em que tinham vivido durante séculos), mas praticamente todas as nações surgidas no século XX andam lá perto (há uns séculos atrás, quem ouvia falar em "checos"? O que havia era "boémios", "morávios" e talvez mais um ou outro grupo; e que moçambicanos havia no século XIX? E paquistaneses antes da partilha da Índia? E bangladeshis? E os moldavos, que só são uma nação porque viram que a Roménia estava ainda mais falida que eles? E , já agora, em 1760 qual era a diferença entre o que veio a ser os EUA e o que veio a ser o Canadá?).

A verdade é que os "palestinianos" poderiam ser tão só e apenas "árabes" durante séculos, mas a partir do momento em que, após 1948, nos campos de refugiados começaram a aparecer grupos "palestinianos", que tiverem que lutar tanto contra Israel como contra a repressão jordana e egípcia (o primeiro morto da Fatah foi morto pelos jordanos, não pelos israelitas), surgiu uma identidade nacional palestiniana, distinta (embora não necessariamente contraditória) da identidade árabe, como das identidades tribais e clânicas pré-existentes. E a prova disso é que durante décadas o grupo palestiniano mais importante foram os "nacionalistas palestinianos" da Fatah, enquanto nunca ninguém ligou muito aos "nacionalistas árabes" da Saika ou da FLA, nem à primeira direcção da OLP, de Ahmed Shukeiri (que havia sido largamente escolhida pela Liga Árabe) - ou seja, os "palestinianos" consideram-se um povo, e é isso que os faz um povo (creio que foi Alexandre Herculano - será que os liberais do Blasfémias não o leiem?! - que disse "Nós somos portugueses porque quisemos ser portugueses").

Cohn Bendit mudou (e os polícias também)

França, 1968:


França, hoje:












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Setenta e um por cento dos franceses apoiam a mobilização

Um balanço dos acontecimentos em França, segundo a jornalista Blandine Grosjean em Eco89:

Pour la sixième journée de mobilisation organisée depuis la rentrée, le nombre des manifestants a atteint 3,5 millions dans toute la France selon la CGT. Comme le 12 octobre. Le gouvernement, par la voix du ministère de l'Intérieur, donne, lui, le chiffre de 1,1 million de manifestants, « quand il étaient 1,2 million le 12 octobre ».
A Marseille les poubelles ne sont plus ramassées, à Nanterre des lycéens rejouent les affrontements de la veille avec la police, 4 000 stations-service sur les 12 500 que compte le territoire sont à sec. Lyon, qui n'avait pas fait parler d'elle, jusqu'à présent se retrouve en vedette sur Youtube avec des vidéos de pillages de magasins.
Lundi, on parlait de « scènes de guérilla urbaine, » avec des guillemets. Les guillemets ont disparu (…).
A la mi-journée, près de 1 158 « casseurs » avaient été interpellés depuis une semaine en marge des manifestations, selon le ministère de l'Intérieur. Ce matin des incidents ont éclaté un peu partout avec de nombreux dégâts, dont des voitures renversées.
A 8h30 devant un lycée parisien réputé, Hélène-Boucher, des jeunes, surtout des filles brandissaient une banderole qui résumant moins violemment l'état d'esprit lycéen. Angoisses du futur et antisarkozysme s'y mêlent :
« 13 ans en taule, 16 ans pas responsable, 25 ans au chômage, 70 ans mort au taf »
(…)
Le Premier ministre François Fillon a jugé ce mardi devant les députés UMP que le mouvement « commençait à s'essouffler, mais se radicalise ». Au total, 379 lycées étaient considérés comme perturbés ce mardi par le ministère (850 selon la Fidl), soit le chiffre le plus élevé depuis la rentrée.
Que va-t-il se passer dans les jours à venir ? N'en déplaise au gouvernement, le mouvement perdure, et les conséquences sur l'économie commencent à se faire sentir, notamment dans les zones rurales où les petites entreprises souffrent du manque de carburant.
Le vote définitif de la réforme qui devait avoir lieu jeudi au Sénat pourrait être retardé à ce week-end. Les syndicats craignent une radicalisation des actions et ne sont pas d'accord sur la stratégie à suivre une fois la loi votée.
Les Français sondés, eux, continuent à soutenir massivement le mouvement. Une étude CSA publiée lundi indique que 71% d'entre eux soutiennent la mobilisation.

Coimbra Alegre

“Transformar esta candidatura numa grande dinâmica social capaz de criar a energia necessária para uma mudança e uma nova esperança para Portugal” foi o grande apelo lançado por Manuel Alegre em Coimbra, num jantar onde mais de 400 apoiantes o aplaudiram com entusiasmo, numa grande jornada de mobilização na cidade cujos mestres e companheiros recordou.

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Eto’o Allez!

Já cá se esperava. Com o recrudescer da extrema-direita em boleia da crise financeira e da incapacidade da social-democracia tonta em lhe dar resposta e com os revolucionários a serem ultrapassados na luta pela “vanguarda lumpen”, os braços fascistas que hibernam nas claques de futebol mostram como as serpentes não descuram os ovos. Viu-se o pelotão organizado da claque sérvia (sobretudo afecta ao “Estrela Vermelha” de Belgrado) impedir a realização do Itália-Sérvia e como os dísticos de defesa da usurpação do Kosovo alimentavam os ódios dos hooligans fascistas sérvios (provavelmente, muitos deles vindos directamente do ataque aos homossexuais em Belgrado realizado dias antes). Neste fim-de-semana, também em Itália, mas desta vez vomitados pelos neo-fascistas de Cagliari, vieram os insultos racistas dirigidos contra o artista camaronês Samuel Eto'o e só calados com um golo do ofendido. Veremos como este fogo se propaga. Pelo sim e pelo não, olho neles. Para que, depois, não se diga que ninguém com eles contava.

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Um belo golpe

Grande sentido de oportunidade, excelente execução. Ora vejam como é que se afunda, com escassos meios mas muita imaginação, os esforços de lavagem de cara de uma petrolífera: aqui a campanha "legítima", aqui a "retocada". Parabéns aos culpados.

Coimbra seria uma lição se não fosse, como parece ser, um oásis socialista

O debate que tem vindo a ser travado, no seio do PS de Coimbra, com transvase para a opinião pública, tem sido muito útil. De facto, ambos os lados da contenda têm expressado com clareza o que pensam sobre a actual conjuntura política, o que os aproxima e o que os separa na avaliação do modo como o Partido tem sido conduzido nos últimos anos.
Particularmente elucidativa, tem sido a diferença que se tem verificado existir pelas ideias que cada um dos lados tem manifestado, quer a propósito da actual fase da vida da União Europeia, quer a propósito do que parece ser uma crise da Internacional Socialista na Europa.
Especialmente interessante foi também a troca de ideias entre as duas partes a propósito da crescem afirmação da economia social no nosso país. E foi quase comovente o apoio caloroso que ambas as partes deram ao projecto de revisão constitucional do PS, que criteriosamente elogiaram.

Por isso, os militantes estão satisfeitos, os eleitores socialistas estão satisfeitos, o povo de esquerda em geral, está confortado com o modo como o PS de Coimbra tem, nestes últimos dias, evidenciado na praça pública a sua grande vitalidade político-ideológica.

De facto, tem-se assistido a um vivo debate de ideias em que cada uma das partes, não escondendo diferenças, soube sempre ouvir com atenção o outro lado, sem que isso significasse renúncia a ser ela própria.

Se conseguirmos manter o nível de debate político dos últimos dias, tendo especialmente em conta o interesse dos temas discutidos, podemos confiar num apoio crescente do povo do distrito de Coimbra às nossas ideias e às nossas propostas.

Não duvidemos: seja qual for o resultado nacional das próximas eleições legislativas, sejam elas quando forem, por este andar, no círculo eleitoral de Coimbra, se não elegermos os deputados todos, seguramente que andaremos lá perto.


(no blogue de Rui Namorado)

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Não lhe cortem a «alegria de viver»

O site de Manuel Alegre é, nestes dias, um monumento ao enrascanço. Cada foto jubilosa, cada exortação («Precariedade não deve ser fatalidade» é a minha preferida), cada menção a uma «nova esperança», tudo transpira encavacamento. Como reagir ao momento que sofremos sem irritar o camarada Sócrates? Solução: enterrar a cabeça na areia e continuar de cara alegre.
O Bloco deve estar muito contente com o candidato que o chefe escolheu, sim senhor.

Trabalhadores da indústria do sexo, uni-vos

Anda por aí malta a querer estragar-vos o mercado, acabando com o vosso canal de comunicação com a clientela: os pequenos anúncios. Animados das melhores intenções, partem do principio que «a prostituição é sempre uma forma de exploração» e, em vez de atacarem os proxenetas, preferem apontar ao alvo mais visível e fraco. O argumento legal parece débil: «O lenocínio e outras práticas associadas à prostituição são crime. Se esses anúncios incitam à prostituição, o Governo tem todo o direito de proibir essa publicidade» – não me parece que a prostituição em si seja crime. Vai daí, saltar de uma proibição para a outra é um pouco forçado.
Ora o que o governo deveria mesmo fazer, como boa cambada de chulos, é mesmo legalizar e taxar devidamente a coisa. Criar já umas Novas Oportunidades para @s menin@s (sempre quis usar este truque gráfico) que dão o corpo ao manifesto e elevar o estatuto da actividade, dando assim mais uma ajuda à nossa eficiência fiscal.

Gorgulho e preconceito

Dentro da latrina mais ou menos generalizada que é o jornalismo em Portugal, existem alguns recantos especialmente insalubres: os jornais gratuitos (isto ignorando por agora um caso realmente fétido como o Jornal da Madeira). Mas se a leitura daquelas migalhas de informação a decorar anúncios e encartes já é penosa, o que em tais paragens passa por opinião desafia o entendimento.
Por exemplo, o Destak de hoje inclui um editorial de Isabel Stilwell sobre umas desabridas declarações de um juiz, mal disposto com o esbulho a que o Orçamento o vai sujeitar. Para salientar a indignação que a acometeu ao ler a diatribe de António Martins, a senhora Stilwell resolveu recorrer aos seus dotes literários. Sim; inventar um símile seria bom. E qual o caminho mais fácil? Claro; recorrer ao preconceito e à ignorância. Nunca falha. Leiam  isto e estremeçam: «mais valia anunciarem já que nos geminamos com o Botswana».
Ou seja: se queremos invocar uma choldra ainda mais badalhoca do que a nossa, recorramos a África. Se procuramos um exemplo de desvario, impunidade, abuso crónico de poderes, etc., temos ali em baixo um continente inteiro mesmo à mão. Imagino a cena projectada nas meninges inflamadas da senhora directora: zulus de tanga que mal saem do restaurante onde devoraram mais um missionário se põem a defecar no meio da rua. Isto enquanto dão uns tiritos numa qualquer guerra civil e tratam de se locupletar com a caridade do branco que lá longe organiza banquetes para comprar géneros de nomes impronunciáveis. E pensem: "Botswana" não soa mesmo a coisa primeva e nada recomendável? Está na cara que deve ser terra povoada em exclusivo por émulos de Idi Amim e Bokassa.
Asneira. Por acaso, o Botswana é uma das nações africanas menos tumultuosas e em mais rápido desenvolvimento; é um país que tem sabido cuidar dos seus cidadãos, apesar da escassez de recursos. E até tem feito progressos na luta contra o seu maior inimigo: a SIDA.
A bem da verdade, palpita-me que devíamos trocar o nosso quase-engenheiro pelo presidente Ian Khama. Parece-me indivíduo bastante mais honesto, capaz, culto, ponderado, previdente e impoluto do que o traste que nos calhou na rifa. Mas, a bem da verdade, isso aplica-se a quase toda a gente que conheço.