31/08/13

Brasil, uma contradição em processo

Quem lê Vias de facto acompanha provavelmente a situação social e política no Brasil – e os debates que ela suscita – através da leitura de Passa Palavra. O texto «A revolta e o seu duplo» faz parte de um conjunto que constitui o número de Agosto de uma revista brasileira, Sinal de menos, dedicado na sua totalidade ao movimento de Junho de 2013.


Paulo Marques pretende demonstrar que o que o que ocorre no Brasil não é uma luta, mas várias lutas, algumas com conteúdos de classe e anticapitalistas, mas outras, feitas pela classe média, expressam conteúdos conservadores, quando não fascistas. Noutros termos, este movimento é uma contradição em processo !
De assinalar, também neste mesmo número de « Sinal de menos », dois artigos. Resistência e o direito à cidade, de Daniel Cunha que descreve o movimento do Passe livre e do Bloco de luta pelo Transporte Público em Porto Alegre, « uma das melhores concretizações dos protestos de Junho », « mostrando que ele se imbrica em um mosaico mais amplo de lutas urbanas pelo direito à cidade que questiona o modelo urbanístico e o consenso político estabelecidos. »
A mobilidade do inferno proletário : a vida nos trens da hiperperiferia de São Paulo, de Claudio R. Duarte, « narra a vida do proletariado urbano usurpada pelo tempo de transporte nos trens suburbanos da Grande São Paulo. Ele apresenta um pouco do mal-estar social geral que veio a furo com as Jornadas de Junho. »
 




A revolta e seu duplo
Entre a revolta e o espetáculo

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.
- Rumi (1207-1273).

1) Prognósticos retardados de uma crise.
Em 2008, durante um processo de formações políticas e debates efetuado em sindicatos, arriscamos proceder a algumas previsões um tanto imprevisíveis e vagas sobre a ulterior evolução nacional de um processo de crise mundial que mal se deflagrava. Ante a análise do arrebentamento da bolha imensa de capital fictício da economia norte-americana, que desnudaria a crise estrutural do processo de valorização historicamente estreitado pelo aumento do trabalho morto em relação ao trabalho vivo, nós prognosticávamos como possibilidades reais postas aos movimentos sociais o próprio conjunto de respostas capitalistas à crise: a tentativa de redução do valor da força de trabalho; a inflação enquanto mecanismo intensificador da exploração e redução indireta dos salários; a instituição e intensificação de uma acumulação predatória com padrões de acumulação primitiva através de guerras, incluindo uma molecular guerra civil urbana generalizada com despejos de comunidades; a intensificação da especulação imobiliária e de um crescimento econômico guindado a créditos e construção civil financiada a investimentos de capital fictício; aumentos dos preços de alimentos, energia, transportes e aluguéis; aumento da repressão e contrôle social com uma militarização progressiva da sociedade e um fascismo difuso; aumento da violência e formas de barbárie social de desintegração, incluindo escaladas das violências de gênero e racistas; a criminalização dos movimentos sociais e do protesto; a precarização maior das relações de trabalho; e a possível fuga da consciência social de grupos para discursos moralistas e salvacionistas de seitas religiosas ou a salvadores políticos fascistóides. Abria-se a Caixa de Pandora.1
O que não podíamos prever é que, com a crise, gerou-se um momento de fuga dos capitais dos centros afetados para as periferias capitalistas, intensificando o crescimento dos “BRICs” – o mecanismo auxiliar da mais-valia absoluta como válvula de escape sistêmica. No caso brasileiro, após uma intensa onda de lutas contra as reformas previdenciárias e de precarização trabalhista impostas pelo governo do Partido dos Trabalhadores em 2007, ao ano de 2008 sucedeu o refluxo e intensa desmobilização das lutas sociais, gerada pelo aumento do consumo a crédito e do emprego precário, do assistencialismo social e certa ascensão de camadas mais baixas da classe trabalhadora (paralela à precarização da classe média, constituindo um nivelamento social “por baixo”). Um curto surto de crescimento econômico no Brasil preencheu os poros de tempo social livre dos indivíduos com mais trabalho e tempos gastos com estudo e qualificação, gerando uma imensa fragmentação social dos coletivos e refluxo das lutas sociais. Reuniões, assembléias e até saraus passaram a se esvaziar, enquanto todos estavam a correr atrás de novos trabalhos e sobrevivência, ou mais estudo e qualificação. O crescimento econômico gerado pela gestão de crise da tecnocracia petista desmobilizou as lutas sociais e retirou o povo das ruas, além de aniquilar as oposições sindicais e greves. Paralelamente, inchavam os cargos de sindicalistas no aparelho de estado; as ações e compras de fundos de pensão por sindicatos; a cooptação de lideranças de movimentos sociais; a formação de estratos de novos ricos de uma tecnocracia de “esquerda” rival da anterior tecnocracia tucana pela gestão do mesmo; a cooptação e burocratização de ativistas sociais e culturais em políticas de integração capitalística da arte e cultura via financiamento estatal. O “Espetáculo do Crescimento” trouxe o marasmo social.
 [-] www.sinaldemenos.org
2) O Crescimento do Espetáculo.
Porém, este surto de crescimento era efêmero, fenômeno de crise global e da fuga dos capitais para locais de predomínio da modalidade de exploração de mais-valia absoluta e trabalho precário, e guindado a crédito. Não possuía qualquer base estrutural sólida, apesar dos pesados investimentos do governo federal em obras de infraestrutura do PAC e IIRSA2, e o alarde sobre a descoberta de jazidas de petróleo, configurando um desenvolvimentismo a crédito e um incipiente projeto de imperialismo brasileiro sobre a América do Sul e África Ocidental guindado a capitais de empreiteiras e apoio de figuras como Eike Batista e Edir Macedo. O crescimento do espetáculo teve vida curta, e gerou considerável intensificação da exploração do trabalho e da violência contra as periferias e povos indígenas. Enfim, a crise chegaria ao Brasil.
Com a eclosão e rápida disseminação do atual ciclo mundial de lutas sociais pela Europa, Mundo Árabe, Estados Unidos, Índia, Indonésia e muitos outros países, esta onda de lutas e suas formas organizativas peculiares haveriam de afinal chegar às terras tupiniquins - embora em formas nada autóctones, mas muito globalizadas e replenas de contradições.
Com o progressivo fim do crescimento, apenas no primeiro semestre de 2013, a Bovespa teve perdas variantes de 22 a 25%, e analistas apontavam senão uma estagnação, um possível risco de crescimento negativo - o "pibinho" de Mantega principiava a derreter. A inflação, bem mascarada pela imprensa, chega afinal aos dois dígitos; o preço do pão chega ao absurdo de entre cinco e seis reais o quilo, a batata de quatro a cinco reais o quilo, além do preço de ovos e outros gêneros alimentares populares como tomates irem às nuvens. E sobreveio então a onda de aumento de preços de transportes.
Como prevíamos, o valor da força de trabalho começou a ser atacado e devorado por uma inflação geral, que está no estopim das revoltas sociais – fato também quase nunca mencionado pela imprensa. Além disso, as obras da Copa do Mundo fizeram extrapolar os despejos de comunidades e a violência policial contra as favelas; as obras desenvolvimentistas do PAC e IIRSA deflagraram um verdadeiro terrorismo do
desmatamento predatório e tomada de terras indígenas por barragens – além do ataque dos fazendeiros e do agronegócio, tão fomentado pelo governo federal, às terras indígenas. A onda de lutas sociais autônomas já começa subterraneamente em fins de 2010 e em 2011, com as imensas greves selvagens nas obras do PAC, a começar pela hidroelétrica de Jirau, parando mais de oitenta mil trabalhadores, forçados a se autoorganizar às margens de um sindicalismo governista e pelego que corroborava a exploração – iniciava-se uma série de greves que se extende até o presente momento. Houve relatados e mal esclarecidos desaparecimentos, prisões e torturas de grevistas em áreas amazônicas de canteiros de obras. Sindicalistas iam de carro oficial pedir aos trabalhadores que não parassem as obras do PAC. Tais obras estavam sendo guindadas a trabalho semi-escravo, com direito a falta de banheiros e surtos de malária, além de verdadeiras prisões de exploração de mulheres em prostituição ao redor dos canteiros.
Além do mais, uma “primavera indígena” de lutas, também pouco midiatizada, se sucede, desde as lutas no sul da Bahia e os episódios quase palmarianos de cacique Babau3 (que foi preso), além da tragédia dos assassinatos e suicídios de índios guaranikaiowá (curiosamente, muitas vezes “atropelados” em estradas de terra) em Mato Grosso do Sul. Além disso, greves também ocorreram nas obras da Copa, em diversos estádios – por vezes motivada até por comida podre4 servida aos operários. Uma característica fundamental de todas estas lutas, muito pouco faladas pela imprensa golpista, e ainda menos pela imprensa governista, é sua acentuada autonomia de organização em relação aos sindicatos burocráticos e partidos políticos institucionais. Jornalistas enfocam apenas as reivindicações, e raras menções são feitas ao fato de os trabalhadores estarem a se organizar à margem do sindicalismo oficial – como ocorre também com greves de motoristas e cobradores de ônibus em muitas cidades. Ao ataque ao valor da força de trabalho, sucedeu a resposta do proletariado.5

30/08/13

Considerações sobre o piropo



1. O piropo não é sedução. Nem sequer é engate, uma vez que a sua base não é a do diálogo. O piropo manda-se mas raramente se troca. Não é por acaso que ele surge de uma janela de um automóvel em movimento ou de um qualquer tipo em passo rápido. Parte do seu «fascínio» é, precisamente, a de criar poucas possibilidades de resposta. 

2. O piropo é socialmente fechado. O seu cariz aproxima-se, a título exemplo, do discurso jurídico. Não existem quaisquer leis da natureza que impeçam uma pessoa de interpretar e tecer considerações sobre o teor da lei X ou do decreto Y. Porém, no final, existem os que serão levados a sério e os que serão ignorados. Com o piropo passa-se mais ou menos o mesmo. O seu sujeito é primordialmente masculino e o seu objeto primordialmente feminino. Claro que é possível a uma mulher mandar um piropo a um homem. No entanto, ao contrário do «malandro», «marialva», «sedutor» ou, na sua última novidade, «vanguarda intelectual destinada a tornar as mulheres conscientes da sua sexualidade», seriam outras categorias a definir tal ousadia: «tarada», «ninfomaníaca», «desesperada», «mal fodida».

3. A proposta da criminalização só acrescenta confusão ao debate. Deixemos o estado de lado porque não é uma lei, por si só, que evitará um fenómeno cuja aparente dimensão reduzida e irrelevante esconde algo estrutural: o sexismo enquanto relação social. Claro que a chapada na cara e o pontapé nos tomates devem, como é óbvio, possuir um estatuto semelhante.

24/08/13

Do "flagrante delito" da "Dialéctica" segundo o Passa Palavra

Aqui se transcreve, e não me parece que seja preciso dizer mais, este "flagrante delito", intitulado "Dialéctica", que o Passa Palavra acaba de publicar:

A dialéctica, como movimento lógico do raciocínio, nasceu entre os místicos e nas mãos deles, ou na cabeça, foi um poderoso utensílio. Depois desceu à terra e, aplicada à realidade empírica, o que perdeu em etapas sucessivas de um pensamento virado para o infinito ganhou em eficácia analítica. Tornou-se um utensílio mais poderoso ainda. Mas o verdadeiro poder conseguiu-o quando passou a servir aos chefes políticos, aos subchefes também, para justificar hoje o contrário de ontem e mostrar aos estúpidos que somos que o avesso é a expressão dialéctica do direito. Depois de termos aprendido que a ditadura realiza dialecticamente a liberdade, o amor à nação manifesta dialecticamente o internacionalismo, o capitalismo de Estado constitui a etapa dialecticamente necessária para o comunismo, a destruição da arte resulta dialecticamente da fusão da arte na vida, estamos prontos para tudo.

18/08/13

Massacre de Estado



Os terríveis acontecimentos recentes vêm provar que o centro do poder do Estado egípcio é o Exército. Os movimentos sociais dos últimos anos abalaram as forças políticas e económicas do antigo regime mas deixaram intactos esta instituição, um enorme complexo militar-industrial que é um Estado no Estado.
Neste curto texto, publicado em 5 de Agosto de 2013), na interessante revista Jadaliyya (en inglês e em árabe),


Ashraf El-Sherif avança alguns argumentos que nos permitem perceber melhor os massacres e os interesses políticos que os justificam. Ele mostra, em particular, que o afrontamento entre o partido Islâmico e o partido do Exército aliado à classe capitalista local resultou numa competição pelo domínio do poder político e dos órgãos do Estado. Lembra também que a Irmandade não é um movimento social, antes uma organização reacionária e de orientação económica liberal próxima das orientações do antigo regime, oposta às aspirações e reivindicações do movimento social recente. Os sectores do povo alienados às diretivas autoritárias e sectárias da Irmandade pagam hoje com a vida o falhanço das estratégias dos chefes que até ontem aspiravam a uma aliança com o Exército para estabelecer um regime totalitário.

Isto dito, tanto terror e sangue é obviamente também um sinal enviado aos revolucionários e aos trabalhadores em luta pela justiça e igualdade social no Egipto pós-Mubarak. Os horríveis massacres dos últimos dias são uma mensagem clara às agitações sociais e populares. A «Primavera » árabe chega ao fim. E a partir de agora a metralha dos militares será a voz do poder.
Sobre tudo isto leia-se também o texto de uma organização de socialistas revolucionários egípcios que têm o mérito de tomar uma posição clara.


A queda da Irmandade
The Brotherhood’s downfall

The fall of the Brotherhood is the rational outcome of the group’s political, organizational and ideological makeup. This realization challenges the Brothers’ own propaganda informed by their victim mentality. The Brotherhood has tried to portray its downfall as the outcome of a conspiracy led by the military and the remnants of Mubarak’s regime, disregarding the massive public dissent against its rule. This conspiratorial reasoning has also been propagated by various American media outlets.
The Muslim Brotherhood could not in any way be considered a movement for change. The Brotherhood could be best described as a closed socio-religious sect that adopts an identity-centric authoritarian perception of itself as the guardian of society’s Islamic identity. This Islamic identity, according to this perception, should ideally be imposed through the modern state’s central apparatus for the Brotherhood to fulfill its mission. The Brotherhood also adopts conservative rightist socio-economic policies.
Therefore, despite their alliance with revolutionary groups in the different stages of the January 25 revolution — for example, during the 18 days leading up to former President Hosni Mubarak’s ouster from power, and during the 2012 presidential election — they remain far from embracing any socio-political democratic aspirations. Evidence of these realities are ample, if we only take a quick look at deposed President Mohamed Morsi’s presidency.  
It is obvious that the Brothers were never adamant about implementing any true restructuring of state institutions, or bringing about real change. What they did instead was attempt to infiltrate these establishments or create alternative structures that they could control.
On one hand, Morsi’s government and the previous Brotherhood-dominated Parliament produced an authoritarian, military-biased constitution, in addition to a myriad of non-democratic policies and legislation. These policies were meant to restrict the right to assemble, protest and form NGOs. This was in addition to deliberately harassing the media, labor unions and targeting political activists. The Brotherhood also appointed its members to executive and legislative offices, in addition to key administrative posts. This is a reflection of the Brotherhood’s prototypical cult mentality that believes in divvying up the booty.
The Brothers carried on with the same socio-economic policies of the Mubarak regime. Crony capitalism, borrowing and rentier-based economic policies all persisted under the Brotherhood administration, without any regard for serious economic reform. This was, of course, in addition to the group's deliberate incitement of religious sectarianism and violence against its political rivals, which created a highly zealous and polarized political environment.
On the other hand, the Brothers flirted with the old regime and its institutions on their road to power. That being the case, it is quite ironic that the Brotherhood is speaking against the military now, when it had worked closely with the Supreme Council of the Armed Forces (SCAF) in orchestrating the transitional period following the January 25 revolt, to the point of demeaning anti-SCAF revolutionary groups in the eyes of the public. The MB sided with SCAF in the crimes it committed between September and December 2011. This includes the Maspero, Mohamed Mahmoud and the Cabinet massacres, where protestors were killed at the hands of the military and security forces.
Additionally, the Brotherhood-drafted constitution gave the military huge privileges and immunities. The MB also completely rejected any implementation of transitional justice programs, and the restructuring of the police, whose budget, along with that of the military’s, probably doubled under the Brotherhood’s reign.
And lastly, the Brotherhood government tried over and again to restore harmony with the Mubarak regime oligarchy through legal and political means.
Despite all this, the Brotherhood failed to establish a right-wing ruling pact, which led the “old regime” to abandon the group at the onset of the June 30 popular uprising. The reasons for this failure are twofold. First, the lack of high caliber within the Brothers and their inability to build political alliances. Their monopoly of power was evident, for example, during the drafting of the constitution, the formation of the cabinet and electoral alliances.
More importantly, however, the Brotherhood’s own makeup as a closed, socio-religious cult that does not welcome new “clients” made its potential allies — namely the army, the police, the judiciary and the bureaucracy — wary of the group. This is in addition to the fact that these state institutions were already groomed to hate political Islam.
The above-mentioned state institutions also hold different views than the Brotherhood when it comes to “national interests,” “world-view” and “Egyptian national security.” The Brotherhood further raised these state institutions’ suspicion when Morsi’s administration turned a blind eye to the violence and terrorism of Islamist groups — who form the main support base for the Brotherhood — in Sinai, for example.  This is in addition to the incitement of sectarian violence against Copts and Shias, in particular, by radical Islamists in a manner that threatens the eruption of wide-scale civil strife, which is a redline for those state institutions.
Accordingly, the Brotherhood’s efforts to become the new ruling class uniting the state’s institutions under its leadership failed. What the Brothers tried to do instead was to sway those state institutions under their influence, rather than try to reach a common understanding or ruling arrangement with these players. This miss by the Brothers is most evident in their dealing with the judiciary.
Finally, it is obvious that the Brothers were never adamant about implementing any true restructuring of state institutions, or bringing about real change. What they did instead was attempt to infiltrate these establishments or create alternative structures that they could control. This process was rightly termed “the Brotherhoodization” of the state.
This attempt by the Brothers to dominate led the old state’s institutions to abandon ship on June 30. Abandoning the Brothers was not a result of a rejection of their “reformist project,” as they claim. They ditched the Brotherhood because of the latter’s inability to adequately reestablish the authoritarian regime in collaboration with the old regime.
Despite the Brothers’ propaganda regarding the deep state’s enmity for their rule, they miscalculated the true power balance and the prerequisites for partnering and cooperating with state institutions. This has only proven how secular groups overestimated the Brothers’ power and their ability to “Brotherhoodize” the state.

13/08/13

Uma carta de Orwell sobre a génese de "1984"

Uma crónica de Principia Marsupia, no Público.es, transcreve os seguintes excertos de uma carta de George Orwell, ao mesmo tempo que fornece o link para a sua versão integral (em inglês).



La carta en la que Orwell explica “1984″



Nadie comprendió tan pronto el siglo XX como George Orwell.
Esta semana se ha publicado “George Orwell: A Life in Letters”. El libro contiene una carta fascinante donde Orwell explica la tesis principal de “1984″ que escribiría dos años después. Podéis leerla entera aquí.
Me temo que, desgraciadamente, el totalitarismo está creciendo en el mundo.
Hitler pronto desaparecerá, pero sólo a costa de fortalecer a: 1) Stalin, 2) los millonarios americanos e ingleses y y 3) todo tipo de pequeños “fuhrers” al estilo de De Gaulle.
[…]
En el mundo que veo venir, en el que dos o tres superpoderes controlarán el mundo, 2+2 será igual a 5 si el “fuhrer” de turno así lo desea.
[…]
La mayor parte de la élite intelectual inglesa se opone Hitler, pero sólo a cambio de apoyar a Stalin. La mayoría de ellos apoyan métodos dictatoriales, policías secretas y la sistemática falsificación de la Historia siempre que beneficie “a los nuestros”.
Pero si uno proclama que “todo es por una buena causa” y no reconoce los síntomas siniestros, en realidad sólo está ayudando a fortalecer el totalitarismo.
[…]
Desde que la guerra contra el totalitarismo comenzó en 1936 [Orwell combatió con los republicanos durante la Guerra Civil], creo que nuestra causa es la mejor. Pero para que continúe siendo la mejor, necesitamos una autocrítica constante.
Orwell escribió esta carta desde su casa en el barrio londinense de Mortimer Crescent el 18 de mayo de 1944. Dos semanas después, un misil V-1 alemán destrozaba Mortimer Crescent. Os cuento esto porque siempre me han fascinado los dos primeros párrafos de “The Lion and the Unicorn: Socialism and the English Genius” que escribió tres años antes. (En esa obra Orwell propone una revolución socialista y democrática en Inglaterra en oposición al estalinismo soviético).
Mientras escribo esto, seres humanos muy civilizados vuelan sobre mi cabeza tratando de matarme.
Ellos no sienten ninguna enemistad hacia mí como individuo. Yo tampoco hacia ellos. Sólo están “haciendo su tarea”, como dice el proverbio. La mayoría de ellos, no tengo ninguna duda, son buena gente y jamás cometerían un asesinato en su vida privada. Por otro lado, si alguno consigue matarme hoy, tampoco tendrá ninguna pesadilla. “Están sirviendo a su país” y eso parece que les absuelve de todo mal.

11/08/13

De duas edições de Anselm Jappe pela Antígona a um post de André Bonirre e a um outdoor do BE

Não é preciso imitar a vaga fuga para diante de Anselm Jappe, quando, depois de admitir que toda e qualquer sociedade concebível terá de resolver de uma maneira ou de outra o problema da produção, se limita a assinalar que considera insuficientes todas as alternativas até hoje propostas nesse domínio e se contenta com acrescentar que a democratização da economia (sem explicar demasiado o que entende por ela) não é garantia bastante, para reconhecermos a riqueza de perspectivas que alimenta a sua crítica do capitalismo e fazermos nossa a sua reivindicação de uma reincrustação da economia que a subordine  à vontade lúcida e responsável de uma outra forma de organização social mais justa e igualitária. Daí que seja importante chamar a atenção para a publicação pela Antígona de mais um seu título, Conferências de Lisboa (tradução de António Guerreiro e outros, Lisboa, 2 013) após a edição portuguesa de Sobre a Balsa Medusa. Ensaios acerca da decomposição do capitalismo (tradução de José Alfaro, Lisboa, 2012).

Deixando para outra ocasião uma leitura um pouco mais desenvolvida das teses de Jappe, aqui faço questão de deixar desde já um exemplo da sua força inspiradora, tal como a aplica e sublinha um texto tão originalmente concebido e radical como o que, no blogue A Natureza do Mal, André Bonirre acaba de publicar sobre o outdoor do BE: "Tudo o que foi roubado / Tem de ser devolvido", e cuja conclusão aqui se transcreve:


Anselm Jappe, na esteira dos situacionistas e de Robert Kurz, acha que esta visão [ou "versão bloquista, encantadoramente ingénua, onde um cortejo de arrependidos, acordado pelas trompas dos anjos, se levanta de Cabo Verde a Belém, do Brasil aos Conselhos de Administração, dos gabinetes de advogados ao Parlamento, da Ongoing ao governo, e vem entregar o capital que fraudulentamente desviou"] dos capitalistas malvados ou, nas suas palavras, da aliança entre os banqueiros e os políticos corruptos é simplista. Que a crise actual e a própria natureza do capitalismo, a sua incrível capacidade destruidora, as suas contradições, resultam da economia se ter separado da sociedade e de ter colocado a sociedade ao seu serviço. E a raiz desse comportamento esquizofrénico e suicida está na essência mesmo da economia mercantil, e não pode ser alterado substancialmente pela melhor repartição, pela regulação, pelo Estado social, nem, pasme-se, pela alteração da propriedade dos meios de produção. A mercadoria, o trabalho, a formação do valor têm de ser submetidos a uma crítica lúcida se quisermos compreender e modificar “ a mercadorização” de todos os aspectos da vida.

Apontar o dedo aos ladrões satisfaz as turbas e a necessidade dos humanos em encontrar e punir os culpados. Mas teríamos de ir mais longe, e, continuando a desprezar os que roubaram, procurar ver além dos outdoors. 


09/08/13

Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)

Durante um breve período — os meus curtos anos de jornalismo, imediatamente anteriores e imediatamente posteriores ao 25 de Abril de 1974 — convivemos de perto. Depois, fomo-nos cruzando mais raramente, e, nas últimas décadas, perdemo-nos de vista. Claro que estávamos de acordo para afirmar que "Estaline destruiu completamente tudo o que era verdadeiramente socialista", que o socialismo sem democracia não o era por muito que continuasse a usar esse nome, e muitas outras banalidades mais ou menos de base, sobre as quais não vale a pena insistir. É claro também que tirávamos dos pontos elementares de acordo conclusões antagónicas — mas que nunca nos impediram de procurar discutir, dando conta e razão do que pensávamos. Hoje, sinto cada vez mais a falta de gente capaz de se desentender de maneira parecida. O mal-estar na civilização que apesar de tudo nos formara, a iniquidade que a acompanhava, as suas promessas incumpridas utilizadas como alibis da dominação — tudo isso, enfim, era bem real, e talvez eu me desse mais do que ele conta disso, ou fosse, mais do que ele, céptico. Mas a falta de civilização, a recaída acelerada na barbárie dos tempos que correm, são uma regressão maior do que qualquer de nós imaginava como possível nos anos que se seguiram à ressaca do movimento de democratização revolucionária de 1974-1975, e também nisso continuaríamos a concordar agora, ainda que nos opuséssemos sobre as vias a tomar, os caminhos a tentar, como alternativa.

Não vou aqui falar da importância literária de Urbano como ficcionista nem do seu ensaísmo crítico actualíssimo (manchado apenas pelos efeitos da generosidade excessiva com que, à semelhança do seu amigo David Mourão-Ferreira e movido por uma afectividade afim, valorizou várias ou demasiadas coisas demasiado menores). Bastar-me-á dizer que creio ser na sua poética que os interessados deverão dar-se ao trabalho — que vale hoje a pena, mais do que nunca — de procurar o que de mais inspirador, e também ou sobretudo em matéria política, permanecerá do seu percurso singular.

QSLT: um movimento em negação

A Vice publicou uma excelente reportagem sobre o movimento Que se Lixe a Troika. A ler.

04/08/13

A Plataforma Gueto e Marcus Garvey — Um Comentário do João Bernardo

O João Bernardo acaba de publicar, no Passa Palavra, o seguinte comentário sobre a iniciativa de um evento Universidade Marcus Garvey (2-4 de Agosto de 2013) da Plataforma Gueto. Aqui ficam à laia de aviso à navegação as suas observações:


A Plataforma Guetto colocou no Facebook uma chamada de atenção para uma tal Universidade Marcus Garvey, um evento que ocorre entre 2 e 4 de Agosto de 2013 (…) A Plataforma Guetto esclarece que «este evento enquadra-se dentro de um conjunto de programas de formação política organizado pela Plataforma Gueto com o objetivo de munir-nos, enriquecer-nos de conhecimento que nos emancipa». A Plataforma Guetto considera ainda Marcus Garvey como «um dos mais importantes líderes africanos de todos os tempos».

É necessário que a chamada esquerda tenha chegado a um grau muito profundo de degradação para escolher como luminária um político confessadamente fascista e racista, anti-sindicalista e anticomunista, e cujos projectos relativamente à África denotavam um acentuado neocolonialismo. Seria interessante que a Plataforma Guetto divulgasse a opinião que a National Association for the Advancement of Colored People tinha a respeito de Marcus Garvey. Aliás, faço notar que uma das obras usadas neste artigo para fazer a crítica do movimento de Garvey tem como autor o pan-africanista George Padmore.

Na época de Garvey eram necessários os fascistas para enterrarem os valores da esquerda, mas hoje a própria esquerda se encarrega de se enterrar a si mesma.