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19/12/12

A ciclovia do nacionalismo: resposta a João Rodrigues (excertos)

No blog Ladrões de Bicicletas (leia aqui) o economista João Rodrigues apresentou uma crítica à primeira parte do meu artigo “A minhoca e a maçã. A esquerda nacionalista e o euro”. Para quem se interessar, a segunda parte que trata dos efeitos económicos e políticos à escala internacional de uma saída portuguesa ou grega do euro pode ser encontrada aqui.

Entretanto, publico aqui excertos da referida resposta a João Rodrigues que foi publicada hoje no Passa Palavra.

«O centro da minha crítica ao artigo de Octávio Teixeira, e que João Rodrigues deixou completamente à margem no seu texto: a saída do euro não representaria o fim da austeridade mas o seu aprofundamento, precisamente porque uma industrialização fora do euro implicaria o reforço dos mecanismos da mais-valia absoluta. E isto por duas razões fundamentais. E aqui repito o que já tinha dito na primeira parte do meu artigo e que JR passou completamente por cima:

«Uma reindustrialização na base da mais-valia relativa seria impossível nestas condições, por duas grandes ordens de razões:
 
Por um lado, o financiamento externo em euros ou dólares para a compra de maquinaria de alta intensidade tecnológica, de matérias-primas e mesmo de alimentos e produtos de consumo corrente seria muito mais caro, fruto da desvalorização cambial do escudo. A isto somar-se-iam taxas de juro elevadíssimas nos mercados de dívida. Se a economia portuguesa na actual situação já tem pouca credibilidade internacional junto dos investidores, sem o euro como a segunda moeda de reserva mundial e sem o Banco Central Europeu como entidade de garantia de última instância, a situação seria ainda pior do que já é hoje.
 
No entanto, a via preferida pela esquerda nacionalista não seria esta, mas a da emissão nacional e “soberana” de moeda nacional. Com efeito, a via da emissão de moeda para compensar essa ausência de crédito externo elevaria a já mencionada taxa de inflação de 8-9% a níveis estratosféricos, o que só contribuiria para desacelerar ainda mais a actividade económica. Octávio Teixeira fala numa inflação de 8 a 9% no caso de uma saída do euro e tomando como base a emissão de moeda nacional para cobrir os actuais gastos do Estado e actuais necessidades de financiamento da economia. Na realidade, isto não bate certo com a sua proposta de reindustrialização fora do euro. Se o país se reindustrializasse fora do euro e sem acesso aos mercados de dívida pública, a verdade é que, por exemplo, a necessidade de incrementar a compra de maquinaria de alta e de média-alta intensidade tecnológica e a reestruturação do parque industrial português exigiriam somas imensas de emissão de moeda. [Acrescento agora que o crescimento da emissão de moeda seria muito superior aos ganhos de produtividade, na medida em que esta não se poderia desenvolver fortemente num quadro de saída do euro]. O que, por seu turno, se reflectiria numa inflação muito superior aos tais 8 a 9% de que fala OT [e que JR subscreve]. Portanto, não só o acesso aos mercados financeiros seria inviável como a emissão maciça de moeda nacional não poderia corresponder a uma alternativa economicamente sustentável.
 
Como esta reindustrialização numa base de incremento da produtividade do trabalho se tornaria impossível, a saída só poderia ser uma: o aprofundamento do actual empobrecimento dos trabalhadores por via da redução da massa salarial e numa escala muito superior, pois só assim se elevaria o excedente económico passível de financiar uma política de reindustrialização. Por isso, a saída do euro não representaria o fim da austeridade mas o seu aprofundamento».

Não é por acaso que a primeira parte do meu artigo parte da produtividade e não da questão da desvalorização, como Octávio Teixeira e JR fizeram. Enquanto a desvalorização cambial recairá sobre os salários dos trabalhadores e apenas ajudará o sector exportador da burguesia, a abordagem desta questão a partir da produtividade coloca o problema do desenvolvimento do capitalismo no quadro da mais-valia relativa. Ao mesmo tempo, a abordagem da mais-valia relativa não é de todo irrelevante, pois foi no quadro desta (e contra ela) que as mais importantes lutas operárias dos últimos 50 anos se desenvolveram. Foi contra o fordismo plenamente desenvolvido e altamente produtivo para as condicionantes da época que no Maio de 68 ou no Outono Quente italiano se desenvolveram e se colocaram as lutas sociais num plano novo de rejeição da produção capitalista.

A conversão do antagonismo classista numa luta entre nações: nações proletárias contra as nações plutocráticas.
Quem defendeu esta tese no passado e quem a está a difundir nos dias de hoje?
É a partilha de ambiguidades políticas que torna possível a circulação de temas e de teses entre extremos do panorama político.


(...)

Eu e vários outros autores temos falado dos riscos económicos e também políticos de uma saída do euro. E aqueles que dizem que o fascismo está na zona euro estão a confundir empobrecimento com aquele fenómeno político. Na verdade, o fascismo é muito mais do que um regime repressor e autoritário. Se assim fosse, todos os regimes da modernidade seriam, em maior ou menor grau, fascistas… Para a tipologia política, os critérios da repressão e do empobrecimento são muito escassos. O fascismo é, para simplificar a minha abordagem, a utilização de um movimento de massas desarticulado e sem um grau mínimo de auto-organização, em prol de uma reorganização do capitalismo sobre novas bases. Geralmente o fascismo constitui-se a partir de uma aliança dos trabalhadores com os capitalistas “produtivos” contra a finança, para regenerar a nação. E é este ponto que a esquerda, representada pelo PCP em Portugal, e a extrema-direita um pouco por toda a Europa parecem estar apostadas em concretizar: devolver a soberania nacional às forças vivas e produtivas da sociedade portuguesa (italiana, grega, etc.) contra os ocupantes alemães e os seus feitores. Não estou com isto a pretender que o PCP é fascista. Estou a dizer que a partilha de elementos comuns entre as forças políticas declaradamente fascistas e a esquerda herdeira do Cominform deveria ser objecto de reflexão. É daí que surgem os fascismos. Fascismos que podem perfeitamente depois engolir as forças que à esquerda ajudaram a defender a nação contra a Europa.
 
E aqui termino com a questão mais de perto relacionada com o nacionalismo. «O nacionalismo não vive apenas de aspectos mais directamente conotados com a vivência histórica nacional tais como D. Afonso Henriques, Aljubarrota, as quinas ou a comemoração do Primeiro de Dezembro», algo que as correntes mais à direita gostam de utilizar para definir o seu nacionalismo. «De facto, o nacionalismo expressa-se no modo de pensar a realidade, tomando os países como realidades económicas unas, transcendendo assim os antagonismos de classe. Ou, noutro sentido, equivalendo a burguesia e os gestores ao conjunto dos países ricos do norte da Europa e equivalendo o conjunto dos trabalhadores às nações periféricas» (confira aqui). É isto o nacionalismo: a elisão dos antagonismos de classe na sociedade e a aposta num trabalho ideológico e político de harmonização da classe trabalhadora com sectores das classes dominantes. Se JR fizer questão de empregar o termo nacionalismo é lá com ele. Há muito quem se considere patriota e não nacionalista. Também há quem benza a cadeira, a baptize de poltrona e pense que está sentado mais confortavelmente.
 
Longe vão os tempos em que a esquerda internacionalista apostava na derrota das suas próprias nações, como na Primeira Guerra Mundial, para que o proletariado se organizasse internacionalmente e por cima das fronteiras nacionais. Essa esquerda reivindicava-se de antipatriótica e, apesar de minoritária, era expressiva. Alguns chegaram mesmo a reunir-se em Zimmerwald, alguém se lembra dos nomes? E se recuarmos mais ainda, ainda mais distantes estão os tempos em que a esquerda internacionalista defendia o livre-cambismo contra o proteccionismo nacionalista. Houve mesmo um alemão que escreveu um livro nesse sentido, alguém se lembra do nome?

Não tenho qualquer nostalgia por aqueles tempos. Procuro apenas enquadrar historicamente as discussões que hoje a esquerda tem lançadas em cima da mesa. Num mundo capitalista completamente globalizado e transnacionalizado, apostar na nação como resposta de esquerda só pode representar um retrocesso político e ideológico profundíssimo, sendo uma garantia maior para que os capitalistas e os gestores continuem a controlar a vida social a seu bel-prazer.

16/03/10

Paz Entre Os Povos, Paz Entre As Classes

Sinalizado como factor de alegria e harmonia entre os povos, conforme assinalado ali em baixo, o desporto afirmar-se-á como possibilidade de incorporação pacífica do nacionalismo, em oposição à incorporação militarista. No contexto do segundo pós-guerra, face ao trauma da experiência militar e em dissídio com o legado nazi-fascista, trata-se de procurar estabelecer fronteiras claras entre uma e outra forma de incorporação, evitando as contiguidades dos anos 30, durante os quais o distanciamento entre políticas higienistas e de pendor sanitário, de um lado, e as políticas de guerra e repressão do corpo, de outro lado, acabaria por revelar-se menos extenso do que era frequentemente pretendido, indiferenciando-se políticas de vida e políticas de morte. Assim, durante a segunda metade do século XX o nacionalismo desportivo foi paulatinamente reassumindo a função de um lenitivo, louvado diante de outros nacionalismos, tidos como mais agressivos, e apoiando-se este contraste numa ideia que em outras circunstâncias, e de modo mais sofisticado, seria possível encontrar em muitos estudos de sociologia do desporto inspirados no trabalho de Norbert Elias e Eric Dunning: o desporto enquanto prática de refinamento que vem civilizar as energias que o corpo anteriormente despendera em funções bélicas. Identifica-se assim uma propensão do desporto à concórdia universal, tomando-o como factor de alento à benignidade potencial do sentir patriótico e nacional e como repressor do que de maligno implicará esse mesmo sentir. À semelhança do que ia sucedendo à ideia de cultura, o desporto assume aqui uma função civilizadora, apoiada numa sua essência pacificadora e universalizante. E tudo o que se desvie da essência pacificadora e universalizante do desporto tende a ser excluído do ideal de desporto, sendo tido como a excepção que confirma a regra, ou como resultado de uma corrosão do ideal que seria provocada por um elemento vindo de fora; uma frustração de natureza política, económica ou social, que se aproveitaria do desporto. Enfim... não fossem os terroristas de 1972 ou os hooligans dos anos 80 e não podíamos falar da famigerada paz desportiva...

10/03/10

zaitegaistianices

Diz-se que os historiadores já não têm a paciência, nem a ousadia, para andarem por aí pelas esquinas, às apalpadelas ao vento, em busca do dito zeitgeist. Mas quando um tipo que anda a escrever um artigo acerca da história do futebol na segunda metade do século XX – acontece comigo e não o lamento – é forçado a encarar, olhos nos olhos, este fulano e a sua pose magnífica, então não há como evitar a tentação hegeliana: abreviar o espírito de uma época num só lapso de tempo. Ofereço-vos então esta bela fotografia. Não têm de quê. E passo à legendagem.